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Pedro Trovão do Rosário

prosario@autonoma.pt

Doutor em Direito e Professor Associado da Universidade Autónoma de Lisboa (UAL), Investigador Integrado do JUSGOV/UMinho – Centro de Investigação em Justiça e Governação (GLOB – Grupo de Investigação: globalização, democracia e poder) e Investigador e Cocoordenador do Grupo de Investigação: Cultura de Paz e Democracia do Ratio Legis/UAL – Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Ciências Jurídicas

 

Para citação:

ROSÁRIO, Pedro Trovão do – Cidade e Democracia. Refletindo sobre a Constituição, leis gerais e instituições nestes 50 anos. Estudo Prévio 25. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, dezembro 2024, p. 254-261. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/25.9

Artigo recebido a 29 de julho de 2024 e aceite para publicação a 21 de outubro de 2024.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Cidade e Democracia. Refletindo sobre a Constituição, leis gerais e instituições nestes 50 anos

 

Resumo

Nos cinquenta anos da democracia e do dealbar da Constituição da República Portuguesa, será oportuno ponderar o significado de “Cidade” enquanto espaço e núcleo integrante e potenciador das pessoas coletivas territoriais nas quais se vivem e atuam pessoas singulares: os Cidadãos. Por seu lado, a cidadania, enquanto estatuto jurídico de relação do individuo com uma comunidade política, terá formas próprias de participação e de integração. Assim, recordam-se formas de organização política democrática descentralizada, como o referendo, desde a Constituição às normas legais e às práticas tidas, de forma objetiva e critica.

 

Palavras-chave: Cidade; Autarquias locais; Direito político; participação popular

 

 

 

Cidade e Democracia

A Constituição da República Portuguesa (doravante CRP) de 1976, como aliás ocorrera com as suas “antecessoras” (embora a Carta Constitucional de 1826 estabelecesse a “criação de câmaras em todas as cidades e vilas existentes e nas mais que para o futuro se criarem, competindo-lhes o governo económico e municipal das mesmas cidades e vilas”.), nunca utiliza a palavra “Cidade” como elemento estruturante do modelo de organização política ou económica do país ou de parcelas do território.

Tão só, na Constituição vigente podemos encontrar duas referências à “cidade”:

“Artigo 81.º (Incumbências prioritárias do Estado)

Incumbe prioritariamente ao Estado no âmbito económico e social:

(…)

  1. d) Promover a coesão económica e social de todo o território nacional, orientando o desenvolvimento no sentido de um crescimento equilibrado de todos os sectores e regiões e eliminando progressivamente as diferenças económicas e sociais entre a cidade e o campo e entre o litoral e o interior;”

e, curiosamente

“Artigo 227.º (Poderes das regiões autónomas)

  1. As regiões autónomas são pessoas colectivas territoriais e têm os seguintes poderes, a definir nos respectivos estatutos:

(…)

  1. n) Elevar povoações à categoria de vilas ou cidades;”

Ou seja, a Constituição da República Portuguesa estabelece como elemento essencial a existência de um Estado Unitário descentralizado no seu artigo 6º, onde (nº1.) O Estado é unitário e respeita na sua organização e funcionamento o regime autonómico insular e os princípios da subsidiariedade, da autonomia das autarquias locais e da descentralização democrática da administração pública e que (nº2.) Os arquipélagos dos Açores e da Madeira constituem regiões autónomas dotadas de estatutos político-administrativos e de órgãos de governo próprio, optando por identificar pessoas coletivas territoriais (Regiões Autónomas, autarquias locais – como os Municípios e as Freguesias – além do próprio Estado) e não a identificação das Cidades, das Vilas ou das Aldeias como elementos integrantes de tal organização (descentralizada). Diversa a opção em Constituições próximas (mesmo, contemporâneas), como a espanhola de 1978 onde, por razões que ora não se justifica expender “Las ciudades de Ceuta y Melilla podrán constituirse en comunidades autónomas si así lo deciden sus respectivos ayuntamientos, mediante acuerdo adoptado por la mayoría absoluta de sus miembros y así lo autorizan las cortes generales, mediante una ley orgánica, en los términos previstos en el artículo 144”.

Havendo uma tendência crescente para a população mundial viver em cidades (RITCHIE; SAMBORSKA; ROSER, 2024), há que ter presente que no caso português tal fenómeno não se cinge aos dois últimos séculos, tantas vezes referindo-se a existência de uma “macrocefalia” perante a importância de uma Cidade (Lisboa) no conjunto nacional. Mas, mesmo esta Cidade (sem olvidar ser a Capital) é à escala europeia e mundial uma cidade de dimensões inferiores à média. Aliás, atente-se à recente Lei n.º 24/2024 de 20 de fevereiro, ou Lei-quadro da atribuição das categorias de vila ou cidade às povoações quando no seu artigo 3.º estabelece que (nº1) Podem ser elevadas à categoria de cidade as vilas com mais de 9000 eleitores, em aglomerado populacional contínuo, e que correspondam a núcleos de urbanização intensa. (no seu nº 2 refere ainda a necessidade de existência de instituições ou equipamentos coletivos tipificados).

Tal ponderação de 9000 eleitores é proporcional ao modo de organização dos espaços em Portugal, encontrando-se noutros países, numa rápida pesquisa, realidades diferentes. Veja-se a título de mero exemplo a “Ley 57/2003, de 16 de diciembre, de medidas para la modernización del gobierno local” de Espanha, na qual se reconhece que “las mayores ciudades españolas, que han venido reclamando un régimen jurídico que les permitiera hacer frente a su enorme complejidad como estructuras político-administrativas. De hecho, el gobierno urbano no ha recibido hasta ahora un tratamiento específico suficiente en nuestro ordenamiento jurídico, como consecuencia de ese tradicional tratamiento unitario que ha caracterizado a nuestro régimen local.” Assim, nesta lei, consideram-se como Cidades, Municipios, de grande população (artigo 121º) aqueles “cuya población supere los 250.000 habitantes” (sem prejuízo de idêntico estatuto ser conferido a capitais de província ou autonómicas).

Em Portugal, no âmbito da organização territorial (descentralizada, nos termos do artigo 6º acima citado) destaca-se o papel das áreas metropolitanas e comunidades intermunicipais na ação tributária do Estado, conforme artigo 69.º da Lei n.º 73/2013, de 3 de setembro, na sua atual redação (Regime financeiro das autarquias locais e das entidades intermunicipais). Estas, embora não tendo sequer consagração constitucional, ocuparam o espaço de uma categoria de autarquia local constitucionalmente prevista – as regiões administrativas – nunca efetivamente implementada. Assim, são um elemento relevante para concretização do n.º 2 do artigo 238.º da Constituição da República Portuguesa (“O regime das finanças locais será estabelecido por lei e visará a justa repartição dos recursos públicos pelo Estado e pelas autarquias e a necessária correcção de desigualdades entre autarquias do mesmo grau”). Destacam-se as áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, coexistindo as mesmas com comunidades intermunicipais, enquanto organizações administrativas territoriais policêntricas que asseguram a cooperação territorial entre diferentes municípios em matérias de interesse bilateral ou mesmo multilateral. Têm em comum um mesmo “ponto de partida”, a Cidade e a expansão urbana desta, com novas áreas edificadas que trazem novos desafios e uma complexidade na sua ação: acessibilidades, saneamento básico, educação, segurança, etc., ou seja, criação e desenvolvimento de infraestruturas, podendo estas ser – como os problemas – comuns. Surgem assim, sem prejuízo da manutenção de identidades locais, novas “Cidades” como a Área Metropolitana de Lisboa (AML), composta por dezoito municípios e uma população de cerca de 3 milhões de habitantes (aproximadamente um quarto da população portuguesa) e a Área Metropolitana do Porto (AMP) integrando dezassete municípios. As áreas metropolitanas surgem no inicio da década de 90 do século XX (Lei n.º 44/91, de 2 de agosto) sendo o regime jurídico das entidades intermunicipais em Portugal, integrando as áreas metropolitanas e as comunidades intermunicipais de 2013: Lei n.º 75/2013, de 12 de Setembro (“Estabelece o regime jurídico das autarquias locais, aprova o estatuto das entidades intermunicipais, estabelece o regime jurídico da transferência de competências do Estado para as autarquias locais e para as entidades intermunicipais e aprova o regime jurídico do associativismo autárquico”), onde no seu artigo 63.º prevê:

“1 – Podem ser instituídas associações públicas de autarquias locais para a prossecução conjunta das respetivas atribuições, nos termos da presente lei.

2 – São associações de autarquias locais as áreas metropolitanas, as comunidades intermunicipais e as associações de freguesias e de municípios de fins específicos.

3 – São entidades intermunicipais a área metropolitana e a comunidade intermunicipal.”

Temos assim as comunidades intermunicipais como associações livres de municípios, entidade supramunicipal a quem os municípios conferem atribuições ou competências que integram o seu Estatuto legal por forma a melhor resolver questões comuns resultantes de uma “cidade maior”, nos termos acima referidos, nomeadamente em matérias como planeamento e gestão da estratégia de desenvolvimento económico, social e ambiental do território abrangido; às redes de abastecimento público, infraestruturas de saneamento básico, tratamento de águas residuais e resíduos urbanos; ou redes de equipamentos de saúde e  educativa e de formação profissional, ordenamento do território, conservação da natureza e recursos naturais; segurança e proteção civil; mobilidade e transportes. Embora juridicamente não haja a afirmação de “Cidade”, forçoso será perceber que é o desenvolvimento e expansão desta malha urbana mais densamente povoada que implicou a criação e institucionalização das Áreas Metropolitanas e entidades intermunicipais.

A Cidade, apesar de não constar na Constituição da República Portuguesa (CRP) como elemento estruturante do modelo de organização política ou económica do país ou de parcelas do território, mantem-se no entanto como a expressão relevante de um modelo de organização do espaço, com necessidades específicas ou caraterísticas, próprias, o que aliás foi reconhecido no Código Administrativo de 1936, o qual no seu artigo 1.º (Base I) estabelecia que o território do continente se dividia em concelhos (que se formavam de freguesias e se agrupavam em distritos e províncias) classificando-os em urbanos e rurais e, dividindo-se estes em 1.ª, 2.ª e 3.ª ordem. Seriam (foram) urbanos os que tinham sede em Cidade com mais de 25 000 habitantes (artigo 2º/§1º/1).  Tal vigorou com pequenas alterações até 1974. Hoje cabe à Assembleia da República, no âmbito da CRP de 1976, legislar sobre a organização das autarquias locais.

Ora, havendo necessidades específicas decorrentes das caraterísticas próprias das Cidades, com maior proximidade entre os cidadãos, estando estes cada vez mais informados, para a Cidade do século XXI encontramos instrumentos que potenciam a participação democrática destes, como o Referendo local

 

 

O Referendo local

O Referendo é um instrumento de democracia direta, ou semidirecta, pelo qual cidadãos eleitores são chamados a pronunciar-se sobre questões comuns, acometidas constitucional ou legalmente a essa forma de consulta, ou relativamente às quais os órgãos do poder político pretendem obter a participação dos cidadãos previamente à decisão a ser tomada no âmbito da competência de órgãos das autarquias locais.

A CRP consagra três tipos de referendo quanto ao seu âmbito: o de âmbito nacional, de âmbito regional e o de âmbito local.

O referendo local foi inicialmente denominado por “consulta directa local” conforme estabelecido na primeira revisão constitucional (1982), sendo apenas na quarta revisão constitucional (1997) que passou a designar-se referendo local. O mesmo pode ter por objeto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos (município ou freguesia) de forma exclusiva ou partilhada com o Estado ou Regiões Autónomas, conforme artigo 3º da Lei orgânica nº 4/2000, de 24 de Agosto:

“1 – O referendo local só pode ter por objecto questões de relevante interesse local que devam ser decididas pelos órgãos autárquicos municipais ou de freguesia e que se integrem nas suas competências, quer exclusivas quer partilhadas com o Estado ou com as Regiões Autónomas.

2 – A determinação das matérias a submeter a referendo local obedece aos princípios da unidade e subsidiariedade do Estado, da descentralização, da autonomia local e da solidariedade interlocal.”

No plano local, a iniciativa, ou apresentação de propostas de referendo cabe à Assembleia Municipal ou à Câmara Municipal (quando se trate de referendo municipal), ou à Assembleia de freguesia ou à Junta de Freguesia (se a iniciativa for para um referendo de freguesia). De destacar que em ambos os casos, pode, ainda, resultar da iniciativa de grupos de cidadãos recenseados na respetiva área constituídos para o efeito (Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto), conforme artigo 10.º (Poder de iniciativa):

“1 – A iniciativa para o referendo local cabe aos deputados, às assembleias municipais ou de freguesia, à câmara municipal e à junta de freguesia, consoante se trate de referendo municipal ou de freguesia.

2 – A iniciativa cabe ainda, nos termos da presente lei, a grupos de cidadãos recenseados na respectiva área.”

Permito-me destacar as seguintes disposições da Lei Orgânica 4/2000, de 24 de Agosto atento o objeto deste artigo:

“Artigo 13.º

Titularidade

1 – A iniciativa a que se refere o n.º 2 do artigo 10.º é proposta à assembleia deliberativa por um mínimo de 5000 ou 8/prct. dos cidadãos eleitores recenseados na respectiva área, consoante o que for menor.

2 – Nos municípios e freguesias com menos de 3750 cidadãos recenseados, a iniciativa em causa tem de ser proposta por, pelo menos, 300 ou por 20/prct. do número daqueles cidadãos, consoante o que for menor.

3 – A iniciativa proposta não pode ser subscrita por um número de cidadãos que exceda em 50/prct. o respectivo limite mínimo exigido.

Artigo 14.º

Liberdades e garantias

1 – Nenhuma entidade pública ou privada pode proibir, impedir ou dificultar o exercício do direito de iniciativa, designadamente no que concerne à instrução dos elementos necessários à sua formalização.

2 – Ninguém pode ser prejudicado, privilegiado ou privado de qualquer direito em virtude do exercício da iniciativa para o referendo.

Artigo 15.º

Forma

1 – A iniciativa popular deve ser reduzida a escrito, incluindo a pergunta ou perguntas a submeter a referendo, e conter em relação a todos os promotores os seguintes elementos:

Nome;

Número de bilhete de identidade;

Assinatura conforme ao bilhete de identidade.

2 – As assembleias podem solicitar aos serviços competentes da Administração Pública a verificação administrativa, por amostragem, da autenticidade das assinaturas e da identificação dos subscritores da iniciativa.

3 – A iniciativa popular preclude a iniciativa superveniente, sobre a mesma questão, quer por parte de deputados à assembleia quer por parte do órgão executivo.

Artigo 16.º

Representação

1 – A iniciativa popular deve mencionar, na parte inicial, a identificação dos mandatários designados pelos cidadãos subscritores, em número não inferior a 15.

2 – Os mandatários referidos no número anterior designam entre si uma comissão executiva e o respectivo presidente, para os efeitos de responsabilidade e representação previstos na lei.

Artigo 17.º

Tramitação

1 – A iniciativa popular é, conforme os casos, endereçada ao presidente da assembleia municipal ou da assembleia de freguesia, que a indefere liminarmente sempre que, de forma manifesta, os requisitos legais se não mostrem preenchidos.

2 – Uma vez admitida, o presidente diligencia no sentido da convocação da assembleia, em ordem a permitir a criação de comissão especificamente constituída para o efeito.

3 – A comissão procede no prazo de 15 dias à apreciação da iniciativa.

4 – A comissão ouve a comissão executiva prevista no n.º 2 do artigo 16.º, ou quem em sua substituição for designado e haja expressamente aceite esse encargo, para os esclarecimentos julgados necessários.

5 – A comissão pode também convidar ao aperfeiçoamento do texto apresentado, quer em ordem à sanação de eventuais vícios, quer visando a melhoria da redacção das questões apresentadas.

6 – Concluído o exame, a iniciativa, acompanhada de relatório fundamentado, é enviada ao presidente da assembleia para agendamento.”

A aprovação da realização do Referendo Local compete (consoante seja Municipal ou de Freguesia) à Assembleia Municipal ou à Assembleia de Freguesia e é tomada pela maioria de votos dos membros presentes, tendo o Presidente do órgão voto de qualidade. Contudo, quem fixa a data de realização do referendo é o presidente do órgão executivo da respetiva autarquia.

Os Referendos Locais realizados encontram-se registados, no âmbito das suas competências pela Comissão Nacional de Eleições, sendo consultáveis em https://www.cne.pt/content/eleicoes-referendos (infra integram-se os link para consulta direta)

Referendo local na Freguesia de Mazedo e Cortes (Monção) – “Concorda com a separação da União de Freguesias de Mazedo e Cortes?» •  13/08/2023

Referendo Local na freguesia de Benfica (Lisboa) • 12/02/2023

Referendo Local na freguesia de Sacavém e Prior Velho (Loures) • 29/01/2023

Referendo Local no município de Vizela 2023 • 08/01/2023

Referendo Local na Freguesia de Barroselas e Carvoeiro (Viana do Castelo) • 15/08/2022

Referendo Local no município de Chaves 2020 • 13/09/2020

Referendo Local de 16 de setembro de 2012 • 16/09/2012

Referendo Local no Município de Cartaxo de 2011 • 18/12/2011

Referendo Local no Município de Viana do Castelo de 2009 • 25/01/2009

Referendo Local no Município de Tavira de 1999 • 13/06/1999

Referendo Local em 1999, referendo local deliberado pela Assembleia de Freguesia de Serreleis (sobre a localização de um campo de jogos polidesportivo) • 25/04/1999

Tal experiência referendária local (como a nacional ou a regional) constitui a expressão mais intensa e com maior potencial, no quadro jurídico constitucional português, de progressão e mesmo de garantia da democracia em Portugal, pois fomenta a participação dos cidadãos nas questões da sua urbe, no âmbito das temáticas mais diversas, sem que se sintam separados da coisa pública para a qual tantas vezes só são “convocados” de quatro em quatro anos.

 

 

Os orçamentos participativos

Os orçamentos participativos afirmaram-se como um instrumento de gestão, ou governo municipal, em Municípios brasileiros no final da década de oitenta, destacando-se neste domínio Porto Alegre no Rio Grande do Sul. Consistem essencialmente numa consulta aos cidadãos sobre o destino de parte ou mesmo a totalidade dos recursos públicos disponíveis, podendo assumir diversos formatos (podendo assim ser obrigatória ou facultativa, vinculativa ou não vinculativa). Tal surge assim como um mecanismo de democracia direta, em regra com um universo eleitoral coincidente com o da área do Município, podendo os cidadãos discutirem e decidirem sobre a aplicação dos recursos existentes/estimados e influenciar nas políticas públicas. No entanto, há que ter em consideração o modo de escolha das obras a realizar e submetidas a consulta, a assimetria de valores ou encargos com as mesmas, a sua duração, o seu impacto estratégico o que condicionará as escolhas dos cidadãos. Mais, há que -como nas demais formas de democracia direta e indireta- acautelar que a consulta popular não tenha por intenção a desoneração dos responsáveis políticos eleitos. Assim, os cidadãos eleitores devem participar não só no momento da eleição das obras a realizar, mas antes na identificação dos problemas e proposta de medidas, definindo prioridades e depois da votação no acompanhamento através de mecanismos de informação clara e acessível na implementação dos projetos e avaliação das intervenções.

Em Portugal a primeira experiência de orçamento participativo ocorreu no Município de Palmela, em 2002. Entretanto, Alcochete, Alvito, Aljustrel, Avis, Batalha, Braga, Cascais, Castelo de Vide, Castro Verde, Lisboa, Marvão, Palmela, Santiago do Cacém, São Brás de Alportel, Serpa, Sesimbra, Setúbal, Vila Real de Santo António, entre outros promoveram este instrumento de participação.

A par temos os procedimentos administrativos de consulta pública definida no âmbito da política de ordenamento do território e de urbanismo, onde os cidadãos têm a oportunidade de conhecer os instrumentos de gestão territorial propostos, mas sem que tenham ação decisiva sobre os mesmos, sendo tal mantido no âmbito da decisão confiada a uma democracia representativa.

 

 

Notas finais

Do exposto resulta a existência de uma evolução nos meios democráticos, a par de um aprofundamento da descentralização, o que em si aproxima o poder político dos cidadãos, mas sem a afirmação da “cidade” como ente público, ou pessoa coletiva territorial. Simultaneamente, a crescente deslocação dos cidadãos para as “Cidades”, com diluição das fronteiras destas com vilas e aldeias vizinhas, gerou novas necessidades ou uma maior complexidade no acompanhamento e resolução das já existentes (em áreas como educação, saúde, transportes, saneamento, ambiente, turismo ou acessibilidades) motivando o aparecimento de entidades intermunicipais, depois de uma experiência tida com duas Áreas Metropolitanas, elas próprias expressão da importância da Cidade neste contexto: Lisboa e Porto.

 

 

 

Bibliografia

CABANNES, Yves; LIPEETZ, Barbara – The Democratic Contribution of Participatory Budgeting. London: London School of Economics and Political Sciences, 2015.

RITCHIE, Hannah; SAMBORSKA, Veronika; ROSER, Max Roser – Urbanization. OurWorldInData.org. 2024. Disponível em: https://ourworldindata.org/urbanization [Consult. 13/07/2024]

ROSÁRIO, Pedro Trovão do – Evolução e situação da democracia semi directa no Direito político português. In El Estado y la Constitución – Libro homenaje a Cayetano Núñez Rivero. Madrid: Editorial Universitas, 2029, p. 217-232. ISBN: 978-84-7991-519-3

 

Websites

Assembleia da República, https://www.parlamento.pt/

Associação Nacional de Municípios Portugueses, https://www.anmp.pt/

Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Publicações e-cadernos CES, https://journals.openedition.org/eces/

Comissão Nacional de Eleições, https://www.cne.pt/

Orçamento Participativo, http://www.op-portugal.org