PDF Repositório UAL

Filipa Ramalhete

framalhete@autonoma.pt

CIEBA – Centro de Investigação e de Estudos em Belas-Artes. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa. CICS.Nova – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

Margarida Pereira

ma.pereira@fcsh.unl.pt

Geógrafa, docente universitária jubilada da Nova FCSH. Investigadora do CICS.Nova – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

Gonçalo Antunes

ga@fcsh.unl.pt

Docente da Nova FCSH. Investigador do CICS.Nova – Centro Interdisciplinar de Ciências Sociais da Universidade Nova de Lisboa, Portugal.

 

Para citação:

RAMALHETE, Filipa; PEREIRA, Margarida; ANTUNES, Gonçalo – A cidade do pós-Abril. Conversa com os geógrafos Margarida Pereira e Gonçalo Antunes. Estudo Prévio 25. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, dezembro 2024, p. 165 -181. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/25.7

Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

A cidade do pós-Abril. Conversa com os geógrafos Margarida Pereira e Gonçalo Antunes

 

Filipa Ramalhete [FR]: Convidámos, para falar sobre a cidade em Portugal nos últimos 50 anos, duas gerações de geógrafos portugueses: Margarida Pereira, que estudou Geografia na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa entre 1971 e 1976, foi aluna e colaboradora de Orlando Ribeiro, e começou a sua atividade profissional precisamente no momento de transição do pós-25 de Abril; e Gonçalo Antunes, nascido no pós-Abril, que estudou Geografia na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, onde é professor e investiga sobretudo o tema da habitação em Portugal. Gostaria de começar por vos perguntar: como eram as cidades portuguesas em 1974?

Margarida Pereira [MP]: Para falar da cidade do pós-25 de Abril temos de perceber a que foi herdada. No início dos anos 1970 o sistema urbano era muito desequilibrado. Lisboa, capital do país e do império, ocupava a posição hegemónica, com concentração do emprego terciário e dos principais serviços e equipamentos de âmbito nacional; era secundada, à distância, pelo Porto. As outras dezasseis capitais de distrito, com dimensões populacionais modestas, e um perfil funcional idêntico, desempenhavam um papel importante na estruturação do sistema urbano nacional. O estatuto administrativo conferia-lhes um conjunto de serviços públicos, equipamentos coletivos (liceu, escola comercial e industrial, hospital, cineteatro, museu, …), comércio e serviços mais qualificados, que serviam também os respetivos hinterland rurais e as cidades e vilas de menores dimensões. Mas tinham deficiências graves na infraestruturação básica, nomeadamente ao nível do saneamento básico e da recolha de resíduos sólidos urbanos. Naturalmente, havia características diferenciadas. Sobressaiam algumas cidades do litoral, como Coimbra (cidade universitária), Braga, Aveiro e Leiria (atividade industrial) com maior dinâmica socioeconómica. As cidades do interior, como Bragança, Vila Real, Guarda e Castelo Branco, estavam sobretudo ancoradas em serviços de apoio à população e à atividade agrícola. A atividade industrial era circunscrita e isso afetava as dinâmicas urbanas. As outras cidades sedes dos municípios, com raras exceções, como Guimarães, Covilhã, ou o triângulo Tomar/Torres Novas/Abrantes, tinham crescimento inferior e estruturas funcionais mais débeis.

As cidades eram compactas e contidas.  Para além dos núcleos antigos, as extensões recentes, de dimensões variáveis, estavam apontadas nos anteplanos de urbanização dos anos 1940 e 1950. O centro correspondia ao local de encontro e convivialidade, onde se concentravam os serviços e o comércio mais especializado. A reduzida mobilidade (as deslocações eram efetuadas sobretudo a pé) determinava a organização do espaço urbano e a localização dos diferentes usos.

Lisboa e Porto eram exceções ao modelo descrito. Desde os anos 1960 as dinâmicas socioeconómicas destas duas cidades alastraram para as suas periferias, gerando aglomerações que mais tarde vão evoluir para áreas metropolitanas, com progressivo ascendente no sistema urbano nacional. Lisboa tem uma estruturação centro/periferia, com polarização e pendularidade diária fortes; no Porto, a distribuição do emprego era mais difusa e a dependência da periferia mais esbatida.

Lisboa, no final dos anos 1950, entrou num processo de industrialização forte, que gerou movimentos migratórios internos significativos para a capital. Começou o crescimento dos subúrbios, apoiado na estrutura radial das infraestruturas rodoviárias e ferroviárias. O centro hegemónico concentrava os grandes equipamentos e nos subúrbios predominava a habitação e a atividade industrial, com equipamentos escassos. O Eixo Oeiras-Cascais era a exceção – tinha o Plano de Urbanização da Costa do Sol, o único plano aprovado antes do 25 de Abril (em 1948), e diferenciava-se da restante periferia de Lisboa, onde cresciam os subúrbios dormitórios muito desqualificados – e essa marca chegou a 1974. Com a inauguração da Ponte Salazar em 1966 o crescimento urbano alastra para a margem sul do tejo, até então confinado aos núcleos ribeirinhos servidos pelo transporte fluvial entre as duas margens do rio). Em 1964 é concluído (mas nunca aprovado) o Plano Diretor da Região de Lisboa, lançado pela Administração para proceder à definição do modelo de ordenamento para a região. À data do 25 de Abril, este plano encontrava-se em revisão (não concluída, face ao novo contexto político). Neste período de grande afluxo populacional, a entidade pública foi incapaz de responder à escassez de habitação e assistiu-se ao crescimento dos chamados “bairros de barracas” e dos “bairros clandestinos”. Assim, a ocupação urbana na região de Lisboa podia ser assim sintetizada: uma cidade muito diferenciada, do ponto de vista funcional, social e económico, com a capital a concentrar as funções mais especializadas, e os dormitórios subequipados e com espaço público exíguo e desqualificado.

Como ocorreu o crescimento urbano? Em 1965, a Administração reconheceu a incapacidade pública de responder à crescente procura de habitação e criou a figura de loteamento urbano, permitindo ao promotor privado (detentor de solo) proceder à qualificação do solo como urbano e desenvolver o loteamento (que implicava urbanização e construção) na parcela de que era proprietário, para produzir habitação. Entre 1965 e 1974, multiplicaram-se os loteamentos urbanos na periferia de Lisboa, com dimensões (número de alojamentos) e qualidades diferenciadas, mas, em regra, com subequipamento, escassez de espaço público e de espaços verdes e qualidade de habitação diferenciada, em função do eixo suburbano onde se localizavam. A configuração do espaço urbano em cada loteamento era pensada dentro dos limites de cada propriedade, e a articulação com a envolvente confinada à ligação viária. Esta fragmentação urbana induziu o crescimento da urbanização em prejuízo do crescimento de cidade.

 

FR: O turismo ainda não era um tema relevante nesta época?

O turismo termal teve alguma notoriedade até aos anos 1960 (lembrar, por exemplo, as Termas do Vidago/Pedras Salgadas, Curia, Gerês, Monte Real, Estoril, Monfortinho, Caldas de Monchique), mas é ultrapassado pela ascensão do turismo de sol e praia. No turismo balnear um conjunto de aglomerados atraiam a procura interna, nomeadamente: Póvoa do Varzim, Vila do Conde, Leça da Palmeira, Espinho, Figueira do Foz, Ericeira, Estoril, Carcavelos, Costa da Caparica, Albufeira, Praia da Rocha. O Algarve começou a ter, sobretudo a partir do final dos anos 1960, na sequência da abertura do aeroporto de Faro, em 1965, uma procura expressiva do turismo externo. O Plano Intercalar de Fomento (1965-1967) defendia o desenvolvimento do turismo e a sua concentração, acrescentando à Costa do Sol (consolidada) o Algarve e a Madeira como áreas prioritárias.  Entre 1964/66 foi elaborado o Plano Urbanístico da Região do Algarve, para ordenar o crescimento perspetivado.

 

FR: E em relação à habitação, como é que se vivia em Portugal, quando acordámos no dia 25 de Abril de 1974?

Gonçalo Antunes [GA]: Genericamente, vivia-se bastante mal. Em 1974, quando se deu a revolução de 25 de Abril, quase tudo ainda estava por fazer no que respeitava a políticas sociais, e, em particular, no que se refere a políticas de habitação que contribuíssem para corrigir as dramáticas condições habitacionais em que grande parte da população portuguesa vivia – fosse em ambiente urbano, fosse em ambiente rural. Em ambiente rural, as condições eram tão más ou piores do que em ambiente urbano. Há dados dos censos de 1970 que nos indicam, no que se refere às condições habitacionais, que apenas 60% das habitações tinham acesso a eletricidade e instalações sanitárias, 50% a água canalizada e que apenas 30% teriam duche. Avaliando-se estes números, conseguimos perceber que grande parte da população vivia com carências habitacionais muito graves. Em ambiente rural, tínhamos aldeias inteiras que ainda não tinham eletricidade. Era efetivamente uma realidade muito dura e substancialmente diferente da restante Europa Ocidental.

Focando nas grandes cidades, desde logo no caso de Lisboa, disseminavam-se os chamados bairros de barracas, ou de lata, assim como os bairros clandestinos que apareciam na periferia da capital, fomentados numa primeira fase pelo êxodo rural e mais tarde pela imigração. Nestes locais, em particular nos bairros de barracas, as condições de vida eram reconhecidamente difíceis, em casas abarracadas sobrelotadas, construídas pelos próprios moradores, muitas vezes sem eletricidade, saneamento básico ou água potável. Na década de 1970, ainda persistiam surtos de cólera nestes locais, que levavam à morte de dezenas de pessoas. Aliás, ocorreu um importante surto de cólera, precisamente, em 1974, já depois da Revolução. É com alguma infelicidade que podemos olhar em retrospetiva e verificar que toda essa população deixava de ser pobre em ambiente rural, para passar a ser pobre em ambiente urbano. Mas, ainda assim, parece que a mudança valia a pena, o que também nos diz muito sobre a realidade do ambiente rural.

Mas o problema habitacional, numa perspetiva nacional, não se limitava às carências estruturais das habitações, que eram genericamente graves. Existia também uma elevadíssima falta de oferta habitacional. Estima-se que na década de 1970 tivéssemos menos 500 mil habitações do que famílias, ou seja, era impossível cada família ter a sua habitação. Curiosamente, o cenário de 1974 é muito diferente do atual, 50 anos depois, em que temos mais de um milhão e meio de casas do que de famílias, ou seja, a situação não só se inverteu, como hoje temos um largo superávit de habitações.

Mas como referia, em 1974 o acesso à habitação era muito difícil, a oferta era escassa e a que existia tinha muitas fragilidades. Também é importante salientar que, à data, a maioria da população era inquilina e não proprietária. Hoje vivemos num país maioritariamente de proprietários e, parece-me, às vezes esquecemos que essa realidade é relativamente recente. Aliás, é precisamente a partir da década de 1970 que esse cenário se começa a alterar, ainda timidamente. Alguns autores fazem referência, numa expressão que gosto, da transição de uma cidade de inquilinos para uma cidade de proprietários. Mas, mais do que isso, foi toda a sociedade que se transformou com o acesso à propriedade. Efetivamente, até 1974, comprar casa era inalcançável para a maioria da população, a própria “propriedade horizontal” era relativamente recente, tinha aparecido em 1955. Foi nas décadas de 1980 e 1990 que se criaram as condições ideais para comprar casa própria, esse sonho tão almejado por grande parte das famílias portuguesas. Nas últimas décadas do século XX o crédito à habitação tornou-se mais facilitado, para os que ainda assim tinham dificuldades apareceu o crédito bonificado e os juros proibitivos desceram grandemente na década de 1990. A casa própria disseminou-se e essa situação transfigurou por completo a sociedade e as cidades.

E já agora, que estamos a falar desta dicotomia entre arrendar e comprar casa, lembrar que durante a Revolução o mercado de arrendamento português tinha um funcionamento muito peculiar. Nas cidades de Lisboa e Porto as rendas estavam congeladas desde 1948, e, precisamente durante o período revolucionário, o congelamento das rendas foi alargado a todo o país.

E não esquecer também os contratos vinculísticos, que condicionavam grandemente o fim dos contratos de arrendamento, pelo que, basicamente, os inquilinos mantinham-se nas habitações até decidirem em contrário. Era quase a negação da existência do próprio mercado, digamos assim, num sistema excessivamente protecionista que levou o centro das cidades portuguesas a uma situação trágica, física e social.

MP: A escassez de habitação estimulou o aparecimento dos bairros clandestinos, que nada tinham de clandestinos (eram construídos à vista de todos), mas eram bairros construídos à margem da lei urbanística. Alguns atingiram grandes dimensões, como a Brandoa, Casal de Cambra, Vale de Milhaços, Quinta do Conde. Normalmente, surgiam afastados das áreas urbanas, onde o solo era mais barato, ou em terrenos com condicionantes de natureza física (por exemplo, declives acentuados) à ocupação urbana. O promotor dividia o terreno em parcelas, sendo os compradores comproprietários de uma quota-parte em avos, que não podiam ser registados autonomamente. Havia posse de propriedade, o que não havia na barraca, mas não havia a posse de uma parcela especifica e a construção era ilegal. A construção de barracas ocorria em terreno público (por exemplo em áreas de servidão do aeroporto de Lisboa, do Aqueduto das Águas Livres, da linha ferroviária para Sintra), onde o controle do Estado era diminuto.

Em 1974 havia milhares de barracas na Região de Lisboa, embora muitas centenas tenham desaparecido nas grandes cheias de 1967, onde morreram mais de 700 pessoas, catástrofe que o Estado Novo abafou. Será preciso esperar mais duas décadas para que o problema seja maioritariamente superado, com o Programa Especial de Realojamento (PER). Logo a seguir a 1974, a ocupação de casas gerou grande tensão na sociedade civil. Ainda estudante, deixei o lar universitário onde residia e fui “guardar” um apartamento, quando a pessoa que aí habitava teve de se ausentar temporariamente e receava deixar a casa desocupada, porque o risco de ocupação era real. Foi um período curto (até final de 1975), mas constituiu um marco deste tempo.

GA: Sobre a habitação e o ambiente revolucionário, nas minhas aulas faço questão de mostrar alguns excertos do documentário As Armas e o Povo [1], gravado logo após o 25 de Abril, até ao dia 1 de Maio. As entrevistas espontâneas são bastante reveladoras daquilo que era um dos maiores anseios da população lisboeta mais pobre… viver em casas melhores e maiores, ter saneamento básico, ter água canalizada, não ter que dormir na mesma divisão com o resto da família, irmãos, pais, é dessas coisas básicas de que se falava. Nesse período a habitação era realmente um tema dominante, a música do Sérgio Godinho, Liberdade, também fala da paz, do pão, da habitação, saúde e educação. A habitação era realmente um dos maiores anseios, era, também, uma das principais esperanças.

Infelizmente, olhamos para esses anseios e esperanças com algum desconsolo, pois sabemos o pouco que foi feito nos anos seguintes. O Serviço Ambulatório de Apoio Local, mais conhecido como SAAL, criado em 1974, apareceu tão depressa como desapareceu. Muitos outros procuraram resolver os seus problemas habitacionais com ocupações. Nas décadas seguintes, grande parte das famílias foram obrigadas a resolver a sua situação habitacional autonomamente, sem apoios públicos, quase sempre com grandes constrangimentos pessoais e familiares. Foram muitos anos sem políticas habitacionais e sem estratégia clara e definida. Só na década de 1990 é que apareceram, já tardiamente, políticas de habitação, nos modelos mais clássicos. O Programa Especial de Realojamento (PER), por exemplo, é de 1993. Também os primeiros apoios consistentes no arrendamento, com o Incentivo ao Arrendamento por Jovens, é também da década de 1990. Quase 20 anos depois de 1974. Foi muito tempo.

 

FR: Voltando ainda à situação do congelamento das rendas, esta também teve como resultado que o prédio de rendimento deixasse de ser um investimento lucrativo e passasse a ser um encargo.

GA: Sim claro, deixou de dar rendimento. Aliás, não só o prédio deixou de dar rendimento, como os proprietários começaram a ficar descapitalizados, porque o que recebiam não era suficiente para as despesas normais dos edifícios. Isto levou à degradação de parte substancial do parque residencial do centro das cidades, sem conservação e manutenção. Atualmente, a situação foi amenizada em grande medida pela iniciativa privada. Porque apesar de, desde os anos 1980, terem existido muitos programas de reabilitação, com apoios diversos, a verdade é que os proprietários raramente os utilizaram para reabilitar os seus edifícios, o que só acabou por acontecer mais recentemente devido à pressão imobiliária e turística.

 

FR: Quais os instrumentos de planeamento territorial que eram então vigentes?

MP: Em Portugal, a primeira legislação de planeamento urbano surgiu nos anos 1930 (com revisões posteriores nos anos 1940 e início dos anos 1970), com os planos de urbanização, para os aglomerados urbanos, mas o Estado central nunca deu autonomia às câmaras municipais na gestão urbana, carecendo sempre do aval da Direção Geral dos Serviços de Urbanização (DGSU). O presidente de câmara era nomeado pela estrutura central, a câmara municipal tinha então uma atuação limitada e praticamente circunscrita à área urbana. A Constituição da República Portuguesa, de 1976, cria o Poder Local, e os municípios passam a ter um papel muito importante na gestão do território. A primeira Lei das Atribuições e Competências das Autarquias Locais, de 1977, determinou que as câmaras municipais dispusessem de um plano com incidência em todo o território sob a sua jurisdição. Este diploma não teve consequências imediatas e a figura de Plano Diretor Municipal surge em 1982, com caráter facultativo. A maior parte dos municípios não mostra interesse neste instrumento, mais focados na resolução dos problemas existentes: déficit generalizado de equipamentos, de infraestruturas, etc. A escassez de recursos técnicos municipais era também uma limitação para a ação, e no país as equipas de planeamento eram insuficientes face às solicitações que iam surgindo.

Durante os anos 1980 as câmaras municipais não tinham instrumentos de planeamento, e continuarão a assegurar o licenciamento de loteamentos, numa gestão casuística caso a caso, que vão multiplicar-se, na periferia alargada, quer em Lisboa e no Porto, quer nas outras capitais de distrito, por iniciativa dos promotores privados. Também o crescimento dos bairros clandestinos se intensifica, com particular incidência na região de Lisboa. No pós-25 de Abril, o alargamento destes bairros foi agravado pela chegada de milhares de famílias das ex-colónias, que acentuaram a falta de habitação e pela permissividade das câmaras municipais, que não impediam a construção (apesar de orientações da Administração Central nesse sentido), permitindo a muitas famílias encontrar por essa via resposta às suas necessidades de alojamento, sem pensar nas consequências subsequentes dessa forma de ocupação (ausência de infraestruturação, construção em áreas sem aptidão, etc.). O loteamento clandestino só foi controlado em 1984, com o novo Regime Jurídico das Operações de Loteamento Urbano. Portanto, nos anos 1980 a cidade cresceu maioritariamente sem plano, a partir da iniciativa de promotores privados, com base no loteamento urbano. Alguns municípios começaram a desenvolver os estudos de planeamento à escala municipal – por exemplo Setúbal, Moita, Évora, Fundão, Ponte Lima, Mora -, mas constituíam uma minoria no país.

No início dos anos 1990 ocorrem mudanças acentuadas, com a criação dos Planos Municipais de Ordenamento do Território: o Plano Diretor Municipal, que passa a obrigatório, o Plano de Urbanização e o Plano de Pormenor. A obrigatoriedade do PDM decorre do facto de Portugal ter entrado na então Comunidade Económica Europeia (CEE), em 1986, e todos os projetos candidatáveis aos fundos comunitários tinham de estar inscritos em instrumentos de planeamento em vigor. O Ministro do Planeamento e Administração do Território (Professor Valente de Oliveira) determinou então: os municípios sem plano não tinham acesso aos fundos comunitários nem a fundos nacionais através de contratos-programa. Face às condições impostas, emergiu no país um interesse pelo planeamento territorial, todos os municípios pretendiam iniciar o respetivo PDM. Ao longo dos anos 1990 foi-se assistindo à aprovação da designada 1ª geração de PDM. Tratou-se de um marco importante, mas teve consequências muito penalizadoras na conceção do espaço urbano. A maior parte dos municípios não desenvolveu planos de urbanização ou de pormenor, e passaram a fazer a gestão urbanística apoiada nos PDM, elaborados às escalas de 1/10 000 (sobretudo nos municípios das áreas metropolitanas) e/ou 1/25 000, tendo as Plantas de Ordenamento e de Condicionantes uma pormenorização insuficiente para suportar a gestão urbana. O macro zonamento do uso do solo, o traçado das redes estruturantes e os índices urbanísticos passaram a responsabilidade da estrutura da forma urbana para as iniciativas (o momento temporal em que ocorrem) e a(s) propostas do(s) promotor(es) a partir do loteamento, apenas com a diferença que a sua aplicação está circunscrita ao interior dos perímetros urbanos (ou seja agora é a entidade pública que faz a classificação do solo como urbano) tendencialmente sobredimensionados face às dinâmicas demográficas e económicas. Esse ónus permanece até ao presente. O modo de atuação persistiu na 2ª geração de PDM, enquadrada pela 1ª Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e Urbanismo (1998) e correspondente Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (1999). Só o Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (2015) subsequente à Lei de Bases Gerais da Política Pública de Solo, de Ordenamento do Território e Urbanismo (de 2014), parece dar nota desse problema, ao referir que nas sedes de concelho e nas áreas urbanas com mais de 25 000 habitantes, o regime do uso do solo deve ser previsto, preferencialmente, em plano de urbanização.

 

FR: E, nesses municípios, começa também a haver mais pressão de êxodo rural local.

MP: Sim, sobretudo a partir dos anos 1980, começa a haver algum êxodo rural para a sede do município. Aliás, acontece uma situação muito interessante: o poder local olha com muita preocupação para o espaço rural e começa um grande esforço de infraestruturação, que se acentua com o acesso aos fundos estruturais, a partir da pré-adesão à Comunidade Económica Europeia. Há uma preocupação de introduzir água, esgotos, eletricidade e iluminação pública nos aglomerados rurais. Mas, enquanto essa infraestruturação está em curso/concluída, o abandono rural acentua-se. Mas, de facto, para as pessoas se fixarem no espaço rural não bastava ter melhores condições de habitabilidade, era indispensável repensar as atividades produtivas geradoras de riqueza. Ora, com a entrada na CEE, a Política Agrícola Comum arrasou a nossa agricultura (maioritariamente com baixa produtividade) e penalizou profundamente o espaço rural. A ida para a “cidade”, que podia ser a mais próxima (a sede do município) ou a grande cidade (Lisboa) era o desejo de muitos, em busca de melhores oportunidades.

 

FR: Vimos que, em muitos sítios, as pessoas não vinham para Lisboa, mas queriam ir viver para a cidade. Havia uma visão de vida urbana, havia a ideia das casas melhores, de uma maior proximidade ao que a cidade oferece e também havia alguma resistência o viver num edificado antigo.

MP: Sim, a partir dos anos 1980, o esvaziamento dos centros das cidades acentuou-se. Primeiro, porque cresce a noção de melhores condições de habitabilidade, o país abre-se, as pessoas têm mais informação, e preferem uma casa nova nas áreas urbanas recentes. No(s) centro(s) permaneceu a população mais velha e com menos recursos. Muitas vezes, saiam os filhos e ficava o casal. Não quer dizer que eles não ambicionassem melhores condições, mas não tinham capacidade financeira para mais, como as rendas estavam congeladas, se saíssem, iam pagar muito mais. O congelamento das rendas terá um efeito perverso no edificado: a sua degradação progressiva por falta de manutenção por parte dos proprietários (argumentando falta de rentabilidade).

GA: As nossas metrópoles são relativamente recentes. O tecido urbano de Lisboa, até ao final da década de 1950, nem chegava aos limites administrativos. A metrópole que temos hoje, com estes quase três milhões de habitantes, foi construída entre as décadas de 1960 e 1990. Aliás, o município de Lisboa ainda tinha uma densidade populacional muito elevada em 1980, com 800 mil habitantes, e um centro histórico muito habitado. Mas também podemos questionar se a cidade tinha de facto capacidade para 800 mil habitantes. Não nos podemos esquecer que esses elevados números, de que muitos falam com aparente nostalgia, eram também sinónimo de sobrelotação habitacional, arrendamento de quartos independentes, famílias a habitar em partes de casa, etc. Eventualmente o centro teria uma densidade populacional excessiva para ter qualidade de vida. A perda populacional não representa necessariamente apenas pontos negativos. Talvez seja desnecessário desconstruir essa ideia.

MP: Para quem tinha pouco recursos, partes de casa, barraca ou clandestino eram a solução. A barraca era o fim de linha, o clandestino já pressupunha a família ter alguma poupança, era-se proprietário de uma parcela, inexistente legalmente, mas onde se construía a casa. Depois, nos anos 1990, a primeira geração de PDM definiu um modelo urbano extensivo, que foi transversal aos aglomerados urbanos do país. Em todos os PDM os perímetros urbanos eram sobredimensionados, com o argumento, falacioso, de que se houvesse solo urbano superior à procura gerada pelas dinâmicas demográfica e económica, o preço do solo era mais barato. Qual foi a consequência? Estes perímetros urbanos sobredimensionados mantiveram o modelo de crescimento urbano herdado: os particulares apresentavam pretensões de urbanização em determinadas parcelas, de forma dispersa, criando tecidos urbanos fragmentados e comprometendo a sua estruturação de conjunto. Muitas vezes nas áreas urbanas, resultantes de vários loteamentos, confinados ao cadastro predial não havia continuidade da rede viária secundária e partes de tecido urbano ficavam sem ligação, gerando problemas de articulação complexos. Este modelo urbano extensivo persistiu durante os anos de 1990, foi assim que a cidade foi crescendo.

A primeira Lei de Bases da Política de Ordenamento do Território e de Urbanismo, de 1998, alerta para estes problemas, mas só em 2015, com a segunda lei de bases, se põe o dedo na ferida e se elimina o conceito da área urbanizável. O quadro legal que dá origem aos PDM de 1ª geração é de 1990, e é só em 2015 que o conceito da área urbanizável é extinto, obrigando os municípios à redefinição dos perímetros urbanos em prazos fixados. A periferia foi crescendo assim e, entretanto, assistiu-se ao esvaziamento da cidade consolidada. Os primeiros PDM menorizaram o espaço urbano consolidado, minimizando as orientações. Assim ao esvaziamento populacional e funcional de muitas dessas áreas foi acontecendo. Havia um conjunto de serviços públicos mal instalados e as entidades públicas pretendiam melhorar as condições de funcionamento – tendencialmente, os novos edifícios serão instalados na periferia, muitas vezes sem uma articulação com a envolvente. Dois exemplos ilustram esta afirmação: o Tribunal de Sintra (na Portela de Sintra) e a Câmara Municipal do Seixal. Ambos os equipamentos melhoraram incomensuravelmente a qualidade do serviço prestado às populações, mas foram criados em “espaço aberto”, sem enquadramento na envolvente urbana, com ligações meramente rodoviárias, sem acessos em transporte público. Assim, a própria administração concorre para a fragmentação do tecido urbano da periferia e os centros vão sendo esvaziados também funcionalmente (na maior parte das situações os edifícios ficarão devolutos, sem uso atribuído). Este modelo foi replicado à exaustão, bem-intencionado, mas com repercussões penalizadoras para a forma e a vivência urbanas.

GA: E temos ainda para resolver algumas das situações anteriores. As Áreas Urbanas de Génese Ilegal (AUGI) têm legislação desde 1995 e muitas ainda não foram regularizadas. Há claramente uma falha, era preciso criar uma legislação que fosse mais expedita e flexível para resolver a situação daquelas áreas urbanas. Muitos desses territórios são agora consolidados, já não são dormitórios como eventualmente já foram, já têm comércio, serviços, emprego, equipamentos, já estão integrados nas malhas e nos perímetros urbanos.

Outra questão eram os bairros de barracas, que ainda existem, embora como uma realidade residual. Logo em 1974, surgiu o SAAL, de que falámos anteriormente, mas teve uma vida muito atribulada e efémera. Após o período revolucionário, na verdade, houve um grande hiato de políticas habitacionais para os mais carenciados e para aqueles que viviam nos bairros de barracas em particular.

Só na década de 1990 é que aparece o PER, já 20 anos depois de 1974, com uma abordagem muito diferente, por exemplo, do SAAL. No caso do SAAL, a metodologia era bottom-up, procurava intervir diretamente com as pessoas, que se organizavam como associações ou cooperativas e estavam presentes na discussão, tinham voz e participavam na decisão daquilo que deveria ser o bairro a construir. O PER não era nada disso. Era muito clássico, top-down, com os técnicos camarários a decidirem tudo: os bairros que iriam ser construídos, como iriam ser construídos, onde iriam ser construídos, como seria a distribuição das habitações. Tudo isso pode e deve levantar várias questões, mas também é verdade que o PER resolveu aquele problema habitacional. Na década de 1990, na cidade de Lisboa, segundo levantamentos da própria Câmara Municipal, existiam cerca de 200 núcleos de barracas. Os maiores eram bem conhecidos, como o Bairro Chinês, Bairro do Relógio, Musgueira, Casal Ventoso, Curraleira, Marquês de Abrantes, Quinta da Holandesa…

Como seria de esperar, a construção de tantos conjuntos de habitação pública numa só década resultou em cenários urbanos que são muito heterogéneos. Temos bairros que funcionam relativamente bem, alguns deles nem nos apercebemos de que são bairros de habitação pública e são excelentes exemplos. E outros também são excelentes exemplos, mas daquilo que não se deveria ter feito. E, além do mais, a construção de edifícios públicos para realojar esta população nem sempre foi acompanhada pelo desenvolvimento de um habitat conveniente, o que se traduziu em problemas que ainda hoje são percetíveis no tecido urbano da cidade, e naqueles bairros em particular, que têm várias carências. Mas é muito difícil falar do PER de forma generalista, cada bairro teve a sua história própria, e cada município teve a sua própria experiência.

E ainda sobre este parque habitacional público, há que sublinhar que foi construído na década de 1990 e está agora a fazer 30 anos. Mas não é apenas necessário construir casas, é essencial criar um bom habitat, com equipamentos, transportes e bons espaços públicos, e, também, não deixar os edifícios ao abandono, fazer a sua manutenção e conservação. A habitação pública é um compromisso para o futuro. Esta questão assusta-me nos dias de hoje, em que se fala em construir vários milhares de habitações públicas. Antes de construir mais habitação, talvez fosse melhor olhar primeiro para o estado da que existe.

 

FR: Voltando ao mercado de arrendamento, quando é que ele foi descongelado?

GA: Foi a partir da década de 1980. Primeiro em 1985, mas com alterações ainda presas a premissas arcaicas e, posteriormente, de forma mais reformadora e estrutural, em 1990, com o Regime de Arrendamento Urbano (RAU). Neste período, o mercado de arrendamento não funcionava. Quem é que queria colocar habitações para arrendar num mercado que estava congelado? Convenhamos que não era a melhor opção de investimento. O resultado, já falámos sobre isso, foi o crescimento do modelo de casa própria, que coincidiu temporalmente com a entrada na Comunidade Económica Europeia. A compra de casa própria começa a ser a solução adotada por grande parte da população, até porque, na verdade, o encargo mensal com o arrendamento era normalmente superior ou igual às prestações do crédito à habitação. Isso também pesa, sobretudo num país como o nosso, de baixos rendimentos, no contexto europeu.

Voltando um pouco atrás, o arrendamento começou a ser descongelado nos anos 80. Mas, na verdade, ainda hoje temos muitas rendas que não estão de acordo com os valores do mercado, e já estamos em 2024. A primeira grande alteração foi o RAU, em 1990, que alterou por completo o paradigma do arrendamento em Portugal. Há quem diga que o liberalizou, eu acho que não foi propriamente uma liberalização, mas sim uma normalização. Mais tarde, em 2006, surgiu o Novo Regime de Arrendamento Urbano (NRAU). Mas tanto o RAU como o NRAU, na verdade, nunca alteraram os contratos anteriores a 1990. Tal só ocorreu em 2012, quando a propósito da Troika ocorreram alterações bastante substanciais ao NRAU e os contratos anteriores a 1990, normalmente chamados de “contratos antigos”, que entraram num período de transição, no fim do qual tinham de passar para o NRAU, ou seja, contratos a termo, com rendas livres e atualizadas anualmente. Estas alterações criaram uma situação muito complicada, sobretudo no centro das cidades, onde a população era muito envelhecida, com reformas baixas, pelo que não lhes seria possível pagar os valores de mercado. Isto levou a que muitos contratos não fossem renovados. Se bem que depois, quando houve mudança do Governo, tivemos algumas alterações à lei, que acabaram por amenizar os impactos das alterações de 2012.

Ou seja, nos últimos 50 anos, passámos de um mercado arrendamento protecionista, para um mercado, em 2012, liberalizado como nunca. Nem no Código Civil da Monarquia Constitucional o arrendamento era tão desequilibrado a favor dos proprietários como em 2012. Além do mais, como podemos ver pelo que aconteceu na última década, com os preços habitacionais a subirem de forma explosiva, percebemos que é preciso algum tipo de intervenção do Estado para tentar por cobro às dificuldades no acesso à habitação.

MP: Atualmente, a situação agravou-se de novo pelo crescimento muito acentuado do preço da habitação. Mas, atenção, há uma ideia distorcida quando se diz que hoje as famílias têm mais dificuldade do que no início da democracia. Quando casei e comprei a minha casa, éramos dois técnicos superiores, e um vencimento era para pagar a prestação da casa. Era difícil, mas não havia alternativas, não encontrámos casa no mercado de arrendamento, tivemos de comprar. Era assim no final dos anos 1970 e princípio dos anos 1980, quando começaram os empréstimos. O Estado encontrou forma de dar à chamada classe média uma fuga para o problema, mas forçando-a a um regime de poupança brutal.

GA: As taxas de esforço eram altíssimas. Eu, muitas vezes, digo precisamente isso. Hoje é difícil, mas o problema da habitação é um problema persistente. E é contínuo, quase crónico, está constantemente presente. Vai-se transformando. Nos anos 1990 tínhamos um problema, sobretudo relacionado com os bairros de barracas. Existia um grande frenesim de construção, de crédito e de compra, que mais ou menos ia resolvendo a situação das pessoas que podiam comprar – e que abdicavam de muita coisa para comprar aquela casa. Mas, se olharmos para a década de 1950 do Estado Novo, na cidade de Lisboa, cerca de 35% das famílias vivia em partes de casa. Uma família vivia num quarto, outra noutro quarto, e partilhavam a casa de banho e a cozinha. Já para não falar dos problemas do século XIX… O problema é crónico.

 

FR: Uma coisa a que assistimos também foi que a tendência para a compra de casa própria acabou por condicionar a mobilidade residencial das pessoas.

MP:  É verdade que a compra de casa limita a mobilidade. Não motiva muito as pessoas, por exemplo, a trocar de trabalho, a procurar outro emprego, sobretudo se for para locais que tornam os movimentos pendulares diários mais penalizadores. A mobilidade geográfica fica reduzida com a casa própria.

Mas ao falar de mobilidade ocorre-me lembrar uma alteração estrutural que então se iniciou neste domínio. Em 1986 entrámos na União Europeia e em 1985 tinha sido aprovado o Plano Rodoviário Nacional. O anterior, dos anos 1940, ainda não estava todo executado. O novo plano permitirá, com os fundos estruturais, a construção da rede rodoviária nacional, dispondo hoje o país de uma excelente rede no quadro da União Europeia. Por outro lado, os municípios vão desenvolver a rede rodoviária capilar. Na área metropolitana de Lisboa construíram-se várias vias regionais (CRIL, CREL, eixo N-S, várias radiais) previstas no Plano Diretor da Região de Lisboa, de 1964. Entretanto, nos anos 1990 assistimos a um aumento substancial da taxa de motorização no país. Estavam criadas as condições (rede viária e veículo individual) para o crescimento do automóvel nas deslocações pendulares casa-trabalho.

O investimento no transporte coletivo diminuiu, em benefício do investimento na rodovia e o aumento da taxa de motorização, induziu a entidade pública a descartar no cidadão a responsabilidade da mobilidade. E assim esta combinação – rede rodoviária e transporte individual – estimula o modelo urbano extensivo. As famílias aderem ao modelo, o automóvel era sinal de prosperidade e assegurava maior comodidade (deslocação porta-a porta), e a menor oferta no transporte coletivo penalizará sobretudo os que detêm menores rendimentos. Na área metropolitana de Lisboa, os eixos ferroviários sofreram uma degradação muito vincada, como nas linhas de Sintra e de Cascais. Em suma, começámos com a mobilidade a condicionar a expansão urbana; nos anos 1960 e 1970, o subúrbio cresce adjacente aos eixos rodoviários e ferroviários, pela acentuada dependência do transporte coletivo. As cidades de província eram relativamente compactas e as deslocações faziam-se a pé. Com a implantação do modelo urbano alargado, também aí o automóvel passou a liderar o apoio às deslocações. Com os efeitos da crise e da intervenção da Troika, e outros fatores como as alterações climáticas e os conceitos de sustentabilidade e de transição energética, volta-se a valorizar a proximidade na organização do espaço urbano.

Contudo, quando se fala em sociedade de proximidade, sinto, em alguns discursos, que se está sempre a olhar para a cidade-centro, ignorando a periferia. Em vez de falar da cidade dos 15 minutos, podíamos falar do território dos 30 minutos. Temos hoje uma periferia alargada e o conceito da cidade dos 15 minutos é, naturalmente, importante, com a revalorização da proximidade e da conectividade, mas onde é possível a sua aplicação? Às vezes fala-se da cidade como uma abstração. E na cidade há muitas realidades. Nos anos 1990, associado àquele esvaziamento demográfico e funcional das áreas centrais há também a saída de muito comércio. E isto é um dado importante. Ao longo dos anos 1990, para além dos PDM, que dominaram o planeamento, assistimos à multiplicação de programas, associados aos quadros comunitários de apoio. Os municípios tiveram programas específicos desenvolvidos à escala urbana por exemplo, na Brandoa, através do Proqual (Programa Integrado de Qualificação das Áreas Suburbanas da Área Metropolitana de Lisboa), foram construídos os equipamentos e a requalificação do espaço público. O POLIS XXI visou a valorização do espaço público das frentes de águas. Para a revitalização das áreas comerciais centrais foram criados os programas PROCOM e URBECOM para modernizar os estabelecimentos e requalificar o espaço público, mantendo os centros vivos. Mas nem sempre os objetivos pretendidos foram atingidos, sobretudo quando o esvaziamento de pessoas e de funções urbanas era acentuado. O comércio, só por si, era incapaz de sobreviver quando, entretanto, surgiram novas formas de comércio apoiadas nas grandes rodovias e nos nós rodoviários para se fixarem em locais de grande acessibilidade motorizada. Todos os municípios pretendiam acolher um grande centro comercial (sinónimo de modernidade e de oferta qualificada)! As pessoas passam a subestimar a proximidade e privilegiam a rapidez de deslocação e a facilidade de estacionamento. Querem fazer percursos rápidos, mesmo que mais longos, e estacionar gratuitamente – o que era oferecido pelo centro comercial de grandes dimensões na periferia. Essa nova forma de organização da oferta comercial também alterou a estrutura urbana, quer nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto, quer nas outras cidades. Todas as cidades capitais de distrito acolheram um centro comercial com um hipermercado, ou um hipermercado com uma galeria comercial, que introduziram alterações estruturais na organização comercial, com reflexos na reconfiguração do espaço urbano.

Última nota, para chegar ao presente. Tivemos a crise pandémica, agora a guerra, e assistimos a um grande crescimento da atividade turística, à descoberta de Portugal por parte de população vinda do exterior, primeiro de turistas e depois de investidores. Foi uma alteração estrutural nas áreas centrais, com a valorização da reabilitação e da regeneração urbana, mas já não é construir cidade para as pessoas, é construir cidades para o mercado. Os processos de gentrificação e de turistificação acentuam as desigualdades na (re)apropriação da cidade, ampliando o grupo dos excluídos. Estas ações afetam sobretudo Lisboa e Porto, em várias cidades do país os centros continuam devolutos, vazios de pessoas e de funções, sem ninguém, do ponto de vista da requalificação. Mas nas grandes cidades não estamos a construir uma cidade para os residentes habituais. Constrói-se cidade sobretudo para o mercado e para a valorização. Discute-se muito se Lisboa tem ou não muito turismo e as consequências que isso traz para a cidade. Claro que há os agentes económicos que defendem que o turismo ainda pode aumentar, outros entendem que já é em excesso e deve estabilizar. Estas mudanças já aconteceram noutras cidades, como Madrid, Barcelona, Veneza. Passámos a incluir esse grupo. Fomos descobertos, para o bem e para o mal, e é preciso encarar a situação com realismo, procurando potenciar as oportunidades criadas, sem deixar que as consequências negativas eliminem aquelas.

 

FR: Nós temos um conjunto de instrumentos de ordenamento de território já bastante estabilizado. Continuamos a queixar-nos de que muitas vezes não é eficaz. As câmaras, ora são heróis, ora são vilões. E temos recorrido muitas vezes, sobretudo nas questões da habitação, mais a programas e a estratégias do que aos instrumentos. Será que nós vamos conseguir fazer confluir isto de uma maneira feliz? Ou vamos ter de continuar nestas contradições e é na contradição que vamos evoluir?

GA: Efetivamente, do ponto de vista da legislação, há muito pouco a inventar no que respeita a políticas de habitação. Temos o direito à habitação consagrado na nossa Constituição, desde 1976 e mais recentemente a Lei de Bases da Habitação. Programas, já tivemos de tudo um pouco. O que precisamos, sobretudo, é de iniciativa política que coloque dotações orçamentais nos instrumentos que existem.

Do ponto de vista legal, já previmos quase tudo aquilo que pode ser feito no mercado de habitação. Falta é agir. E para agir, muitas vezes, aquilo que falta são dotações orçamentais. Basta pensarmos que, em 2018, apareceu a Nova Geração de Políticas de Habitação, que era realmente bastante promissora, interessante e holística. Mas grande parte do proposto acabou por dar em nada. Por exemplo, o Primeiro Direito (Programa de Apoio ao Acesso à Habitação) foi promulgado em 2018, prometia resolver a situação de 26 mil agregados familiares, a primeira meta temporal era 2024, a propósito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril, e cá estamos, em 2024, sem vermos esse objetivo concretizado. Agora, o prazo é 2026, mas todos sabemos que, pragmaticamente, não será possível construir as habitações até 2026. Temos, portanto, que aguardar pela nova data, que inevitavelmente aparecerá. A história das políticas de habitação é feita muito disto, promessas, adiamentos e esquecimento.

E já agora, também a propósito do Primeiro Direito, que está em vigor, é muito curioso analisar a proveniência das verbas. Num primeiro momento deveriam vir do Orçamento de Estado, mas à primeira oportunidade o investimento passou para o lado do PRR (Plano de Recuperação e Resiliência), costumo até dizer que o Primeiro Direito se tornou numa espécie de programa assente em financiamento europeu, por assim dizer. Podemos até questionar se, caso não fossem os fundos europeus do PRR, se realmente estávamos a construir alguma coisa. Temo que não, arranjava-se um subterfúgio qualquer.

A ausência de políticas de habitação, ou, pelo menos, o histórico pouco abonatório, também nos trouxe a este cenário atual, de elevado condicionamento no acesso à habitação. O acesso à habitação é um problema fundamental nos dias de hoje, porque, independentemente, das gerações anteriores também terem passado por grandes dificuldades para arrendar ou comprar casa, a verdade é que hoje em dia o acesso à habitação está realmente muito difícil. Nos últimos dez anos assistimos a um desfasamento crescente entre o preço das habitações e os rendimentos familiares, num problema que afeta sobretudo aqueles que menos têm e os mais jovens, que estão a iniciar a vida profissional, com empregos precários, ordenados baixos, sem aforro.

É um problema que temos de enfrentar para a saúde da própria democracia. Caso contrário, vamos ver processos de segregação e fragmentação espacial nas cidades, com territórios cada vez mais exclusivos, para os que têm muito, e outros excluídos, para os que têm pouco. E isto não é uma boa forma de fazer cidade. A cidade vive de heterogeneidade económica, social, cultural, funcional, e a forma como o mercado imobiliário tem evoluído ao longo dos anos mais recentes tem contribuído para a criação de problemas para os sistemas urbanos no geral. Comprar casa foi relativamente comum para uma geração, mas para os jovens de hoje é um autêntico privilégio. Isto cria uma perceção de desigualdade que é fraturante dentro da nossa sociedade. Neste contexto de desigualdade no acesso ao que é elementar, depois não podemos estranhar que alguns movimentos políticos consigam ganhar espaço entre os jovens e aqueles que, apesar de saírem todos os dias para trabalhar, não conseguem encontrar uma habitação. Este é, também, um dos problemas de fechar os olhos a estas questões, como dizia, coloca-se em causa a saúde da própria democracia.

MP: Nestas décadas passadas, houve, em termos urbanos, uma melhoria global da infraestruturação, equipamento e qualidade do espaço urbano, nas áreas metropolitanas e nas cidades médias. Agora, estamos longe de todos os problemas terem sido superados: muitos reconfiguraram-se, outros intensificaram-se, outros emergiram. A habitação e a mobilidade ilustram problemas que persistem e se reconfiguraram, os riscos intrínsecos às alterações climáticas crescem em amplitude. As entidades públicas tendem a ajustar as políticas aos novos desígnios, mas têm de fazer um esforço de convergência entre o discurso e a prática. Cada vez falamos mais dos objetivos de sustentabilidade, da cidade inclusiva, mas temos cada vez mais problemas em termos de fragmentação social nas cidades. Não é em todas as cidades, mas globalmente acentuaram-se essas desigualdades. Não vale a pena fingir que não vemos, nem que é circunstancial.

Hoje, parte do mercado habitacional está valorizado numa lógica internacional, para a população que vem de fora, com poder de compra elevado e cuja disponibilidade financeira não tem semelhanças com a nossa. O mercado imobiliário ajustou-se rapidamente e esta abertura teve esse efeito perverso, temos uma valorização do mercado completamente desajustada para a população nacional.

É o caso das ameaças associadas ao risco das alterações climáticas – apesar de continuarmos a falar das medidas de mitigação e de adaptação. Mais uma vez, no discurso elas são claras e de aplicação lógica, mas, na prática, continuamos a assistir a licenciamentos de construção em áreas com elevado risco de inundação, junto da linha de costa, etc. As inundações registadas na Região de Lisboa em dezembro de 2022 provocaram danos avultados no centro de saúde em Algés, construído no leito de cheia de uma linha de água (Ribeira de Algés). Um equipamento recente que foi muito danificado. É preciso comparar a retórica com a prática, há atuações que têm de mudar.

As AUGI são outro exemplo. Desde 1995, a Lei das AUGI impôs às Câmaras Municipais integrar os bairros clandestinos com potencial de reconversão no modelo urbano do município e promover a sua reconversão. Foi uma determinação que importa relevar. Mas as situações são muito diferenciadas e passados quase 30 anos após aquela orientação, muitas AUGI ainda não foram convertidas. O que tem feito a Assembleia da República? Quando a data estabelecida é atingida, procede ao seu prolongamento, prática repetida sete vezes, a última em 2021. Acontece que, com base na lei em vigor, já não há muito mais a fazer. O é indispensável, por um lado, ponderar as cedências que ainda é possível fazer sem comprometer a segurança das populações e, fora disso, assumir, sem equívocos, perante a população, que há AUGI (ou parte delas) que não são reconvertíveis. O protelar indefinidamente uma situação, criando falsas expectativas, é ludibriar as pessoas. Há bairros onde as famílias têm processos que decorrem há 30, 40 anos, e não vão ser reconvertidos (ausência de condições) nem as construções legalizadas. Muitas vezes a reconversão fica condicionada porque parte do bairro (mesmo que diminuta) está implantada em áreas de servidões administrativas ou de restrições de utilidade pública (aqui com destaque para áreas integradas na Reserva Ecológica Nacional).

A reconversão do bairro fica assim comprometida. Era preciso repensar a reorganização do bairro, legalizar o que é possível, e depois pensar soluções alternativas para as habitações afetadas pela condicionante em causa. Adiar sistematicamente não é o caminho, mas quando a ausência de respostas se esconde por detrás de procedimentos pouco transparentes para o cidadão, a administração perde credibilidade. É factual que há áreas que não podem ser convertidas, por razões de segurança. E, portanto, não devem ser criadas expectativas enganadoras aos cidadãos. É o pior que pode acontecer. Uma última sugestão em termos de intervenção: ajustar o discurso (por vezes abstrato) à prática (aplicável) e, para além da visão global estratégica, indispensável quando estamos a organizar um espaço urbano, as intervenções têm de olhar para cada situação concreta e ir ao encontro de soluções efetivas, e não ficar no discurso elaborado com pouca colagem à realidade. Muitas vezes os decisores refugiam-se em conceitos inovadores, mas sabemos que não são aplicáveis em muitas situações. E ludibriar o cidadão (criar expetativas enganadoras) é muito prejudicial, porque isso compromete o seu envolvimento e fomenta críticas e revoltas que podem levar para caminhos perigosos.

 

FR: Hoje, a maior parte da população vive nas áreas metropolitanas, com grande desconhecimento do restante território. Para terminar, porque ambos têm raízes fora de Lisboa, gostava de vos perguntar qual é o papel da “terra” hoje em dia.

MP: No meu tempo de faculdade a maior parte dos colegas eram lisboetas. Com a chegada das férias, havia grande excitação, sobretudo para quem ia “para a terra”. No meu ano havia três serranas muito orgulhosas das suas origens e éramos muito invejadas pelos colegas lisboetas, porque não tinham terra e iam permanecer na cidade.

Ter origem numa área de baixa densidade deu-me um conhecimento mais diversificado do território. Cresci num mundo muito diferente de uma grande cidade, frequentei a instrução primária numas minas de volfrâmio e depois numa aldeia, a minha mãe era professora primária e eu acompanhava-a. Vivenciei as deficientes condições de vida dos meninos da minha idade e a pobreza desse território rural. Nesse período, a migração para a Europa era ainda incipiente, as “remessas dos emigrantes” (em francos ou marcos) ainda inexistentes. A escola da aldeia recebia alunos de outra aldeia próxima, que diariamente percorriam alguns quilómetros a pé para ir à escola.  No inverno chegavam com um saco enfiado na cabeça, a fazer de capote. Nos dias de chuva torrencial ou de temperaturas muito baixas (vários graus negativos) alguns desmaiavam com o frio à chegada à escola. Essas imagens nunca desapareceram da minha memória!! Depois fiz o liceu numa pequena cidade, que no contexto provinciano respondia às necessidades dos seus habitantes. Sou de um território de baixa densidade com um parque natural lindíssimo (Montesinho) e uma cidade, Bragança, com uma vivência urbana muito interessante. Poder fazer a comparação entre o urbano metropolitano e o urbano de uma cidade do interior, é uma mais-valia enriquecedor. O conhecimento do espaço rural é um benefício inegável, que a minha formação de geógrafa ajudou a valorizar ainda mais.

O que me fez olhar para esse território com olhos diferentes, ainda na universidade, foi, no segundo ano, ter começado a trabalhar com o Professor Orlando Ribeiro. Ele era um apaixonado por Trás-os-Montes e, quando soube que tinha uma transmontana na sala de aula convidou-me para lhe dar apoio nos seus trabalhos de investigação. Apesar de “assustada” com a proposta (ir trabalhar com o Mestre), não ousei recusar e ainda bem! Foi uma experiência verdadeiramente enriquecedora. Chamou-me a atenção para aspetos que eu nunca tinha valorizado. Quando ia de férias, havia sempre muito trabalho de campo para fazer. A recolha de práticas comunitárias era uma das suas paixões e dediquei-me a essa tarefa com grande empenho. Acabei por olhar para aquela realidade de forma diferente da minha vivência anterior, e isso foi entusiasmante. As atuais condições no espaço rural são completamente diferentes, não há jovens, não há meninos, quase todas as escolas do ensino básico estão fechadas, adaptadas a outras utilizações, a maior parte da população residente é idosa – mas continua a haver muitas motivações para ir visitar esse território. A questão da identidade, da memória, do conhecer outra realidade, foi e continua a ser um elemento muito importante – até para fazer os confrontos, comparar as vivências de uma cidade pequena, de província, com as de grande metrópole.

GA: Num âmbito mais pessoal, eu já nasci em Lisboa, sou plenamente lisboeta, mas efetivamente toda a minha família tem raízes em Tomar, no Ribatejo. Essa experiência é muito interessante, pois permitiu-me manter uma forte ligação entre os domínios urbano e rural, até porque a minha família sempre manteve atividades agrícolas, como a vindima, a apanha da azeitona e muitas outras atividades da família mais próxima ou afastada que preenchiam as minhas férias e fins-de-semana na juventude. Foi em todas as dimensões uma experiência muito enriquecedora, mas não acho que essa ligação à terra seja necessariamente mais enriquecedora do que outras experiências, se a minha família fosse culturalmente urbana, que não era, e me levasse nas férias e fins de semana a Paris e a Nova Iorque, que não levava, também acho que teria gostado. Além do mais, faço parte de uma família ancorada na terra, mas que fez parte do êxodo rural, a saída dos campos para a cidade, no caso dos meus avós, algures na década de 1960, uma família que era, na altura, pobre – só essa razão poderia justificar sair de uma pequena herdade nos arredores de Tomar para um rés-do-chão na Praça do Chile, em Lisboa, mas mantendo-se sempre a forte ligação física e emocional à chamada terra. Eu próprio, com os meus pais, já algures pelos anos 80 e 90, vivia numa casa muito pequena, em Lisboa, em que o sofá da sala era também o meu sofá-cama, até aos 9 ou 10 anos de idade. Há um percurso familiar rural-urbano curioso, que, por acaso, sempre achei que retrata em certa medida os últimos 50 anos da nossa sociedade, de êxodo rural, manutenção de forte ligação com o interior e de mobilidade social.

MP: Há um aspeto que me incomoda, sobretudo no período do verão, os programas de televisão tendem a apresentar o rural como idílico, um espaço fantástico, bucólico. É uma abordagem que me desagrada, também é preciso falar nas pessoas e nas atividades e nas vulnerabilidades e desequilíbrios que persistem e se agravam. Não podemos falar de coesão territorial, mas ter uma prática de assistencialismo em vez de desenvolvimento. Sabemos que vivemos num mundo em processo de urbanização, vamos ter cada vez mais população em áreas urbanas, tudo isso é verdadeiro, mas não podemos esquecer que grande parte dos recursos necessários à população urbana estão fora do espaço urbano. E, portanto, é preciso olhar para o outro território e valorizar os seus recursos em proveito da sua vitalidade económica e social. Quando estamos a falar dos recursos energéticos, da água, da soberania alimentar, etc., temos de ir buscá-los fora do urbano, mesmo que seja na sua proximidade imediata. A soberania alimentar e a água são temáticas absolutamente determinantes para o futuro. A ideia de que todas as soluções estão na grande cidade não é verdadeira. Esta interação do urbano com o rural é cada vez mais importante e premente e carece de maior valorização por parte de decisores e cidadãos.

 

FR: Muito obrigada!

Notas

1. Documentário produzido pelo Sindicato dos Trabalhadores da Produção de Cinema e Televisão (1975). Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=h2vDdG9szrs