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Alziro Carvalho

gavea@gavea.arq.br

Arquiteto, mestre pela PUC-Rio/TU Brauschweig, sócio no Gávea Arquitetos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

 

Felipe Rio Branco

gavea@gavea.arq.br

Arquiteto, mestre pela FAU-UFRJ, sócio no Gávea Arquitetos, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.

 

Para citação:

CARVALHO, Alziro; BRANCO, Felipe Rio – Preexistencias programáticas: Uma casa-síntese. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2025, p. 105-108. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.9

Recebido a 14 de maio de 2025 e aceite para publicação a 26 de maio de 2025.

Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Preexistências Programáticas: Uma casa-síntese

 

Resumo

A preexistência vista como um fio condutor que atravessa o tempo—uma ideia do fazer que antecede os programas arquitetónicos, mas que, paradoxalmente, se constrói por meio deles. A partir dessa reflexão, o escritório Gávea Arquitetos é convidado a reconsiderar suas práticas, explorando a arquitetura como um processo contínuo e não condicionado a escalas ou usos específicos. Trata-se de uma busca constante por um ideário em formação—um fazer arquitetónico que nunca se cristaliza totalmente, mas que permanece como horizonte de investigação e construção.

Para os arquitetos do Gávea, o programa arquitetónico se apresenta como uma abstração conjetural, onde espaços e relações são estruturados para além de exigências funcionais, permitindo a síntese da arquitetura como um campo aberto de possibilidades entre coletividade e introspeção. Nesse contexto, a arquitetura se revela como um exercício de organização espacial que transcende o programa, propondo arranjos que potencializam a experiência sensorial e os modos de habitar.

 

Palavras-chave: preexistência, programa, síntese, conceito, abstração.

 

 

 

“Sabidamente não há classificação do universo que não seja arbitrária e conjetural. A razão é muito simples: não sabemos o que é o universo.” Jorge Luis Borges, 1952.

 

 

 

Este texto foi elaborado no âmbito do evento Na Ponte, realizado na Escola da Cidade entre agosto e setembro de 2024, onde fomos provocados a refletir sobre a relação entre preexistência e programa na prática arquitetónica. A partir dessa provocação, exploramos o programa, não como um conjunto fixo de exigências funcionais, mas como um campo aberto de possibilidades espaciais e relações. Assumimos o programa como uma abstração conjetural, mas de forma deliberada, como nos lembra Borges em O Idioma Analítico de John Wilkins. Assim, podemos organizar os espaços de maneira elementar, reduzindo-os a uma única frase — ou até mesmo a uma única palavra. O texto questiona os limites entre objetividade e ideia, necessidade e desejo, e sugere que, antes de qualquer organização de usos e dimensões, a arquitetura pode ser compreendida pela estruturação dos seus arranjos espaciais e pelas relações que estabelece entre coletividade e introspeção.

 

 

 

Figura 1Esquissos de projeto (Fonte: Acervo dos autores).

 

 

Uma casa-síntese

 

O programa é um dos conceitos mais abstratos da arquitetura.

Uma sala, dois quartos, uma casa de banho para cada quarto, outra para as visitas, duas cozinhas, sendo uma “gourmet”, o home office e, quem sabe, um jardim.
Há espaços que sobram e tantos outros que sempre faltam.

Talvez falte um lugar para tocar piano ou um pequeno ateliê de pintura. Não podemos esquecer os discos, os livros e tantos outros objetos que fazem de uma casa, uma casa.

Mas, antes disso, pode dizer-se apenas: uma casa-pátio.

O programa tem a capacidade de tentar reduzir a arquitetura a uma frase, talvez até a uma palavra. Funciona como uma espécie de síntese da arquitetura — uma ferramenta da linguagem para articular conceitos ou ideias distintas que formam um todo, mais ou menos coerente.

No entanto, por ser tão abstrato, o programa pode ser interpretado de várias maneiras.

Tente organizá-lo por tamanho, por exemplo: espaços grandes, médios e pequenos. Lembre-se dos muito grandes e considere também os muito pequenos.

Aqui cabem todos os usos. Os maiores para as atividades coletivas; os menores, para as individuais.

Mas antes disso, pode dizer-se apenas: um espaço fechado para se proteger da chuva, um espaço aberto para ver as estrelas. Considere ainda um espaço-intermédio.

Pronto, não falta nada. Uma casa-síntese.

Figura 2Cabana zero (Foto: Pedro Kok).