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Cristiane Muniz

cristiane@unamunizviegas.com.br
Arquiteta e urbanista, diretora da Escola da Cidade, sócia-diretora do escritório UNA MUNIZVIEGAS, São Paulo-SP, Brasil.

 

Para citação:

MUNIZ, Cristiane – O elo que nos une. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, junho 2025, p. 72-74. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.5

Recebido a 14 de maio de 2025 e aceite para publicação a 26 de maio de 2025.

Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

O elo que nos une

 

“é sempre mais difícil ancorar um navio no espaço.” [1]

 

O evento que aconteceu entre agosto e setembro de 2024 na Escola da Cidade, organizado pela nova plataforma Na Ponte, foi coordenado pelos arquitetos Joaquin Gak e Diego Portas e representou um momento marcante em nossa Instituição. Como centro de reflexão e educação, há um compromisso em apoiar e difundir iniciativas transformadoras como essa em questão.

O colóquio se deu como encontro de jovens profissionais com intensa e variada atuação, provenientes das duas maiores capitais do país e demonstrou a necessidade de se promover mais fóruns como este.

Resultou numa espécie de ação reveladora: nos quatro dias de evento, ou seja, nos dois finais de semana de reuniões, lançou ao ar para uma plateia interessada as práticas e reflexões frescas, inventivas, possíveis e contemporâneas destes jovens que vem trabalhando em São Paulo e no Rio de Janeiro. Apesar da proximidade, relevância, tradição e história arquitetónica das duas cidades, o compartilhamento destas experiências entre eles, de forma sistematizada, era exíguo ou por encontros informais.

São Paulo e Rio de Janeiro são conhecidas pela potência da produção arquitetónica moderna concretizada por grandes mestres. Escola Carioca e Escola Paulista são designações empregadas com frequência na historiografia da arquitetura, não sem alguma contestação, para definir uma renovação estética significativa com legado decisivo para futuras gerações.

As práticas desenvolvidas, com características específicas em cada sítio, nos legaram um imenso património cultural, “uma contribuição à cultura arquitetónica brasileira que ultrapassa o papel de cada uma das obras isoladamente, assumindo uma dimensão coletiva que incidiu no próprio campo disciplinar e no fortalecimento da classe profissional” [2], nas palavras da professora livre-docente Monica Junqueira de Camargo.

Essa efervescência na produção arquitetónica brasileira se constituiu primeiramente no Rio de Janeiro, a partir da década de 30, no século XX, e em São Paulo a partir dos anos 50, estabelecendo um lugar especial para a produção brasileira em escala mundial.

A partir da década de 60, o golpe militar e o governo autoritário de direita, que durou mais de 20 anos, estabeleceu censura à imprensa, restrição aos direitos políticos de cidadãos, perseguição policial violenta aos opositores do regime com o assassinato de muitos dos envolvidos. Essas duas décadas de opressão social e política resultaram num rompimento do movimento cultural em ascensão no país. É claro que, naquele momento, também surgiu um movimento de resistência, em todo o território nacional, e em diversas áreas da cultura, que originou obras e artistas que nos representam imensamente.

No entanto, no âmbito da arquitetura, provocou uma rutura tal que as gerações posteriores, como a minha, que se formaram no início dos anos 90, após a abertura democrática, identificaram a necessidade de alinhavar essa história esgarçada.

Estudar, recuperar, valorizar a obra moderna destes grandes mestres como Lúcio Costa, Oscar Niemeyer, Afonso Reidy, Carmem Portinho, Vilanova Artigas, Paulo Mendes da Rocha, Lina Bo Bardi, entre tantos e tantas outras, parecia a tarefa ética essencial e possibilidade de nos reencontrarmos com a nossa pulsão de vida.

A rutura política também contribuiu para a convicção da função social desempenhada pela arquitetura como incontornável, que o projeto é capaz de revelar as contradições de nossas sociedades, e não camuflá-las, que a escassez e a economia de recursos podem se constituir como expressão e compõem um legado que as gerações posteriores ainda partilham.

Agora, no primeiro quarto do século XXI, este lugar onde o Brasil se encontra parece unir pontas díspares, entre distintos mundos, entre a erudição e o popular; entre a industrialização e a artesania; entre o rigor e a informalidade; entre o oceano atlântico e o pacifico; entre a África, Europa e América espanhola; entre o plano e os imprevistos da vida. Somos esse entremeio que nunca está totalmente lá nem cá, mas que carrega nuances de todas as faces simultaneamente.

Para os jovens profissionais reunidos neste evento, compartilhar suas experiências profissionais, dúvidas e visões atuais de mundo, escancara o desejo de aproximação, e chega a nos surpreender, pois suas posturas são, muitas vezes, confluentes.

Esse colóquio, então, poderá representar um ponto de inflexão nas trajetórias destes jovens. As parcerias e conexões que se formarão após esse encontro podem trazer frutos a todos e todas: aos próprios participantes, que podem se reconhecer como pares num eixo de desenvolvimento centro-sudeste do país, eixo geográfico do Vale do Rio Paraíba, e a nós, gerações mais experientes, que poderemos desfrutar de seus futuros e promissores trabalhos.

 

Notas

[1] Ana Cristina Cesar – “Recuperação da Adolescência”, em Cenas de Abril, 1979.

[2] Monica Junqueira de Camargo – ESCOLA PAULISTA, ESCOLA CARIOCA. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES. 13o Seminário DOCOMOMO Brasil. 07 a 10 de outubro de 2029, Salvador, Bahia.