Delia Sloneanu
sloneanu.delia@gmail.com
Arquiteta, romena, sócia-fundadora do Studio Papaya. Doutoranda em Arquitetura Contemporânea no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (Da/UAL). São Paulo-SP, Brasil.
Para citação:
SLONEANU, Delia – A dimensão coletiva da arquitetura: entrevista a Joaquin Gak e Diego Portas. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, junho 2025, p. 75-92. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.6
Recebido a 17 de junho de 2025 e aceite para publicação a 19 de junho de 2025.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
A dimensão coletiva da arquitetura: entrevista a Joaquin Gak e Diego Portas
Delia Sloneanu: Para começarmos, a primeira pergunta é um pouco mais aberta, sobre coletividade. A arquitetura envolve a construção coletiva de espaços e significados. Pensando na interação entre indivíduos, territórios e temporalidades, como a coletividade influencia a prática arquitetônica da nova geração?
Diego Portas: Vamos tentar definir o que é essa nova geração primeiro. Toda esta conversa nossa nasce de uma ponte, não é? Quando a gente fez um recorte, fez um recorte possível, provisório e, ainda, possível de ser expandido. Eu vou falar um pouco mais, Joaco [Joaquin Gak], do que eu entendo da galera do Rio, sobre qual hoje me sinto mais confortável para falar. O recorte de São Paulo foi mais da sua curadoria, não é?
Vou contar uma história de uma entrevista que me fizeram em 2018, 2017, não me lembro o ano exato, para The Architectural Review, por uma arquiteta jovem, que contava como enxergava no Rio muita colaboração entre essa geração, na qual eu me sinto parte, mesmo que não seja de idade. E eu, honestamente, sentia que era um pouco uma visão de “gringo”, que enxerga a graminha mais verde para o lado do vizinho. Mas, com o passar do tempo, eu pensei que ela tinha razão. Ela comparava com Londres, e descrevia Londres, a partir da experiência dela, como um espaço mais mesquinho, com cada um por si, cada um no seu espaço separado. Eu acho que, em princípio, essa ideia da coletividade está num sentido mais colaborativo e mais desarmado. A minha geração, do ponto de vista da idade, no Rio de Janeiro, e acho que em Buenos Aires é parecido, é mais ciumenta de compartilhar, mesmo que sejam coisas tão simples como o telefone do serralheiro. No Rio, há um grupo de WhatsApp que a gente tem, com mais de setenta pessoas, nem todo mundo é arquiteto, arquiteta, tem de tudo. Mas, quando Pedrito [Pedro Varella] e Caio [Calafate] do gru.a reformaram o escritório deles, eles montaram um grupo de WhatsApp e convidaram pessoas. E esse grupo de WhatsApp persiste e vai se ampliando. E esse grupo foi antes de 2018, porque em 2018 esse mesmo grupo se transformou em “vira voto”, nessa campanha de tentar sobreviver ao Bolsonaro. Hoje em dia são mais de setenta, é uma troca imensa. Eu acho que, em princípio, é um lado colaborativo, mais desarmado dessa geração em termos das próprias relações.
Justo agora, amanhã vou participar de uma banca que é uma discussão sobre o trabalho da Carla Juaçaba, do gru.a e do vão, da Olivia Abrahão, e estou muito com isso na cabeça. Uma das coisas que também me parece muito importante, é como essa geração, talvez pela falta de oportunidades de poder trabalhar em outra escala e por interesses diversos, trabalham em instalações artísticas, em expografias, em peças de teatro. Então também existe um trânsito por algo que é mais das bordas disciplinares, do que estritamente da arquitetura. Depois, me parece que esta geração, na qual acho que posso me incluir, estamos afetados pela crise climática, por uma enorme desconfiança nas verdades absolutas, com uma aceitação do erro — a gente discutia isso no evento [Na Ponte] — como parte de algo que a gente discute mais abertamente, não de algo que se esconde.
Joaquin Gak: Essa é uma engrenagem para pensar a coletividade. Não ter medo de errar e pedir para o outro ajuda é onde se dá o ponto de contato que cria esse sentido de coletividade. Quando um pergunta para o outro, de alguma maneira, se conforma um círculo de confiança que, ao mesmo tempo, aproxima. E aí tem as figuras importantes. Acho que Diego é uma figura importante no Rio com a UFRJ, com o Ateliê Aberto e tudo o que lá gerou, no círculo do Rio, especialmente. Personagens como o Fede [Federico] Cairoli, por exemplo, acho que são pessoas que vão agregando.
Sempre que alguém vem de fora para São Paulo, a gente recebe. Não porque é amigo de alguém, mas porque essa pessoa está interessada em conhecer. Conhecer São Paulo, conhecer o Rio de Janeiro, conhecer a arquitetura, pode falar de arquitetura, mas não só… se conhecer. É isso que foi criando laços. E Fede viajando em vários lugares também ajudou que isso acontecesse. Por exemplo, para mim, uma das coisas que foi mais reveladora foi essa. A galera de São Paulo, eu conheço bem, eles se conhecem entre eles também. A galera do Rio tinha também suas trocas. Eventualmente, eu imagino, porque até esse momento não sabia, algumas pessoas falavam entre elas em relação ao Rio e São Paulo. Eu não conhecia ninguém do Rio pessoalmente, só o trabalho. Um dia eu estava no Rio com a Marina [Canhadas] e eu escrevi para o Fran [Francisco] Rivas, e ele me disse “o Fede Cairoli está aqui, vamos nos encontrar para recebe-lo, querem vir?”
O receber é um ato em si, não é? E o conhecimento é uma via de mão dupla.
JG: É, eu acho que é uma decisão. E essa ideia da territorialidade, a gente poderia pensar também que se constrói justamente assim, fora dos limites municipais ou estaduais. Ela se constrói a partir de laços, foi isso que a gente percebeu.
DP: São práticas, atos concretos.
JG: Esse tipo de receções para mim foi uma coisa linda de ver, poder entender que existe uma troca de fato, que passa pela generosidade, mas também passa pela amizade. E eu vejo isso não só nesse grupo que participou especificamente do evento. Essa ideia de uma geração, abrange tanto as pessoas que participaram, quanto as que não. É sobre você falando comigo. É nós três conversando. Não é só quem participou.
DP: Eu acho que tem a ver com isso.
Neste mês, o vão livre do MASP abriga a obra de Iván Argote: uma gangorra monumental, uma ponte que oscila para ambos os lados conforme o peso do público — uma metáfora da força da ação coletiva, materializada de forma literal. Como essa relação entre indivíduo e grupo se manifesta no ensino e na prática arquitetónica?
JG: A minha relação com a educação é mais de um grau de Pós-graduação. Então, são outras trocas que a gente tem. A gente fala de igual a igual. Ou, pelo menos, a gente tenta. Eu percebo que essa ideia de grupo se dá justamente nisso, quando a gente fala de igual a igual. Evidentemente, a gente tem uma experiência diferente porque, nós que montamos o curso, sabemos o que está por trás e, ao mesmo tempo, não temos a responsabilidade de fazer o exercício. Se você está ali fazendo o exercício, a relação é outra. Me parece que isso se complementa, e a gente tenta fazer esses debates de forma muito horizontal. A partir daí o que a gente pode aportar é como uma quase… não diria conselho, porque isso mostra um grau de diferença. Mas, sim, no sentido de poder opinar e trazer questões, informações que possam nutrir o trabalho do outro, e a ideia é poder interagir nesses debates. Eu acho que, já na graduação, tem um acompanhamento um pouco diferente.
DP: Eu estava pensando, Joaco, porque a gente se formou na FADU, em Buenos Aires, a gente vem da mesma casa. São diferentes épocas, mas se trata da mesma casa. Eu, esse ano, faço 30 anos de docência. Comecei em 1995, muito menino, com 22 anos. Em algum grau, com uma certa imprudência. Mas, o que eu consigo ver de riqueza nessa ideia do compartilhamento coletivo, que é tua questão, da gangorra, não é? É que o modo de discutir e pensar em sala de aula, a partir dos exercícios que se propõem, da agenda que se propõe e de como se praticam essas dinâmicas, têm a ver também com como transmitir algumas convicções. Não se trata de não ter certezas, mas se trata, sim, de construí-las coletivamente. E essa construção coletiva, para mim, se dá primeiro, desde um certo grau de certeza, mas um enorme grau de abertura, que é um pouco o que você está falando, Joaco. Mas também de muita confiança no que você amadureceu pelo trajeto do tempo, da experiência, do caminho trilhado.
Tem algo muito importante para mim que tem a ver com as dinâmicas, onde as dinâmicas não são dinâmicas privadas de professor e um estudante ou uma estudante. Eu venho de uma aula agora, que eu fiz essa segunda-feira, onde os alunos estão discutindo um certo tema, que a gente chama de ateliê a vizinhança, onde discutimos justamente padrões de nossa periferia, e quem apresenta cada trabalho é alguém que não é o próprio autor. Então, é o trabalho exposto a modo de enchinchada, que é colar os desenhos nas paredes, e quem apresenta o trabalho de fulano é sicrano. Então esse fulano tem um tempinho, em torno de 15 minutos, vê os desenhos, eles trocam ideia entre eles, eu vou tomar um café, volto, e agora tem quem comente de quem. E aí começam dinâmicas que exigem conhecer o outro. E não somente isso, mas também exige explicar o que o outro transmitiu com desenhos e com algumas palavras, porque não teve muito tempo. Exige a leitura de desenhos, a interpretação de um projeto a partir dos desenhos, e também exige se atrever a criticar sem entender que a crítica é uma destruição. Por exemplo, se um estudante afirma que tal projeto é bom por isso, eu intervenho e pergunto, “mas tem certeza que é bom? Não era melhor lá nesse outro projeto, quando era assim?” Então, começa a haver uma troca que permite se desarmar e gerar a noção de turma. Mas é uma turma que, por mais que defenda a gangorra, não pratica muito a gangorra. Por isso insisto que a noção da coletividade é um ato concreto, não uma fala. Não sei se é só coletivo.
JG: Nessa questão de coletivo, na verdade, acho que falta uma parte. Por que coletividade não é a mesma coisa que coletivo. Para mim, são coisas diferentes.
A coletividade é uma qualidade.
JG: Exatamente. Acho que coletivo é quase uma decisão consciente de trabalhar juntos. A coletividade não necessariamente implica o fato de você estar junto. Tem uma diferença, tanto que a decisão de se entender como coletivo existe na prática. Agora, esse coletivo expressa coletividade para fora dele?
DP: Sim, é interessante essa discussão, porque o coletivo supõe também um certo hermetismo. O coletivo é este, circunscrito neste grupo. E a coletividade é algo um pouco mais mole. É uma atitude que pode acontecer, pode se desvanecer, pode se fortalecer, pode mudar em termos da precisão dos seus limites.
JG: Por isso que, sobretudo nesta questão do evento, a gente incentivou mais a pensar uma ideia de geração e não uma ideia de coletivo. A gente não está fazendo, montando, desenhando um coletivo, porque não é. A gente fala de uma geração, para que cada um se sinta parte. Eu acho que essa é a maior questão que a gente tentou incentivar, poder se entender como grupo no sentido de, tanto os mais novos, quanto os que estavam com a mesma idade, quanto os mais velhos. Quando a gente fala de geração, não estamos falando especificamente de uma faixa etária milimetricamente pensada, mas sim de até onde chegam esses braços que poderiam abraçar uma determinada quantidade de pessoas. Quem conseguia entrar nesse grupo, para podermos discutir juntos, e quem se sentia parte, entrou. Tanto que foi tão aberto, que a gente conseguiu continuar. Acho que é um pouco isso que você sentiu, ou pelo menos que eu senti, entre várias pessoas que se aproximaram desde esse lado.
Queria trazer, também, uma outra questão. Atualmente, vivemos um momento de questionamento da hegemonia que moldou as estruturas fundamentais do nosso mundo. Essa relação dual se manifesta em diversas escalas. Norte-sul, capital-interior, centro-periferia. Como a visão “de baixo para cima” redefine a relação periferia-centro na atuação do arquiteto-professor, em São Paulo e no Rio de Janeiro?
JG: Eu sempre tive essa visão, onde é difícil para mim, ainda, me considerar professor. Mesmo que eu esteja transitando pelas aulas faz um tempo. Primeiro, no sentido de que tem definições sobre o que significa ser professor que vêm de fora. Às vezes é um título, no sentido de cargo, você tem um cargo definido. Tem milhares de professores na Universidade de Buenos Aires que não são professores efetivos, com um salário. Eu acho que essa questão, dessas categorias, que me deixa um pouco em aberto sobre se sentir professor. Eu tento falar desse lugar, de igual para igual. Eu simplesmente estou formando parte de um espaço acadêmico, no sentido de uma pós-graduação, ou alguma graduação, ou eventualmente algum evento que tem a ver com uma questão dentro de uma instituição educativa. Acho que tem pessoas que se formam desde esse lugar, e nesse sentido, essa questão da hegemonia, ou de centro e periferia, para mim tem a ver um pouco com isso. Pessoalmente, eu ainda não consegui quebrar essa ideia de que existe um lugar que determina que você é ou não é professor, no sentido estrito da palavra, mas isso não significa que você não possa aportar coisas a partir da prática.
Existe essa grande diferença, por exemplo, na FAU-USP. Só pode dar aula lá quem é doutor. Na Escola da Cidade já não é assim. Ela surge, na verdade, como um espaço para que pessoas que não têm doutorado ou mestrado, mas que são super capacitadas para falar sobre arquitetura, para ensinar o que eles sabem da arquitetura, possam dar aula. Não é essa a origem específica, mas a Escola da Cidade surge um pouco desse lugar. Essa horizontalidade, de alguma maneira, no sentido desses limites que não são tão definidos, entre o que podemos chamar de centro e o que chamamos de periferia, é o que me afeta desse lugar, dentro da Escola da Cidade. Já o Diego, ele vem de uma instituição que é uma universidade pública. Ela tem uma estrutura completamente diferente, também diferente da FAU-USP, porque ela é muito mais massiva, mas, ao mesmo tempo, tem uma sequência de cargos muito bem definidos.
Então, esse lugar no qual eu consigo dar aula na Pós, ou na graduação, ou montar um evento, por exemplo, foi literalmente de baixo para cima, no sentido de que eu mesmo fui batendo a porta e buscando o meu espaço ali. E a escola foi muito generosa nesse sentido, de abrir essa porta e poder fazer as coisas que eu estava com vontade de fazer. Por isso, me parece que essa discussão de entender o centro como um lugar que define o que é a periferia, ou ao contrário, nesse sentido, para mim, os limites estão um pouco mais difusos. Tenho a sensação de que a Escola da Cidade permite um pouco mais você permear por outros caminhos para chegar onde você quer.
Ao mesmo tempo, a Escola da Cidade é uma escola no centro da cidade. E imagino que essa relação com o centro da cidade é diferente em São Paulo e no Rio. A periferia no Rio é muito mais pulverizada.
DP: Quantos estudantes tem na Escola?
JG: Aproximadamente 60 por ano. Uns 300 alunos, mais 150 de Pós.
DP: Na FAU-UFRJ entram 240 por ano. E de 240, tem 50% por lei de cotas. Isso vêm transformando de maneira maravilhosa a universidade nos últimos 12, 13 anos. E o perfil dos ingressantes, não tenho números precisos, mas me atrevo a dizer que 70 ou 80% é a garotada periférica, faz com que a escola seja outro planeta, um planeta muito mais diverso e de força periférica.
JG: Isso, na Escola da Cidade, está mudando. Agora, se não me engano, são 30% de pessoas com bolsa. Mas, de fato, a massividade de uma escola pública, como a UFRJ, não tem comparação.
DP: Acho importante isso que o Joaco estava falando, sobre o papel de ser professor, na nossa experiência de começar a dar aula tão garotos, lá em Buenos Aires. Eu era estudante quando fazia isso, e não é que eu era especial, alguém te enxergava como um bom aluno e te chamava para ser ajudante de cátedra. Com 22 anos, eu tinha uma turma de 30 alunos e, no mesmo dia, eu ia dar aula de desenho, com um terninho que eu usava para poder me sentir professor, um terninho de estudante de filosofia, e, quando tirava o terninho tinha uma cara de menino que não era para ser professor. Ao mesmo tempo que isso gera, naturalmente, uma horizontalidade, justamente por conta disso que você está falando, você é mais jovem discutindo com pessoas que também estão formadas, que te colocam em alto pé de igualdade do ponto de vista do seu trajeto na vida. Em Buenos Aires também é muito natural isso, pelas ayudantías de cátedra, que é parecido a monitoria, mas não é a mesma coisa, assim como ser estagiário não é o mesmo que trabalhar em Buenos Aires. Há um grau de responsabilidade, o sujeito está aí para pensar, não para carregar piano.
JG: E a faculdade pública se faz, em grande parte, por essas pessoas. Elas não recebem, mas elas querem estar lá, e quem está estudando está ali porque quer. No sentido de ser muito mais fácil de entrar, todo mundo entra. Se você foi aprovado, você entra. Ingressam quase 3.000 pessoas por ano.
DP: O ingresso é irrestrito. Não tem número máximo de ingressantes. E isso acontece a partir de 1983, da volta à democracia, quando explode a universidade pública, ela vem sempre em um crescimento paulatino, mas ela explode fundamentalmente neste momento. Eu sei que a nossa FAU-UFRJ é a maior universidade pública do Brasil, mas quando alguém de Buenos Aires pisa lá dentro, diz “cadê as pessoas”? Está vazio. E claro que está vazio, se você contar que o pavilhão 3, que é onde damos aulas em Buenos Aires, tem uma frequência de 30 mil pessoas, nós temos uma frequência de 4 mil num edifício do mesmo tamanho. Então, imagina nossa FAU no Rio frequentada por sete vezes mais pessoas do que as que estão frequentando-a hoje em dia.
JG: E com a mesma quantidade de professores, ou talvez até um pouco menos, em relação a professor-aluno.
DP: Em relação a professor-aluno, é parecido hoje, mas teria que multiplicar vezes sete.
JG: Então, mas é aí que teu companheiro, a pessoa que está do teu lado, ele também é teu professor, no sentido de…
DP: Sim, pela idade. Eu gosto muito desta questão que você está levantando, Delia, porque, com essa experiência nossa argentina, o Ateliê Aberto — que a Ana Slade, que é minha grande parceira, e Andrés [Pássaro], a gente levantou essa história há uns 5 anos — a organização curricular é um professor e seus 20 alunos. Em outro ateliê fechado, cada um separado, outro professor e seus 20 alunos. É uma estrutura muito comum no mundo acadêmico. Mas as cátedras argentinas, são cátedras onde se juntam, talvez, 200 pessoas num enorme ateliê, onde existem 10 turmas de 20. Então, essa escala macro faz com que exista uma massa crítica, onde ninguém tem que ser excecional para que essa massa crítica dê resultados, a própria massa cria, inventa. No Ateliê Aberto, o que a gente fez foi aproveitar uma estrutura burocrática que agrupa, no mesmo semestre, de 6 a 8 turmas, e decidimos nos juntar como grupo, com a mesma agenda, com aulas teóricas compartilhadas, com dinâmicas que chamamos de enchinchada, com trocas sempre entre professores, cruzando professores. Vem Marina [Canhadas] e dá uma aula. Assim, a gente estimula a garotada a se sentir mais identificada, não com um professor de 70 anos, sem desmerecer o cara de 70 anos, mas que é algo distante do ponto de vista da identificação.
Com uma visão de mundo outra, talvez?
DP: Uma visão de mundo outra, mas, sobretudo, com uma carreira consolidada, com a qual é mais difícil de se identificar. Então, quando você enxerga a Marina, que está fazendo seus primeiros interessantíssimos anos, que não devem ser mais de 10, 15, e tem um trabalho hermoso para mostrar, é mais fácil dizer que uma aluna que está vendo isso se identifica com a Marina, muito mais que se identificar comigo, inclusive. Isso é muito importante. Mulheres maravilhosas como a Marina, como a Ana Altberg, como a Juliana Sicuro, Priscila Marques, Juliana Ayako, Laura Rosenbusch, enfim, tantas que a gente tem convidado. Trouxemos Florencia Rissotti, de Buenos Aires, quando estávamos em época de pandemia e podíamos fazer isso.
Então, tem, por um lado, estratégias de identificação. Por outro lado, uma escala do pequeno para poder trabalhar no que a maioria pode trabalhar, que tem maior chance de acontecer. Ou seja, é mais difícil que alguém se imagine fazendo um projeto urbano, ou equipamento público de grande escala, ou de média escala. Mas é mais fácil que se imagine fazendo a ampliação da casa da tia… então, a gente discute a escala do pequeno.
Eu gosto muito de Stan Allen, vocês devem conhecer aquele texto “Condições de Campo”. Ele usa uma série de exemplos, mas tem uma que eu gosto muito, que é o que faz com que um bando de pássaros seja um bando de pássaros. Se trata de algumas regras de pequenas relações mútuas. E eu gosto de manipular isto, não é exatamente o que Allen fala, mas é assim: todos os pássaros têm que voar aproximadamente na mesma direção, nenhum pássaro pode bater no outro, e todos têm que voar. A partir dessas três regras, que são das pequenas relações, o bando de pássaros, como conjunto, vai gerando essa nuvem de aparente imprevisibilidade — mas que procede não de um passarinho líder com a linha de pássaros que vão bombardear, como eram os desenhos da Disney, esses eram outros pássaros, eram os pássaros da hierarquia — estes são os pássaros que formulam um conjunto a partir das pequenas relações mútuas.
Então, tem essa ideia de partir do pequeno, também nas relações internas, no funcionamento de conjunto, onde você coloca nossas monitoras, a maioria mulheres, que são pessoas geralmente generosas, porque os homens somos bastante egoístas. Temos, hoje, um grupo de 12 a 14 monitoras, tem um homem também, mas geralmente, a maioria são mulheres, e elas apresentam as aulas. A gente faz cinco aulas teóricas, que são montadas por nós, em formato bastidor, mas assim como o Andrés gosta de falar, “quem vai cair na piscina hoje?” Quem vai cair na piscina? É a Carol [Caroline Vergueiro], a Gabi [Gabriela Britto], elas participam da aula e também dessa preparação da aula que eu, Ana e o Andrés estamos montando, discutindo, mas sem necessariamente participar. Fazemos pequenas participações, mas as empurramos na piscina, onde elas dão a aula, em frente a um auditório de 120 pessoas, com seus 22, 24 anos, sendo alunas ainda. Então, também, são estratégias de estimular, colocar as pessoas em lugares que não estão acostumadas a receber tamanha responsabilidade, mas que uma vez que esse passo se gera e essas responsabilidades se abraçam, isso cresce como conjunto.
E gera autonomia, não é?
DP: E gera autonomia, que é fundamental, claro. Eu gosto de usar essa metáfora, “aqui, com bicicleta de rodinhas, amanhã é sem”. Estamos nos bastidores com bicicleta de rodinha, mas quando você está lá na frente é sem. Estou pertinho, se eu vejo que você vai cair, fica tranquilo que eu vou segurar. Mas é empurrar com carinho a autonomia, não é?
Acho que isso responde a tudo que vimos conversado antes também. Agora, sobre a questão da escola pública e escola particular, vocês se formaram como arquitetos em uma instituição pública na Argentina, a mesma, e posteriormente atuaram como professores em faculdades particulares sem fins lucrativos no Brasil. Com essa vivência dupla, tanto em tipos de escola quanto em contextos nacionais, quais diferenças marcantes vocês percebem entre os modelos de ensino público e privado, e como isso impacta a relação aluno-professor?
JG: Muito legal, isso aí é o que a gente gosta de discutir. Olha, eu acho que a gente falou muito sobre isso, desde que começamos a comparar falamos sobre isso, porque a escola pública, e aí acho que vou falar pelos dois, ela é uma experiência que não dá para explicar, ela nos atravessa, nós somos a universidade pública. Quando a gente passou por essa experiência de ter 3.000 pessoas ao mesmo tempo, mostrando seus trabalhos, com todos os corredores lotados, de todos os tipos de classe social que você possa imaginar, pessoas vindas de todos os cantos do país para estudar, essa é uma experiência que te forma desde um outro lugar. Só que isso, ao mesmo tempo, te obriga a construir a sua própria carreira. Você é aluno e também constrói a sua grade curricular, ou seja, você escolhe quais são as experiências que você tem, você escolhe onde você vai fazer as disciplinas, você escolhe o tempo que você vai se dedicar, você escolhe o caminho que você vai fazer, de alguma maneira você escolhe o arquiteto que você vai ser, porque você tem opções. Dentro de todo esse contexto, vai ter lugares com um determinado caráter ou outro caráter, e cada um vai ter a sua própria experiência.
Mas tem uma coisa que, para mim, em termos de formação, além do que falamos agora, é uma das que, na prática, geram uma diferença, que é o cuidado. Não sei como dizer de uma forma cuidadosa, mas no sentido de que você, quando recebe uma crítica na universidade em Argentina, ela está chegando para você sem nenhum tipo de filtro, porque a maioria das pessoas que está ensinando, não está nem recebendo para estar ali, ela está falando só de arquitetura, não está falando de mais nada. Ou seja, ela está falando do seu trabalho e, naquele momento, não tem tempo para perder ali. E não tem um depois, ou seja, se você não entregou o trabalho, vai ter outra pessoa que vai entrar e ocupar esse lugar que você está ocupando, porque é uma escola que se nutre constantemente de pessoas, e esse lugar é um lugar muito privilegiado. O fato de você estar ali estudando, de graça, em um lugar com essa qualidade, com a dedicação que todo mundo está colocando, praticamente te deixa sem opções, você tem que se dedicar e fazer de tudo para melhorar, trabalhar, aprender, etc.
Quando você está numa escala menor, não sei se tem a ver com a questão privada, mas talvez tenha a ver, existe sempre um conhecimento muito mais próximo das pessoas, conhecimento do professor, conhecimento do aluno, das circunstâncias que cada um passa, e existem uma série de cuidados ali, que às vezes funcionam para bem, e outras vezes funcionam para menos bem. Eu acho que essa é uma grande diferença, porque existe, às vezes, um excesso de cuidado, que faz com que não tire o melhor do aluno. Eu acho que as duas coisas têm prós e contras…mas esse espaço de cuidado faz uma diferença que é importante para mim. E tenho a sensação, às vezes, quando eu falo para as pessoas sobre isso, que parece ser como se a gente precisasse castigar o aluno, mas não tem a ver com castigo, mas sim com incentivar e buscar uma superação, diferente de simplesmente cumprir.
DP: Eu tenho uma experiência de alguns anos que dei aula na PUC, no Rio, que foi minha experiência em uma universidade particular. Eu tinha dado aulas 7 anos na UBA, depois cheguei no Rio e dei 7 anos de aula na PUC. E depois, há uns 15 anos que estou na UFRJ, mais ou menos. Uma das coisas da universidade particular que mais me entristece, por exemplo — nós estávamos falando antes sobre ser professor — é como a PUC perdeu a Carla Juaçaba. A PUC a perdeu, por falta de cuidá-la bem, e acho que isso tem a ver com esse perfil da formação que você falava antes, Joaco. Ela não estava dentro dos moldes do que seria uma “professora” para ser bem cuidada. E isso, lamentavelmente, assim como essa informalidade argentina, de um monte de gente dando aulas de graça, ou de muitos jovens adultos movidos à paixão, versus uma universidade que exige muita papelada, mestrado, doutorado, e mais outros moldes para se encaixar, faz, por exemplo, com que a gente perdeu a Carla, e isso é uma pena. Me lembrei disso quando você falava, Joaco, dos modelos. Por outro lado, há também algo muito problemático, uma precariedade docente. Não quero defender um modelo de ensino onde as pessoas trabalhem de graça.
JG: Não. Por isso que tem prós e contras.
DP: Não me parece defensável, isso do ponto de vista mais estrutural. Depois, do ponto de vista, novamente, da escola pequena e particular, ou da escola grande, pública e em consequência massiva, me parece que também há algo que pode gerar muita beleza e luminosidade. De novo, me lembro da Carla quando nos encontramos, nos tornamos amigos muito rápido, os dois bastante solitários naquele momento na PUC, com poucos vínculos, éramos uns bichos raros. Carlos Zebulun estava com a gente como aluno naquela época. Depois, com o Andrés [Pássaro], fizemos outra disciplina que tinha uma turma que era uma beleza, Vitor Garcez, Juliana Sicuro, galera interessante. Numa universidade particular. Então, acho que a estrutura nos permitia algo, e esse algo foi aproveitado.
JG: Na Escola da Cidade tem uma coisa muito legal, que é o que eu mais gosto — eu não estaria lá se não fosse por isso — que é o fato de as coisas acontecerem. Você tem a possibilidade de movimentar as coisas para que elas aconteçam com mais facilidade, porque é uma estrutura menor, não é? Por exemplo, fazer um seminário.
DP: Quando o Joaco me chamou para fazer essa história que a gente inventou, Na Ponte, eu falei assim, que bom que você está com todo esse apoio da Escola da Cidade para fazer isso, porque se eu tenho que fazer tudo isso na UFRJ, eu tenho que me transformar em Willy Baterola. Willy Baterola é um boneco que toca 20 instrumentos sozinho.
JG: Isso pode ser um tema à parte, não é? Eu, vindo de fora, poderia dizer que tudo que eu tenho hoje, tenho por causa da Escola da Cidade. Estou falando de amizades, estou falando de trabalho, estou falando de mil e uma experiências. E isso só porque é uma escola menor, que permite esse tipo de contato. E de uma generosidade bastante grande.
Uma estrutura menor, mas que, ao mesmo tempo, tem uma liberdade maior, que lhe permite usar dessa estrutura do modo que entende fazer sentido.
JG: Sim, com certeza. Eu acho que a Escola da Cidade é uma escola da arquitetura privada com caráter público. Ou seja, no sentido de que as pessoas entram. Você entra na Escola da Cidade e ela te abraça. As pessoas chegam aqui, querem visitar e entram. Você liga no telefone e fala, “estou indo para lá”, e a gente vai te receber. Até uns limites que às vezes parecem meio inexplicáveis, mas é só passar por ali que você vai entrar. O curso que eu dou aula hoje, eu fiz como aluno durante quatro anos. Quatro anos de simplesmente ir lá. E terminei dando aula lá porque eu só ia lá.
Foi sempre a Pós de Geografia, cidade, arquitetura?
JG: Não, eu já dava aula na graduação, mas a Pós de Geografia foi minha coluna vertebral de conhecimento, de abertura principal a novos conhecimentos, a novas relações e principalmente amizades, sem nenhuma dúvida. Por isso, me parece que essa distinção entre público e privado não é tão hermética. Porque quando a gente fala dessa maneira, no contexto de uma escola pública como a nossa, e fala do privado, parece que o privado carrega um sentido pejorativo, e não acho que seja necessariamente assim.
Ou que são opostas.
JG: Exatamente, eu acho que elas são complementares. Pode ser que existam modelos mais ou menos fechados.
Em setembro de 2024, vocês organizaram em conjunto o primeiro ciclo de conversas do Seminário NA PONTE com o tema “São Paulo Recebe o Rio: Preexistência e o Tempo”, promovendo discussões entre jovens arquitetos e arquitetas das duas cidades. Olhando retrospectivamente, seis meses depois, que frutos e impactos essa troca gerou?
DP: Do meu lado, primeiro, tudo o que aconteceu na organização e na prévia já começou a gerar frutos. Conversas, discussões… as nossas próprias, não é, Joaco? A gente teve muita troca prévia para tudo isso. A aula da Marina foi anterior à Na Ponte também. Essas pontezinhas vêm acontecendo antes e o evento nos ajudou a catalisar um momento dessas tantas pontezinhas que a gente vem fazendo, ou tentando. Por exemplo, nos últimos tempos, estou encantado estudando mais aprofundadamente a obra de vão. E é muito diferente para mim estudar a obra de vão depois de conversar com a Anna Juni, com quem a gente teve conversas deliciosas. Com o Gustavo [Delonero] não chegamos a conversar, acho que estava doente naqueles dias. Conversas longas, muito gostosas, com Enk [te Winkel] também, e com várias outras pessoas. Estudar a obra, quando se conhece os autores, te coloca em uma relação afetiva diferente com a obra. Diferente, nem melhor nem pior, a priori, mas, sobretudo, mais interessada. Lá no Rio de Janeiro, eu estudo Carla Juaçaba, não porque é boa — ela é boa e o que ela faz é bom — mas porque ela é minha vizinha, está do meu lado. Só isso, já seria suficiente para eu me interessar. Então, quando a gente começa a estreitar laços, e Na Ponte é um momento de estreitamento de laços, fora as discussões, que também são super importantes, mas o próprio estreitamento de laços faz que, desde que conheci vocês, Joaco, eu já estou com outro grau de interesse acompanhando o trabalho da Marina. Antes me interessava, mas a Marina não era uma pessoa para mim, era uma produção que eu consumia por redes sociais. Depois de conhecer a Marina, agora vejo com outro interesse. E suspeito que isso tenha acontecido entre muitas pessoas, não somente comigo, mas com outras também.
Isso tem a ver, primeiro, com a sua colocação sobre essa dimensão mais comunitária, que é um assunto. Depois, como falava um pouquinho antes com Joaco, é também perceber como esse espaço de uma geração com muito mais perguntas e dúvidas do que certezas, como essa condição mais frágil pode ser vista como uma maior chance de se encontrar na empatia, pela própria aceitação dessa fragilidade. Saímos do evento, e o Greg [Gregório Rosenbusch] do Venta, que é muito amigo meu, estava pulando de felicidade ao meu lado e disse, “exato, é isso, o meu problema é o contrário, minha força é a minha fragilidade”. Então ele começou a se rever, inclusive, num papel que muitos de nós praticamos, onde precisamos nos apresentar fortes — porque estamos, de alguma forma, defendendo que temos uma prática que conhecemos — frente a um cliente ou frente a qualquer interlocutor, onde essa força precisa acontecer. Mas, em certo âmbito, é importante que não aconteça. Isso também foi o clima das exposições do Na Ponte, onde foi muito fácil de conversar todo mundo entre si, porque ninguém estava querendo bancar o perfeito. E isso também me parece ser uma diferença enquanto geração. Houveram dois finais de semana intensos nesse clima. Lamentavelmente, houveram dois grupos, mas nós estivemos nos dois. Foi bonito ver isso, e isso, para mim, é um efeito, da fragilidade como fortaleza.
Uma coisa que foi colocada muito é essa questão de refletir sobre a própria prática por conta desse evento. Mas essa reflexão, me parece que teve dois momentos. Foi um refletir antes, e o refletir durante ou depois, a partir do outro. Então, é refletir sobre si mesmo vendo o outro, como uma espécie de psicanálise coletiva, de perceber que todo mundo compartilha as mesmas dores.
JG: Para mim, particularmente — não posso falar o que aconteceu com outras pessoas — me despertou uma sensação, que tem a ver ainda com essa ideia de centro e periferia que você trouxe, que é o fato da maneira como a gente se comunicava entre nós ter mudado. Me despertou novos interesses, me despertou coisas para seguir pela frente. Eu vejo muito feliz que muitas das pessoas que participaram, agora estão dando aula na Escola da Cidade. Agora, o grupo de EV, de Estúdio Vertical da Escola da Cidade, é coordenado por Anna Juni, uma das participantes, que, de alguma maneira, foi convocando pessoas mais novas que também participaram. Não acho que tenha alguma relação direta, mas ver todo esse grupo junto… por exemplo, para mim, Pianca [Guilherme Pianca] e Guido [Otero] foram dois personagens incríveis. Eles assumiram um lugar no evento, tanto antes quanto depois, que foi lindo de ver, porque eles dois se complementaram, se reaproximaram, porque eles se conheciam da USP, tinham parado um pouco de se falar e voltaram a se encontrar, tanto que agora escreveram esse texto juntos, estão trocando ideias em paralelo, estão fazendo doutorado na USP. Existem desdobramentos que se deram e, mesmo sem a gente saber exatamente, a gente vê que acontecem. Esses desdobramentos têm a ver muito mais com a questão das relações do que com arquitetura.
DP: Eu gosto de dizer que é existência, não é preexistência – depois das provocações do Pedrito [Pedro Varella]. Porque quando a gente diz preexistência, está supondo que o foco está na existência que virá depois, que é o projeto, e não na preexistência que é a existência. Mas, de qualquer maneira, é essa ideia, seja preexistência ou existência, desse território anterior, no qual se discute algum tipo de pensamento como parte de ciclos. É claro que a ideia de tabula rasa, poderíamos dizer que está ultrapassada, mas nem tanto, porque a tabula rasa continua existindo como procedimento bastante dominante — a Perimetral do Rio de Janeiro se destruiu e não tinha nem 40 anos — de fato, é uma atitude dominante. E quando a gente formula a ideia da preexistência e o tempo, que é uma outra categoria bastante vaga, e vai criando subcategorias, sendo essa nossa curadoria, as próprias discussões anteriores, discussões de bastidores antes do evento, ajudaram a fixar e construir esse lugar de preexistência do qual estamos falando.
Existia um lugar comum, em todas as práticas há sempre um cuidado, diferente das gerações anteriores, que tem a ver com pousar leve, que tem a ver com reaproveitar, que tem a ver com desarmar e rearmar. Estou pensando no Rodri [Rodrigo Messina] e Fran [Francisco Rivas], messina | rivas. Tem a ver com a ação de fazer com nada, ou com quase nada. Estou pensando no Carlinhos [Carlos Zebulun], quando faz aquela tenda com umas argolas presas no chão, presas no teto, com uns cabos de aço, aproveitando um piso e teto duros, ou quando faz aquela garagem, estou pensando no lindíssimo trabalho da Juliana Godoy no MAM do Rio, onde manipula as regras pra poder deixar cortinas para o MAM, com um orçamento que a priori não poderia destinar recursos para qualquer coisa além do transitório de uma exposição, em todas as práticas, há um outro modo de ver esse território, no qual se vai fazer e pensar algo, mas onde está se buscando, constantemente, achar valor no que se encontra. E não é só limpar a planta, ouvindo e lendo a Anna Juni e Gustavo [Delonero] falando, primeiro, o que a gente pensa quando faz uma reforma é destruir tudo e pensar a partir da estrutura em concreto. Hoje em dia, fazemos isso metodologicamente, mas estamos atentos no que a gente pode preservar, achando valor em outro lugar. Isso também é próprio dessa geração. Essa noção de preexistência, ou existência, nos termos do Pedrito [Pedro Varella], é algo que permeou muito as nossas conversas.
A próxima pergunta era justamente sobre essa questão geracional, e de repente você já respondeu. Eu ia trazer uma citação de Jean-Luc Nancy, que afirma, no texto “Gerações, Civilizações”, que “a relação entre as gerações não é de diferença ou de oposição, mas de síncope. O que a juventude atual sabe de um passado feito de ruturas é que ela não as viveu. Ela partilha com as outras idades da vida o sentimento de que nossa civilização agora está mais suspensa do que solidificada, de que ela não mais exige se satisfazer com a sua herança, mas se transformar na urgência”. E a pergunta era: como a urgência do presente influencia o diálogo entre gerações, a transmissão de conhecimento e a renovação das práticas?
DP: Eu tenho uma percepção… estou com a Anna Juni na cabeça de novo. Ela fez um comentário sobre isso, dizendo que a galera, hoje em dia, tem bode da arquitetura [insatisfação, descontentamento]. Essa é a expressão que eu lembro dela. E esse bode da arquitetura, acho que tem a ver justamente com o fato da arquitetura ser mais demorada, tanto do ponto de vista do tempo que demora para você ter oportunidades, enquanto jovem arquiteta ou arquiteto, quanto nos processos de projeto, de obra. Tudo é lento, não é? Lento comparado a quê? Lento comparado, por exemplo, a pensar uma expografia, uma cenografia, uma instalação artística, etc. E, voltando na Anna Juni, ela identifica algo que eu também vejo em alguns estudantes na UFRJ, sobretudo aqueles que vêm das classes mais confortáveis, que é essa urgência do presente. É uma urgência que dá algum tipo de ganho. É mais rápido, são trabalhos mais curtos, aparentemente de menor complexidade, pelo menos de menor complexidade executiva, de maior chance de aceitar o erro, porque é algo que se monta e se desmonta, não tem que ser perfeito. Onde se pode discutir com precisão e maior autonomia assuntos que, aparentemente, a arquitetura, que vão durar muito, não poderia. Parecem assuntos chatos, fazer com que um edifício de moradia coletiva funcione bem parece chato, ao lado de alguém que se imagina e vê o gru.a projetando como caminhar no teto do MAC, que parece algo muito mais entusiasmante de se pensar, ou de ser reconhecido por tal. O que eu vejo nessa geração atual, por um lado, é muito interessante essa expansão disciplinar, que não é nova — a Lina [Bo Bardi] já fazia, o Paulo [Mendes da Rocha] já fazia — mas que acontece, e isso revisa o olhar da arquitetura em termos tradicionais.
Por outro lado, há uma urgência pelo reconhecimento, e acho que isso é triste. Há uma urgência pelo presente, porque parece que não temos mais um amanhã – além do efeito das redes sociais de exposição constante. Então, nesse clima geracional atual, convivem lados enormemente estimulantes e produtivos, mas também uma angústia. Eu gosto da imagem das tartaruguinhas no mar, Carlinha é a tartaruguinha que está chegando, Juliana Ayako é outra tartaruguinha que está chegando, Marina está chegando, e todas as tartaruguinhas que não estão chegando? A mim, me produz muita angústia pensar em todas as pessoas que estudam arquitetura, que se formam arquitetas e de arquitetos, e que não têm oportunidades porque, de alguma maneira, nossa sociedade é mesquinha. E também há algo problemático nessa urgência do presente, se se entende o presente como sucesso. Me parece que convivem questões muito contraditórias, aquelas que dão frutos, e aquelas que a gente está vendo sempre a nata do copinho cheio, não é? Parece que há um outro mundo ali.
Em 1988, no Clube Português de Buenos Aires, José Saramago afirmou que “ser emigrante não é deixar a terra, é levar a terra consigo”. Até que ponto a cultura argentina se mantém presente em vocês e influencia suas práticas como arquitetos e professores no Brasil?
JG: Em tudo.
DP: Em tudo. Até ao último pelo…
JG: Mas incorporando tudo o que eu puder do Brasil também. Diego, fala você, que está há 30 anos aqui, eu só tenho 10.
DP: 20 e poucos, o dobro. Estou entrando na terceira década.
JG: Eu estou entrando na segunda década, já passei 10 anos. Eu tenho o meu ritual para conservar algumas conexões com a Argentina e tenho coisas que não posso me desapegar, que é o meu jeito de falar e essa questão de como eu fui ensinado a falar sobre arquitetura. E disso eu nem quero nem consigo me desapegar, isso forma parte da minha matriz. Porém, essa matriz foi construída olhando pro Brasil. A primeira obra que estudei na Faculdade de Arquitetura foi o MuBE, de Paulo Mendes da Rocha. A segunda obra que eu estudei foi o MASP, depois a FAU-USP, foram as obras de arquitetos brasileiros. É muito difícil para mim pensar em arquitetura no sentido mais abstrato e pensar nos espaços “sem nome” por exemplo, sem pensar no Brasil. Para mim, isso é uma das expressões que mais me instigaram a pensar na arquitetura. Nesse sentido, estritamente falando de arquitetura, essas duas coisas não estão tão claras, o que é a argentinidade e o que é a brasilidade. Porém, o meu conhecimento de arte | literatura em todos os aspetos, escultura, pintura, música, principalmente música, toda essa riqueza que a cultura brasileira tem, eu absorvi muitíssimo mais aqui, porque eu me tornei adulto no Brasil.
Tentando ser um pouco sintético, tem coisas que você não consegue desapegar, que são formas de fazer as coisas. Mas tem muitas coisas que você absorve, incorpora e vai apresentando até o ponto em que as duas coisas se misturam de tal forma que você nem fala espanhol, nem fala português, você nem pensa em…
DP: Você sonha em português?
JG: Faz tempo que não sonho, mas acho que sonho em português. Eu penso em português. Penso em português, escutando a rádio da Argentina. Acho que é muito difícil encontrar qual é o limite das coisas hoje, nesse contexto. Mas eu consigo reconhecer quais são as coisas que ficaram de lá, isso sim. E tem também esse jeitinho que todo mundo fala, tem um jeito ali. Mas é só paixão, gente.
DP: Sim, temos até o último pelo argentino, sem dúvida. E nós nos identificamos, não é, Joaco, não temos mágoa com Argentina. Porque tem gente que saiu da Argentina com tristeza, com mágoa, ou falando mal. Não é nosso caso. A gente pode ser muito crítico com muitas coisas na Argentina, mas não é mágoa.
JG: Não vamos falar mal da Argentina e nem falar mal do Brasil, e vamos falar mal do Brasil e vamos falar mal da Argentina, nos mesmos termos.
DP: Claro, claro. Só para complicar um pouquinho mais a minha vida, eu não sou de Buenos Aires. Eu nasci em Buenos Aires, mas me criei no interior. Eu sou judeu e estou batizado. Eu me criei na Tríplice Fronteira, num território alegal, como diz Solano Benitez. Como disse outro amigo meu, Nachito, se você morou na fronteira e não fez contrabando, é porque você não morou na fronteira. Tem esse lado preparado para fugir, mas ao mesmo tempo se afirmando, porque é o que você tem na frente, então você tem que conseguir fazer dar certo, porque a opção de fugir não é muito amigável. Acho que isso coloca também algo que eu enxergo em muitos dos nossos estudantes, sobretudo na pública, não sei como você enxerga na Escola, é aproveitar a chance que tem. E acho que isso também é um certo tipo de argentinidade.
JG: A gente tem uma condição em que cada um de nós tem a possibilidade de escolher, de alguma maneira, o que você entende por argentinidade e o que você entende por uma visão mais brasileira. É um privilégio.
DP: Exatamente. Nesse tempo que eu estava lá, eu falava com a Gi, minha companheira, e dizia, “estou com saudades do meu Brasil”. Foi a primeira vez que eu me ouvi formulando essas palavras, meu Brasil… sempre me parecia uma forçação de barra [exagero] falar isso, desse jeito. Mas acho que essa argentinidade é muita, não dá para falar de uma argentinidade. Sem dúvida, nos identificamos nisso, Joaco, acho eu, no exercício do pensamento de colocar as coisas constantemente no avesso. Então, é desarmar, e desarmar, e desarmar. Eu tenho uma paixão por Julio Cortázar, adoro as instruções para subir uma escada, ou as instruções para dar corda em um relógio, que são exercícios literários de armar e desarmar. E acho que isso é, em algum grau, aspecto de minha argentinidade, não da argentinidade.
No âmbito da fragilidade, que a gente estava conversando mais cedo, me parece que ali também há uma força na dúvida, que é um certo prazer em duvidar. Mas é uma ação afirmativa, segura, de duvidar. E, pra mim, isso está em Cortázar, sem dúvida. Eu tenho um conto que eu acho magnífico do Borges, “El jardin de los senderos que se bifurcan“. Eu acho que são esses labirintos que conseguem colocar, de um instante para outro, o século XX e para o século XII. É um cara que vai fugindo e, em um momento, entra em um bosque e, numa cena de fuga na Primeira Guerra Mundial, ele se encontra com um chinês no século XII. Então, há uns deslocamentos temporais que, também, são esses exercícios literários que formam parte de uma argentinidade, que acho que compartilho com muitos, mas não é a argentinidade, está longe de ser. Adoro a ideia do Aleph, de todos os tempos, ao mesmo tempo, concomitantemente que, para mim, é o pavilhão III de nossa FADU da UBA. De muitas maneiras, são histórias particulares, mas acho que tem muito nas nossas histórias pessoais, obviamente, pois estamos aqui, de um desarraigo, em vários momentos, seguramente sofrido, mas um desarraigo gostoso, também, de ser um eterno estrangeiro, numa certa força do sempre deslocado.
JG: Sim. Também, os dois viemos sozinhos. Eu acho que tudo o que a gente está falando, tudo está conectado. Quando eu falo, por exemplo, das minhas relações na Escola da Cidade, das amizades, a gente está olhando para os nossos companheiros porque eles são nossa família, também. Ou seja, as pessoas para as quais a gente está olhando, ou pede um conselho, ou pede ajuda, essas são as nossas famílias aqui. E isso se constrói dessa forma. Então, acho que tudo está conectado. Nada é por acaso.
Tinha uma outra pergunta, mas acho que ela foi respondida por vocês dois. Achei muito interessante você dizer que não consegue enxergar o que é argentinidade, o que é brasilidade, porque, na verdade, a gente está falando de um terceiro lugar, que não é nem aqui, nem lá, lugar que eu gosto de chamar de terceira margem, com o qual também me identifico, como imigrante no Brasil. Então, essa perspetiva de fora, que é uma mistura não só da Argentina com o Brasil, ou no meu caso, da Romênia com o Brasil, mas também de todos os lugares que percorremos, que nos influenciaram, que atravessamos e nos atravessaram. Isso vai alimentando essa subjetividade que vai se construindo constantemente.
JG: Com certeza, é uma liberdade enorme, a gente é muito privilegiado. Eu posso falar que não gosto de coxinha e ninguém vai olhar para mim de forma estranha, por que eu sou gringo, não é?
DP: Eu tenho problemas com gringos cariocas, por que eu moro num bairro chamado Santa Teresa, que é muito frequentado por gringos cariocas.
Você trouxe também a questão dos deslocamentos e acho que é um bom ponto para fecharmos. Em “Seis propostas para o próximo milênio”, Italo Calvino define valores para o futuro da literatura. O livro é composto por cinco conferências organizadas na seguinte ordem: leveza, rapidez, exatidão, visibilidade e multiplicidade. A sexta e a última conferência com o nome de consistência nunca foi escrita devido ao falecimento súbito do autor. Décadas depois, Ricardo Piglia escreve a proposta que falta, no ensaio “Una propuesta para el próximo milenio”, propondo o deslocamento como estratégia para dar voz às margens da tradição cultural. “Há uma certa vantagem, às vezes, em não estar no centro”, afirma Piglia. É a partir desse lugar de reflexão sobre limites que o escritor argentino escreve a sexta proposta. A literatura tem esse poder de imaginar mundos possíveis através das palavras. A arquitetura, diferente da literatura ou da arte, opera em outra temporalidade, ficando refém da própria complexidade. Pensando nesse deslocamento como possibilidade, quais estratégias a arquitetura pode oferecer para enfrentar tempos difíceis? Se formos pensar num manual de regras para um futuro difícil.
DP: Eu adoro Piglia, que é outro que gosta de cutucar. Josep Quetglas também. Estou pensando nesta história que você está tentando nos tirar da boca, conselhos, ou manuais, ou métodos. Eu gosto muito da ideia da incerteza como material. O não saber como material de pensamento. Eu gosto muito quando, no âmbito das discussões na universidade, com os estudantes, se seguram nas certezas, e uma das certezas que me parecem as mais desinteressantes é a ideia do programa. E eu gosto da ideia de desprogramar, não por reprogramar, mas por desprogramar. Então, isso, de alguma forma, está abraçado nas ideias da indeterminação, de não estar determinado.
Como imaginar convicções que se sustentam no desconhecimento? Então, eu acho que temos exemplos disso, onde essas perguntas estão constantemente sendo feitas. E, inclusive, atitudes radicais como a da Anne Lacaton e o marido, que projetam aquela praça dizendo que não vamos fazer projeto nenhum, porque não precisa fazer nada, porque a galera no bairro curte a praça, a única crítica é que tem um banquinho quebrado, então vamos consertar o banquinho. Me parece que ali também reside uma atitude que não tem a ver com “para toda chave de fenda, o problema é um parafuso”, então, nem toda arquitetura se resolve com projetos, às vezes se resolve com não projetos. Essa ideia do deslocamento, é se afastar do procedimento naturalizado, disciplinar, e se colocar o desafio de promover um certo tipo de pensamento. Eu já tive conflitos em antigas sociedades, quando nos chamavam para discutir determinado projeto e eu falava, fulano, para mim, aqui não tem que ser feito nada, mas vamos perder o cliente, bom, percamos o cliente. Eu prefiro afirmar que aqui, o que tem que ser feito, talvez, é só pintar. Há um falso problema na demanda que estamos recebendo.
JG: É a carga desse poder, que é quase onipresente, que tudo pode resolver, isso vem sendo questionado e hoje se tornou, praticamente, um discurso atrelado a outro momento, a outro tempo. Esse momento onde a gente consegue falar com certa tranquilidade sobre o que a arquitetura pode e o que a arquitetura talvez não pode fazer ou não deve fazer, ou é melhor não fazer, ou talvez seja melhor pedir para outras disciplinas resolver, é onde a gente, talvez, consiga mais aportar para isso. Isso que o Diego está falando, de ficar nas incertezas ou trabalhar sobre as incertezas, eu acho que tem muito a ver com o fato de a arquitetura entender qual é o seu lugar, na medida justa. Encontrar os próprios limites, acho que isso que está em discussão faz tempo, quais são os limites do que a gente pode ou deve fazer.
Isso é algo que a gente discutiu muito, e acho que tem a ver justamente com o fato de entender as existências, as preexistências, e ver, a partir dali essa análise. Por isso que, para nós, foi importante entender esse tema, entender a ideia de uma preexistência, porque não é simplesmente a maneira como você faz a própria intervenção, a gente não está falando sobre a intervenção, mas sim sobre a atitude frente a essa condição, de preexistência e existência. Nesse momento, para nós foi importante, e continua sendo, trazer esse pensamento, ao falar sobre preexistência, estamos pensando qual é o limite da arquitetura, qual é o limite do que a gente deve fazer naquele momento, qual é a nossa postura? E aí entra algo que me parece que precisa ser mais estimulado ou novamente estimulado, que é uma visão mais politizada da nossa profissão, ou seja, poder encontrar um espaço, um tempo dentro da nossa profissão para poder se envolver politicamente, desde o lugar que cada um quiser, com questões que nos atravessam. Isso não significa ir num bairro humilde e trabalhar ali pro bono. Fazer política é discutir, é debater, é trazer ideias, inclusive levar em frente a discussão disciplinar.
Tem vários aspectos e cada um encontrará a sua versão, mas me parece que às vezes é preciso encontrar esse equilíbrio entre o que é arquitetura pura e dura e o que é discussão disciplinar, que também é uma postura política. Eu acho que isso é o melhor que eu poderia dizer sobre como intervir, porque sobre o resto, como a gente vem dizendo, eu tenho uma absoluta incerteza.
Muito bom. Obrigada, foi um prazer.
JG: Muito bom.
DP: Eu queria deixar registrado minha gratidão à tua iniciativa.
JG: Muito, muito.
DP: Porque eu acho que o seu movimento já foi estimulante naquela noite em que a gente trocou ideia, numa das tantas noites do Na Ponte. Os desdobramentos são desdobramentos que têm a ver com seus interesses e sua pesquisa, mas que continuam sendo efeitos ricos. Eu estou muito extasiado e feliz de estar tendo essa conversa com vocês dois aqui. E acho que isso tem a ver com a tua iniciativa, que acontece, que você não é a única, e que isso forma parte de uma rede de acontecimentos que a gente vai participando, que tem desdobramentos também inesperados. E acho que isso é muito bonito.
Para mim foi um privilégio e continua sendo e espero que isso se ramifique ainda mais.
Nota
Entrevista concedida a Delia Sloneanu, no dia 12.06.2025, às 19:14 UTC-3, em São Paulo.