Rodrigo Messina
info@messinarivas.com
Arquiteto, brasileiro, escritório messina | rivas, mestre pela FAU-USP, São Paulo-SP, Brasil.
Francisco Rivas
info@messinarivas.com
Arquiteto, argentino, escritório messina | rivas, São Paulo-SP, Brasil.
Caio Calafate
info@gruaarquitetos.com
Arquiteto, sócio diretor do gru.a, doutor em Design pela UERJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Pedro Varella
info@gruaarquitetos.com
Arquiteto, sócio diretor do gru.a, doutorando em Urbanismo pela PROURB-UFRJ, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
Para citação:
MESSINA, Rodrigo; RIVAS, Francisco; CALAFATE, Caio; VARELLA, Pedro – Preexistência e Peso: Projetar pelo meio; Existências. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2025, p. 117-125. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.11
Recebido a 14 de maio de 2025 e aceite para publicação a 28 de maio de 2025.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Preexistência e Peso: Projetar pelo meio | Existências
Resumo
A preexistência pode ser compreendida como um ato construtivo, onde os materiais não apenas configuram a forma, mas também orientam decisões fundamentais do projeto. A partir dessa perspetiva, os escritórios messina | rivas e gru.a são convidados a refletir sobre como a relação com os materiais molda sua abordagem arquitetónica, influenciando o peso simbólico e estrutural das escolhas feitas ao longo do processo. Trata-se de entender a construção como um diálogo entre matéria e intenção, onde cada vínculo estabelecido ressoa na definição do espaço.
Para messina | rivas, projetar pelo meio envolve uma prática de arquitetura que parte das preexistências e dos recursos disponíveis, incorporando agentes ambientais, materiais e econômicos, para gerar respostas críticas e transformadoras dentro de um campo de possibilidades em constante construção.
Ao se debruçar sobre conceito de existências na arquitetura, gru.a propõe uma visão que ultrapassa a valorização exclusiva das preexistências, enfatizando a sobreposição temporal dos projetos, suas transformações contínuas e a interação entre elementos perenes e efêmeros na construção do espaço.
Palavras-chave: preexistência, temporalidade, transformação, diálogo, intervenção.
Projetar pelo meio |
Rodrigo Messina e Francisco Rivas

Figura 1 – Norte argentino (Foto: Federico Cairoli).
Um morro de terra argilosa e chão arenoso. E, a partir desse meio, um muro perfeitamente horizontal revela a topografia e projeta uma sombra — condição própria de um projeto de arquitetura. O que mais? Continuidade entre paisagem e edificação, construção a partir dos recursos disponíveis, dissolução e redefinição de fronteiras, prática como ação transformadora, prática de cuidado, prática moldada pelo meio. Esta imagem, situada no norte da Argentina, informa e orienta a reflexão desta comunicação.
Arquitetas e arquitetos têm colocado em causa as heranças da arquitetura, suspeitando que o modo e a escala de intervenção dessas práticas são, simultaneamente, causadores das emergências climáticas e insuficientes para lhes dar uma resposta adequada. Com essas desestabilizações, como aprender e desaprender com outros saberes de modo a não incapacitar o nosso, mas ao contrário, enriquecê-lo?
Essa encruzilhada é o que chamamos de um “paradoxo da ação”, isto é, ao mesmo tempo em que a prática predominante da arquitetura está sob suspeita e seus pressupostos desestabilizados, se faz necessário cultivar coletivamente habilidades de resposta. Se reconhecer dentro do problema, não para resolvê-lo, mas para ficar com ele e cultivar constantemente o campo das possibilidades, isto é, aquilo que ainda não é, mas pode vir a ser. Agir, portanto, por hesitação, em paradoxo, por equívoco: aprender fazendo.
Diante desse paradoxo, surgem diversas reações — entre elas, um estado de suspensão, fuga ou mesmo paralisia da prática de projeto. Afinal, o que fazer? Como fazer? Por que fazer?
É precisamente contra essa paralisia que nos posicionamos. E isso não significa opor-se à escolha consciente de nada fazer, continuando a construir deliberadamente. Não — a paralisia não permite sequer essa escolha. Sabemos, aliás, que a decisão de não intervir pode, ela própria, constituir uma ação de projeto.
Com isso, posicionamo-nos, ao contrário, em gerar condições de vitalidade, em procurar cultivar modos de responder aos problemas, não para os resolver, mas para, pelo menos, cultivar a habilidade de resposta.
Como, portanto, começar um projeto de arquitetura? Para a discussão proposta pela sessão temática Outras práticas, Outras teorias queremos partilhar algumas reflexões que surgem a partir, diante e com os processos de prática de alguns projetos e experiências do nosso escritório, em particular aquela que temos vindo a investigar: a ideia de ‘projetar pelo meio’.
Pensar o projeto pelo meio do caminho significa pensar o projeto a partir das pré-existências, do entendimento de que há outros agentes no local que são inevitáveis de serem levados em conta. Pensar pelo meio ambiente está ligado a um projeto atento às condições da paisagem, do clima, do solo, da vegetação e como tais condições podem afetar certos caminhos projetuais. Projetar pelo meio construtivo passa por considerar as condições materiais, construtivas e tecnológicas disponíveis no local. Quais são os meios projetuais que podem funcionar em determinada situação, quais os procedimentos, as escolhas, as linhas de ação? Pensar pelo meio económico implica o entendimento da viabilidade de cada projeto e como ele pode influenciar na decisão a ser tomada. O meio, portanto, como recurso seja ele, temporal, ambiental, material, imaterial, construtivo, projetual, económico, etc.
Na simultaneidade do movimento do traço de projeto, analisamos as condições particulares de cada projeto; quais as relações envolvidas, os atores participantes, os recursos materiais e projetuais disponíveis, e perguntamos com quais procedimentos de projeto, com quais ações, decisões, vamos responder, imaginando os possíveis efeitos, sem abdicar de dos possíveis imprevistos.
A prática apresentada através de projetos do nosso escritório, procura desvelar diversos saberes através de ações e relações, projetos e diálogos, a partir das ações em diversas escalas, programas, contextos e procedimentos de projeto. A prática da arquitetura atua como ferramenta de ação reflexiva, com potencial de transformação das condições socioambientais e de habitabilidade.
Sendo assim, é uma prática que exige uma atenção adequada dos recursos disponíveis, das preexistências arquitetónicas/paisagísticas, dos diversos saberes envolvidos na técnica da construção e da viabilidade económica. O escritório também trabalha com diversas parcerias, tanto nacionais como internacionais procurando exercitar uma prática coletiva, não apenas através de projetos de arquitetura, mas também através de publicações, palestras, exposições e workshops. Acreditamos que a presença do diálogo amplia o campo do conhecimento da atividade e contribui para a constante inquietação projetual do escritório, que procura dar continuidade aos precedentes da sua trajetória.
Existências |
Caio Calafate e Pedro Varella
A ideia de preexistência — mote a partir do qual se desdobraram os encontros do Na Ponte — parece-nos especialmente relevante para o debate contemporâneo no campo da arquitetura, pois sinaliza o interesse daqueles que projetam em relação a condicionantes geográficas, históricas, ambientais- ecológicas, antropológicas, urbanísticas, entre outras. Isso significa considerar tais aspetos não apenas antes de que o projeto seja de fato implementado, mas também durante o seu processo de conceção: informando as decisões, condicionando os procedimentos e, em alguns casos, definindo a sua constituição material e formal.
A consideração da preexistência como pressuposto fundamental nos processos de projeto funciona, muitas vezes, como um antídoto à abordagem da tabula rasa, fazendo com que os debates em torno deste conceito oscilem hegemonicamente entre estas duas formas de operar. Tal polarização pode, contudo, limitar as possibilidades críticas que a noção de temporalidade pode — e deve — oferecer ao campo do projeto.
Diante disso, é pertinente sugerir que o prefixo “pré”, que precede “existência”, indica a consolidação da ideia de que o projeto em si estabelece um marco temporal que define um antes e um depois. Ou seja, se por um lado essa estratégia de valorização das preexistências ilumina o que havia antes da ação transformadora do projeto, por outro, parece conservar a noção do projeto como uma cisão em relação ao que o precede. Sob essa perspetiva, o projeto funda uma nova lógica e estabelece um novo sistema de relações, encerrando uma era para, invariavelmente, dar início a outra.
Assim, ao nos debruçarmos sobre as preexistências, somos levados a considerar também as pós-existências ou, adotando um vocabulário menos inventivo, simplesmente as existências. Por isso, interessa-nos mais debater essa sobreposição de tempos do que nos atermos exclusivamente à sua dimensão pretérita.
Isso porque uma postura indiscriminadamente devota às preexistências — atribuindo-lhes alto valor pelo simples fato de já existirem — corre o risco de esvaziar e desautorizar o caráter dinâmico, performático e inventivo intrínseco ao projeto. Ou seja, à medida que se compreendem as existências como pretéritas, torna-se mais improvável trabalhar com e a partir delas.
Diante dessas provocações, perguntamo-nos: como evitar que o projeto se limite à fundação de uma nova entidade temporal e, em vez disso, concebê-lo como uma inflexão que, assim como outras, possui duração limitada e está sujeita a transformações ao longo do tempo?
“…as cidades, embora durem séculos, são na realidade grandes acampamentos de vivos e mortos onde ficam alguns elementos como sinais, símbolos, advertências. Quando a Feira acaba, os restos da arquitetura são farrapos e a areia cobre novamente a rua. Não resta senão voltar de novo, com obstinação, a reconstruir elementos e instrumentos, aguardando uma próxima festa.” Aldo Rossi. Autobiografia científica, 2013, p. 38.
Nas arquiteturas e também nas cidades, convergem estruturas de distintas durações, interagindo em constante tensão entre o que permanece e o que passa. Essas dimensões se associam e, em alguns casos, estabelecem relações de complementaridade. Esse sistema de relações pode estar, de forma mais ou menos consciente, presente no projeto de arquitetura. Sob essa perspetiva, a arquitetura, enquanto construção, pode ser lida como o espaço de entrelaçamento entre elementos de longa duração — rígidos e de difícil desaparecimento — e outros mais leves, ágeis e, consequentemente, de mais fácil manipulação e modificação ao longo do tempo.
Ao longo dos primeiros dez anos da nossa prática, debruçamo-nos sobre essas questões, especialmente a partir de experiências de projeto que denominamos “arquiteturas de curta duração”, termo que empregamos em contraposição ao conceito de “arquitetura efémera”, frequentemente utilizado – ao que nos parece – sem o devido aprofundamento ou reflexão. Isso porque pressupor a efemeridade de uma arquitetura implica que possa existir alguma que não o seja.
Estes trabalhos — apresentados, entre outros contextos, durante o seminário Na Ponte
— não apenas se relacionam com os suportes perenes a que se amalgamam, mas encontram neles o próprio sentido da sua existência.

Figura 2 – Cota 10, 2015 (Foto: Rafael Salim).
O primeiro projeto desta série de obras, Cota 10 (2015), cuja duração foi de apenas duas semanas, buscou lançar luz sobre a demolição de um viaduto no centro do Rio de Janeiro, o Elevado da Perimetral, uma colossal estrutura de cimento armado e aço construída na década de 1970 e demolida pouco mais de 40 anos depois. A intervenção ocorreu por meio da implantação de uma escada em estrutura tubular, posicionada nas cicatrizes da demolição do viaduto. Essa escada conduzia o público até uma plataforma elevada a 10 metros do nível do solo, exatamente na mesma cota da extinta pista de rodagem do viaduto. Uma arquitetura leve e fugaz que, com sua presença, buscava revelar a ausência de outra, pesada e pretensamente duradoura.

Figura 3 – De Onde não se vê, 2017 (Foto: Lauro Rocha).
Dois anos depois, no projeto De onde não se vê (2017), adicionamos à experiência do público que visita o Museu de Arte Contemporânea de Niterói — emblemático projeto de Oscar Niemeyer — a oportunidade de, simultaneamente, estar neste objeto marcante e perder de vista a sua imagem. Para isso, projetamos uma escada que dá continuidade ao movimento de ascensão da rampa externa do museu, conduzindo o público à sua laje de cobertura. Assim, introduzimos a possibilidade de estar num ponto de onde não se veem os contornos da forma pregnante projetada por Niemeyer. Apesar da sua breve duração, o trabalho inaugurou uma nova forma de habitar a emblemática arquitetura de Niemeyer, contribuindo assim — do nosso ponto de vista — para a renovação das possibilidades de uma leitura crítica alternativa.
A completar a tríade de projetos, A Praia e o Tempo (2018), realizado na Praia de Copacabana, parte da operação infraestrutural levada a cabo nos anos 1970, que — através de uma colossal obra de aterro — quintuplicou a faixa de areia local sob o pretexto de expandir a rede de esgotos do bairro.
O vasto tapete de areia, com 100 metros de largura, criado nessa intervenção, tornou-se, hoje, uma plataforma aberta para diversas atividades. No contexto de um festival de artes cénicas, propusemos dialogar com essa transformação da geomorfologia da orla carioca a partir de duas operações combinadas. Na primeira, instalamos uma arena temporária de 31 × 31 m e 50 cm de altura, demarcando a área de trabalho e servindo como suporte para o público. Na segunda, reposicionamos a matéria que constitui o solo do local — areia e água —, criando uma nova paisagem topográfica que se alterava lentamente ao longo dos 12 dias de festival.

Figura 4 – A praia e o tempo, 2018 (Foto: Acervo dos autores).