Joaquin Gak
jkarqs@gmail.com
Arquiteto, coordenador do escritório UNA MUNIZVIÉGAS e fundador da plataforma Na Ponte. Professor na Pós-graduação Geografia, Cidade e Arquitetura na Escola da Cidade, São Paulo-SP, Brasil.
Para citação:
GAK, Joaquin – Uma ponte às futuras preexistências. Breve apresentação da experiência do 1° ciclo de conversas da plataforma Na Ponte. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, junho 2025, p. 68-71. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.4
Recebido a 14 de maio de 2025 e aceite para publicação a 21 de maio de 2025.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Uma ponte às futuras preexistências. Breve apresentação da experiência do 1° ciclo de conversas da plataforma Na Ponte
Enquanto escrevo esta breve introdução do que será, talvez, um humilde convite a um tempo de reflexão, penso nas poucas oportunidades que temos de olhar para uma folha em branco e escrever ideias que estão presentes em nossas ações, de alguma forma, o tempo todo em que estamos a projetar. Se isso se apresenta cada vez mais distante das nossas rotinas, fazê-lo de forma coletiva, debatendo e refletindo um com o outro e, principalmente, através da experiência do outro, parece ser algo de um mundo distante. Algo que costuma acontecer com alguns poucos grupos destacados, produto da transcendência das suas épicas conquistas.
Foi tomada a decisão de refletir sobre um conjunto de jovens arquitetos e arquitetas e as suas recentes produções, no lugar de esperar pela validação externa geralmente associada à prática individual. Um convite a se pensar como “geração”, uma pequena amostra dela, evidentemente. Seria impossível imaginar que num único encontro poderíamos incorporar todas as ricas experiências que vêm sendo desenvolvidas ao longo de todo o território brasileiro, porém, entendendo-o como uma porta aberta a novas vozes e visões sobre os modos de projetar.
Os grandes encargos de caráter público, aqueles que estudamos nas escolas de arquitetura e que dotaram várias gerações no passado de um conjunto de obras de impacto na sociedade, hoje são quase inexistentes, resultado de uma longa sucessão de crises políticas que o mundo atravessa. A falta de criatividade na implementação de políticas públicas, soma-se a uma crise ambiental generalizada que põe em questão os modos com que construímos as nossas cidades, as formas de consumo dos recursos naturais e questiona o modelo económico extrativista vigente, que só pensa no lucro a curto prazo.
Diante deste cenário e a partir deste recorte geracional, buscamos conhecer a situação atual que enfrentam os arquitetos e arquitetas, desta geração de profissionais por volta dos 40 anos, e as inquietudes e interesses que as mobilizam.
Surgiu assim a ideia de criar um espaço que permita mostrar uma porção dessa produção arquitetónica que, independentemente da sua escala ou qualquer tipo de valoração, possa contribuir a uma reflexão coletiva em relação a uma ideia específica: ¿que lugar ocupam as preexistências na produção da arquitetura hoje?
A ideia de Preexistência atravessa a arquitetura desde sempre, porém o que resulta interessante entender, é como esta geração se debruça sobre este conceito. O nosso objetivo é reconhecer, nas pequenas ações, um raciocínio conceitual, que não precisa encontrar uma coerência prolongada no tempo, ou tenha sido desenvolvido extensamente através de um grande número de obras.
Esmiuçar coletivamente a ideia de preexistência para analisá-la sob diferentes perspetivas e abordagens permite criar uma visão generalizada deste conceito que nos convida a refletir sobre as nossas prioridades, costumes, estratégias, oportunidades e como elas vêm construindo uma nova interpretação do papel e da forma de fazer arquitetura.
Ampliar o espectro da discussão dando espaço a estas outras vozes, busca nutrir o debate disciplinar e estimular às novas práticas a pensar estes encontros como pontes que conectem e não como ambientes isolados que nos separem. Assim nasce Na Ponte, uma plataforma que busca divulgar e criar vínculos entre jovens arquitetos e arquitetas a partir de encontros e debates presenciais.
O primeiro passo começou com a decisão de chamar Diego Portas, arquiteto, professor e fundador do Atelier aberto da UFRJ no Rio de Janeiro, para ajudar na organização desse primeiro encontro na Escola da Cidade, em São Paulo. A experiência do Atelier Aberto, naquela instituição, se transformou em uma referência para que práticas emergentes do Rio de Janeiro e fora possam mostrar seus trabalhos.
A partir de uma seleção de oito escritórios do Rio de Janeiro e oito de São Paulo, buscamos reunir um pequeno mostruário de novas formas de trabalho com escalas e trajetórias diferentes, onde as trocas e certa generosidade são uma constante. Pessoas que trabalham de forma similar desenvolvendo eventualmente pequenas parcerias e nas quais existam alguns aspetos que permitam a reflexão através deste eixo conceitual comum: a ideia da “preexistência”.
Nos propusemos abordar e aprofundar as discussões através de 8 debates estruturados em torno desse eixo, sendo 4 deles mediados por Guilherme Pianca (SP) e os outros 4 pelo Guido Otero (SP) e Mariana Vieira (RJ). Convocamos em cada encontro, um escritório de cada cidade, a olhar para seus trabalhos e analisar sob perspetivas diferentes como a ideia de preexistência atravessa a própria produção, seja na totalidade dos projetos, ou apenas em parte deles. Desta forma, criou-se um endereço comum onde interessa menos a produção em si ou a quantidade, do que a visão própria em torno de uma ideia/conceito que permeia e demarca cada discussão.
Tirar o peso da construção e focar os debates num entendimento conceitual dos processos (e não nos resultados) faz-nos entender que as visões apresentadas representam um só aspeto de algo maior que transcende um projeto individual e coloca a conversa no âmbito do coletivo.
Chamamos este 1° ciclo de conversas de São Paulo recebe o Rio: Preexistência e o Tempo. A palavra “tempo” resulta fundamental pois toda preexistência é definida por um marco temporal. Uma definição quase arbitrária que traça uma linha e delimita conceitualmente uma existência ligada ao passado, de outra entendida como presente. Os 8 eixos conceituais que estruturam os debates e provocam as discussões, se organizam com uma lógica atravessada pela ideia do “tempo” e levam no título um conceito vinculado à palavra “preexistência”. Estas associações, suscitam interpretações que surgem das relações que se dão ao vincular uma palavra à outra. Neste sentido, um pequeno parágrafo foi entregue aos escritórios onde se definem os diferentes temas:
Preexistência e Abstração: Incitamos os escritórios vão e Agência TPBA a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência na sua mais primária conceção – no momento exato onde a folha se libera do seu impávido vazio. Uma ideia originária num pensamento crítico, que antecede o próprio projeto. Uma geometria, um esboço, uma síntese, uma intenção ainda não comprovadas
Preexistência e Relações: Incitamos os escritórios [entre escalas] e a dupla Juliana Ayako e Zebulun Arquitetura a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência enquanto entes vinculantes, energias que circulam e se influenciam umas às outras. O local, os conflitos, as discórdias, os grandes acordos, as pedras e rios, a história, os tempos que atravessam e tudo aquilo que não é matéria.
Preexistência na Paisagem: Incitamos os escritórios Denis Joelsons e Venta Arquitetos a repensar seus trabalhos a partir da ideia da preexistência da paisagem, entendendo-a como um sistema de processos e relações onde a arquitetura se insere, cria, renova, estimula vínculos de continuidade entre natureza e cultura.
Preexistência e Recursos: Incitamos os escritórios Ruína e EVG a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência enquanto postura política e condição incontornável. Uma forma de abordar o projeto que é anterior ao processo projetual. A ideia de uma obra a ser descoberta.
Preexistência e Peso: Incitamos os escritórios messina | rivas e gru.a a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência enquanto ação construtiva. Os vínculos que criamos com os materiais e como estes influenciam o peso das decisões.
Futuras Preexistências: Incitamos os escritórios Estúdio Artigas e Juliana Sicuro a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência enquanto ruínas do futuro. Como imaginamos hoje o que será preexistente amanhã.
Preexistências programáticas: Incitamos os escritórios Terra e Tuma e Gávea Arquitetos a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência como solução de continuidade no tempo, aquilo que antecede os programas, porém vem sendo construído através deles. Uma ideia do fazer que se encontre nos projetos, independentemente de programas e escalas. À procura de um ideário que talvez nunca seja atingido, mas que indica uma busca permanente no fazer da arquitetura.
Preexistência efémera: Incitamos as arquitetas Juliana Godoy e Mariana Meneguetti a repensar seus trabalhos a partir de uma ideia da preexistência sem permanência. Um espaço mutável, reinterpretado infinitamente. Um texto que nos leva brevemente a um lugar. Um objeto que poderá ser e mudar. Uma ideia de preexistência em constante revisão.
Um último aspeto dessa experiência resulta fundamental ser destacada para entender a estruturação e organização do Dossier que segue esta apresentação. Todo o processo foi feito a partir de um enorme comprometimento coletivo. Convocamos a todas e todos os atores envolvidos nos debates, ao longo dos meses anteriores, a realizarem reuniões virtuais organizadas entre nós e as duplas temáticas. Organizadores, mediadores e debatedores, refletindo sobre cada um dos conceitos e interpretações propostos. Foram várias reuniões que carregaram de conteúdo as reflexões que apareceram depois plasmadas nas apresentações presenciais. Além disto, fizemos um convite a escreverem um breve texto que explicite as reflexões que surgiram da intersecção entre os temas e as apresentações.
Este Dossier, além de reunir e organizar esses textos, convoca os mediadores, Guilherme Pianca e Guido Otero (peças fundamentais do processo como um todo) a escreverem as suas próprias reflexões. O texto escrito por Cristiane Muniz, como diretora da Escola da Cidade e quem gentilmente abriu o espaço para os debates, busca trazer uma leitura externa dessa geração representada por quem participou dos encontros, porém com uma visão importante e representativa de uma geração, anterior que atua firmemente há muito tempo no âmbito acadêmico e projetual da arquitetura e que influencia a produção arquitetónica contemporânea até hoje, numa ideia de continuidade geracional. Por último, este dossiê é encerrado por Delia Sloneanu, romena, doutoranda do Da/UAL, a partir da visão de quem, por acaso, assistiu presencialmente ao evento como espectadora externa. Um olhar fundamental para entender o impacto que suscitaram as discussões e que ajudou sensivelmente a continuar incorporando novas visões, levando as reflexões do outro lado do Atlântico no formato deste Dossier. Verifica-se assim a ideia de que os debates sempre ampliam horizontes, que a ideias se complementam e que criar pontes é urgente e necessário para desenhar o que serão as futuras preexistências.