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José Castro Caldas

josecastrocaldas@gmail.com

Arquiteto e Doutorando no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

 

Para citação:

CALDAS, José Castro – Laboratório, Livro, Obra. Jane Drew e Maxwell Fry e o início de uma arquitetura moderna nos trópicos. Estudo Prévio 26. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, junho 2025, p. 15-43. ISSN: 2182-4339 [Disponível em: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/26.2

Artigo recebido a 14 de maio de 2025 e aceite para publicação a 11 de abril de 2025.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Laboratório, Livro, Obra. Jane Drew e Maxwell Fry e o início de uma arquitetura moderna nos trópicos

 

Resumo

Este artigo visa explorar como a ida de Jane Drew e Maxwell Fry para a “British West Africa” e a publicação da obra Village Housing in the Tropics (1947) foram determinantes para a sua trajetória profissional e para a consolidação de um pensamento arquitetónico adaptado ao contexto tropical, no interior do movimento modernista do século XX. A investigação recorreu a entrevistas com Ola Uduku e Jacopo Galli, além de documentos e artigos, destacando-se a correspondência de Drew e Fry. O artigo propõe-se analisar o percurso de Fry e Drew na sequência de três fases: o laboratório (i), o livro (ii) e a obra (iii). A chegada ao Gana representou o início de um exercício de descoberta e experimentação, em que os arquitetos recorreram a visitas de campo e à observação direta para compreender as realidades locais, os desafios climáticos e as práticas construtivas (i). O resultado desse estudo disciplinar foi sistematizado no manual de 1947, concebido como um guia prático para não arquitetos (ii). Contudo, o processo não se esgotou no registo escrito: as suas ideias foram imediatamente testadas e desenvolvidas, primeiro em adaptações de duas escolas pré-existentes e, depois, num projeto de raiz, a Universidade de Ibadan, um dos seus projetos mais emblemáticos na região(iii). Ao traçar esta trajetória, este estudo propõe uma nova leitura da relevância do Village Housing in the Tropics (1947) como momento inaugural da transformação da prática de Fry e Drew, que os conduziu a uma posição de destaque no desenvolvimento do modernismo em contexto tropical.

 

Palavras-chave: Arquitetura tropical, Jane Drew, Maxwell Fry, modernismo tropical

 

INTRODUÇÃO

 

“A arquitetura tropical, utilizada para descrever a arquitetura modernista em África, teve origem na África Ocidental Britânica, que incluía a Gold Coast (atual Gana), Nigéria, Serra Leoa e Gâmbia, no final da Segunda Guerra Mundial. O seu desenvolvimento foi iniciado por um grupo de arquitetos que projetaram novos edifícios na região, principalmente a pedido do então governo colonial britânico.” (UDUKU, 2006: 2, trad. autor) [1]

“O Modernismo Tropical foi um estilo arquitectónico desenvolvido para as condições quentes e húmidas da África Ocidental na década de 1940. Após a independência, a Índia e o Gana adoptaram-no como um símbolo de modernidade e progresso, diferenciando-se da cultura colonial.” (in resumo da exposição Tropical Modernism: Architecture and Independence, trad. autor) [2]

 

 

O presente artigo resulta de um interesse recuperado em torno da vida e obra dos arquitetos britânicos Jane Drew (1911–96) e Maxwell Fry (1899–1987). Procura mostrar-se como a ida destes arquitetos para a “British West Africa” [3] e a publicação da obra Village Housing in the Tropics (1947) foram determinantes para a sua trajetória profissional e para a consolidação de um pensamento arquitetónico adaptado ao contexto tropical, no interior do movimento modernista do século XX. Divide-se em três vertentes principais: Laboratório, Livro, Obra. A investigação baseia-se, sobretudo, nos estudos de Iain Jackson (2014, 2016), Jacopo Galli (2019), Ola Uduku (2006) [4] e Inês Nunes (2023a, 2023b, 2024), que recentemente contribuíram para um novo olhar sobre a trajetória destes arquitetos. Embora a sua obra tenha sido referida desde os primeiros estudos sobre arquitetura em África, como os de Udo Kultermann (1963 e 1969), e tenha sido reconhecida e referência pelos seus contemporâneos, é hoje reavaliada pelo interesse do papel das mulheres na arquitetura e do impacto da arquitetura europeia nos territórios coloniais e pós-coloniais. Os estudos pós-coloniais são hoje uma área relevante da investigação em arquitetura. Autores como Mark Crinson (2003), Gwendolyn Wright (1991), Samia Henni (2017) ou Hannah Le Roux (2003) contribuem para uma leitura contemporânea do papel dos arquitetos no contexto colonial e para compreender a forma como essa arquitetura foi parte da discussão da construção dos países independentes, sobretudo no contexto do modernismo africano.

Este artigo centra-se no momento em que Jane Drew e Maxwell Fry contactam pela primeira vez com o contexto africano, ainda durante 2ª Guerra Mundial e, em 1947, produziram a obra Village Housing in the Tropics. Escrito no contexto de uma nova estratégia britânica de investimento nas colónias após a guerra, inicia e sistematiza um pensamento arquitetónico adaptado às condições tropicais. Esse pensamento viria a ser aplicado em projetos educativos, urbanos e institucionais em África e, mais tarde, na Índia. Partindo de uma leitura disciplinar e histórica do processo de elaboração do livro, pretende-se mostrar como este foi determinante na transformação no percurso dos autores, e resulta de uma pesquisa sistemática que terá, posteriormente repercussões na sua obra construída. A análise é apresentada em três momentos:

Laboratório, no sentido em que aborda a experiência de Fry e Drew ao serem destacados pelo governo britânico para coordenar o planeamento urbano na “África Ocidental” e como isso influenciou os seus métodos (desenho [5]) de trabalho, uma vez que tiveram a oportunidade de viver, investigar e trabalhar diretamente no território e envolvendo as comunidades locais nesse processo, transformando estas regiões em verdadeiros laboratórios de pesquisa e experimentação arquitetónica.

O livro Village Housing in the Tropics é analisado como o elemento agregador e objetivo na organização, compilação e exposição deste conhecimento na forma disciplinar – arquitetónica. Fry e Drew reuniram e sistematizaram as suas descobertas, propondo soluções práticas e inovadoras para os desafios específicos dos climas tropicais. Drew, numa carta escrita ao pai (DREW; FRY, Correspondência), sublinhou a importância do livro, afirmando que o seu impacto poderia superar o de qualquer obra de arquitetura, dada a sua capacidade de divulgação e de influenciar um vasto público, desde arquitetos até decisores políticos.

Por fim, o artigo revela como a investigação e as práticas documentadas no livro transformaram a obra arquitetónica de Fry e Drew. Projetos subsequentes, como a ampliação das escolas Wesley Girls e Mfantsipim, e a Universidade de Ibadan, ilustram a aplicação prática dos princípios e inovações desenvolvidos durante a criação do livro. Essa sequência mostra que as experiências documentadas foram fundamentais para a adaptação do modernismo europeu ao contexto tropical. As três obras selecionadas — os acrescentos em infra-estruturas escolares na Mfamfampitse School e na Wesley Bridge School (ambas de 1945), e o campus da Universidade de Ibadan (1948) — permitem observar essa transição. As duas primeiras constituíram os primeiros ensaios de Fry e Drew em ambiente tropical: intervenções sobre estruturas já existentes que serviram de campo experimental para a sua atuação posterior. Ibadan, por sua vez, foi considerada pelo próprio Fry como a sua obra mais significativa no continente africano. Pretende-se mostrar que, mais relevante do que o livro em si, foi o processo da sua elaboração e como este se revelou determinante para orientar a prática arquitetónica da dupla no desenvolvimento do modernismo em contexto tropical.

Figura 1Contracapa de Village Housing in the Tropics (1947), com os territórios do Império Britânico assinalados numa entendida, então, faixa tropical — de uma suposta uniformidade climatérica que justificaria uma abordagem arquitectónica comum.

 

 

Contextualização histórica e relevância de Fry e Drew antes da ida para África

Maxwell Fry (1899-1987), formado na Liverpool School of Architecture, teve a sua formação influenciada por figuras como Abercrombie e Trystan Edwards, que moldaram a sua visão sobre a integração entre arquitetura e planeamento urbano. Antes da Segunda Guerra Mundial, Fry já era reconhecido como uma das figuras centrais do movimento modernista no Reino Unido.

Em 1933, Fry foi um dos fundadores do Modern Architectural Research Group (MARS), uma organização criada a pedido de Sigfried Giedion, então secretário-geral do Congrès International d’Architecture Moderne (CIAM). O MARS Group teve como missão inicial representar o Reino Unido nos eventos do CIAM e promover o modernismo britânico no cenário internacional. Fry desempenhou um papel central no grupo, mobilizando-o para promover debates sobre habitação social, planeamento urbano e produção padronizada de moradias. Sob sua liderança, o MARS Group elaborou, entre 1937 e 1942, propostas ambiciosas como o MARS Plan for London (GOLD, 1995), que visava reestruturar a cidade de Londres no pós-guerra, incluindo a separação funcional de áreas residenciais, industriais e comerciais, bem como a introdução de vastos espaços verdes. Apesar de nunca ter sido implementado, o plano refletiu os ideais do grupo e o desejo de transformar Londres numa cidade funcional e modern(ist)a. Além disso, Fry utilizou a experiência do grupo em projetos como o R.E. Sassoon House (1933–1934) e o Kensal House (1933–1937), onde aplicou conceitos de eficiência, racionalização e bem-estar social, traduzindo as ideias do grupo em edifícios, para a época, inovadores na resposta às necessidades das classes trabalhadoras. Essas iniciativas ajudaram a posicionar o modernismo britânico como uma força relevante no contexto arquitetónico europeu.

A parceria de Fry com Walter Gropius, de 1934 a 1937, foi fundamental no seu percurso. Essa colaboração não só influenciou o desenvolvimento do pensamento modernista de Fry, mas também introduziu uma abordagem pragmática que viria a ser crucial em contextos tropicais. O estudo de novos materiais e, por exemplo, a aplicação de princípios de ventilação natural testados durante esta parceria, foi incorporado mais tarde nos projetos de Fry em África, refletindo uma síntese entre as ideias de Gropius e as necessidades locais. Gropius, em fuga ao regime nazi, estabeleceu-se no Reino Unido antes da sua ida para os EUA. Juntos, partilharam um escritório e projetaram o Impington Village College (Figura 2) em 1939. Esta colaboração não apenas consolidou a posição de Fry no modernismo britânico, mas também lhe conferiu um estatuto de destaque na cena internacional da arquitetura. Contemporâneos seus, reconheceram-no como uma das figuras mais influentes da arquitetura moderna britânica, afirmando que “embora fosse quase impossível nomear um único líder na arquitetura moderna, Maxwell Fry deveria ser considerado em primeiro lugar” (YORK; PENN, 1939: 45, trad. autor) [6].

Figura 2Perspetiva, Impington College, Cambridgeshire, 1936 (Fonte: JACKSON; HOLLAND, 2016: 76).

Jane Drew (1911-1996), doze anos mais nova, formou-se na prestigiada Architectural Association School of Architecture em Londres, em 1929. A trajetória de Drew revelou desde cedo uma capacidade de criar redes de colaboração e influenciar tanto a política como a prática arquitetónica. Estabeleceu o seu primeiro escritório com a intenção de empregar apenas mulheres arquitetas, um gesto pioneiro, embora limitado pelas barreiras culturais e financeiras da época. Drew via-se envolvida na forte dinâmica entre a elite cultural londrina. Tornou-se relações públicas do RIBA e, em 1943, assumiu a curadoria da exposição Rebuilding Britain, realizada na National Gallery em Londres. Esta exposição destacou a reconstrução como um esforço coletivo, introduzindo conceitos de habitação social que mais tarde seriam adaptados ao contexto tropical. Nesse mesmo ano, foi nomeada “Arquitecta Consultora da comissão de Serviços de Aquecimento Doméstico Comercial” pela British Commercial Gas Association, o que lhe permitiu investigar detalhadamente novos materiais ao planear cozinhas modernas para o pós-guerra. Apesar de perceber uma possível condescendência, em que estes projetos eram tipicamente atribuídos a mulheres, Drew viu aqui uma oportunidade para melhorar a vida das mulheres comuns, afirmando que “Eu sinto que toda a mulher concorda que o trabalho doméstico deve ser banido após a guerra, e é por isso que estou a concentrar-me nas cozinhas” (in JACKSON, 2015, trad. autor). Durante a Segunda Guerra Mundial, também desenhou “fábricas falsas” para confundir os bombardeamentos nazis e alega ter sido agente do MI6. No entanto, esta última alegação pode dever-se à fama de Drew como uma grande contadora de histórias (idem).

Figura 3Modelo de cozinha desenhado por Jane Drew, em “Kitchen planning exhibition”, 1945 (Fonte: JACKSON; HOLLAND, 2016: 118)

Figura 4Em 1945, fundam o Fry, Drew and Partners (Fonte: Tag Archives: Drew. Disponível em: https://transnationalarchitecture.group/tag/drew/ [Consult. 14/05/2025])

Maxwell Fry e Jane Drew casaram em 1942. Pouco depois, fundaram um escritório conjunto, que viria a ser o centro de desenvolvimento de projetos marcantes para a adaptação do modernismo europeu a contextos tropicais.

 

 

Laboratório

Contexto colonial: mudanças e oportunidades

Antes da Segunda Guerra Mundial, a política colonial britânica era amplamente centrada na exploração económica, com poucos investimentos em infraestruturas locais. Durante a guerra, a participação das colónias no esforço bélico e a crescente pressão pela independência levaram o Reino Unido a adotar uma abordagem diferente. Relatórios do Mass Education in African Society e o Commission on Higher Education in West Africa destacaram a necessidade de melhorar as infraestruturas e a educação nas colónias. Em 1942, por exemplo, existiam apenas 43 escolas secundárias reconhecidas para uma população de mais de 27 milhões na África Ocidental Britânica (JACKSON in FRY; DREW, 1947). Essa mudança resultou em programas como o First Gold Coast Schools Programm  (1945–1950) [8], financiado pelo governo colonial. Esses investimentos, embora apresentados como vontade filantrópica, tinham como objetivo fortalecer os laços comerciais do Reino Unido e a economia britânica, por meio da exportação de materiais e serviços técnicos para as colónias. A memória de uma aparente benevolência britânica no pós-guerra com as colónias merece ser observada com alguma reserva [9]. Essa dualidade evidencia como o esforço colonial podia ser tanto uma oportunidade de desenvolvimento como um reflexo de desigualdades estruturais ainda não superadas.

“Considero o seu trabalho fascinante devido ao período de tempo em que foi produzido, durante um período de imensas mudanças políticas. É possível pensar em Drew and Fry como agentes involuntários do império, produzindo edifícios que reforçam e disseminam noções do imperialismo britânico, tudo isto revestido de fachadas modernistas aparentemente inocentes. De igual modo, trabalharam no período pós-colonial, ao longo daquele limite difuso em que as colónias estavam a conquistar a sua independência, onde talvez houvesse um lapso de tempo cultural que não foi imediatamente alcançado e… Talvez ainda não o seja” (in JACKSON, 2015, trad. autor) [10].

Figura 5 – Mapa dos territórios coloniais Britânicos, “West Africa”. (Fonte: Disponível em: https://www.sciencephoto.com/media/1247275/view/map-of-british-west-africa [Consult. 14/05/2025])

 

 

Fry e Drew trabalharam na África Ocidental exclusivamente ao serviço do governo, na fase de transição pós-guerra, em que o foco de investimento público foi concentrado sobretudo em dois sectores emergentes: Planeamento Urbano e Educação. Sustentados por significativos fundos governamentais e com uma liberdade que não conseguiam no continente europeu, Fry e Drew puderam desenvolver o que viria a ser um processo e a evolução formal de uma obra preponderante na definição de Arquitectura Tropical ou modernismo tropical.

 

 

Chegada e adaptação

Maxwell Fry viu a sua trajetória profissional interrompida pela Segunda Guerra Mundial. Em 1942, após o seu pedido de trabalho como arquiteto ter sido recusado pelo General Williams da Fortifications and Works, Fry aceitou o posto de Staff Captain no Corps of Royal Engineers. Poucos dias antes de embarcar num navio em Liverpool, sem destino conhecido, Fry casou-se com Jane Drew. Após 25 dias de viagem, chegou a Accra, no Gana. O período inicial foi descrito por Fry como “desesperadamente infeliz” [11], com projetos limitados a pequenas intervenções, como a extensão do European Club e a construção de uma sede de escuteiros. Drew, por outro lado, permaneceu bastante activa em Londres, cultural e socialmente, cultivava um novo círculo de amizades, que incluía figuras como Henry Moore [12], Peter Gregory [13], Elizabeth Denby [14] e Kenneth Clark [15], fazia parte das comissões do RIBA – para grande desgosto de Fry, que sentia falta da dinâmica urbana de Londres [16]. Apesar das condições iniciais adversas, a nomeação de Fry como Consultor de Planeamento Urbano para a África Ocidental em 1944, sob o patrocínio de Lord Swinton, Ministro Residente para a região, proporcionou-lhe um ponto de viragem significativo. Fry aceitou o cargo sob três condições: que Jane Drew fosse nomeada Chefe de Equipa, que tivesse três meses de licença antes de iniciar o trabalho e que pudesse visitar o Tennessee Valley Authority [17] nos Estados Unidos para estudar soluções de planeamento urbano. Drew, entusiasmada com a oportunidade, trouxe uma abordagem prática e inovadora para os desafios do novo contexto. Os primeiros projetos de Fry e Drew foram marcados por soluções pragmáticas de planeamento, muitas vezes em resposta às necessidades imediatas identificadas em cidades como Bathurst, na Gâmbia. Um dos objetivos principais era melhorar os sistemas de drenagem, frequentemente disfuncionais e sujeitos a inundações (UDUKU, 2015). Fry, embora afirmasse não haver uma arquitetura africana que servisse de referência para os seus projetos, reconhecia que aquele cenário o seduzia profundamente [18].

“Não havia nenhuma. Nem nos nossos próprios edifícios coloniais, que careciam de carácter ou de qualquer resposta às condições naturais que procurávamos; nem na construção africana, que nos ensinava o valor da sombra, mas era de uma ordem efémera, cuja beleza podíamos admirar enquanto se deteriorava e ruía…”
(Fry’s Memories, p. 16 apud JACKSON; HOLLAND, 2014: 1569 [19]

Embora empregados pelo regime colonial, Fry e Drew frequentemente desafiavam decisões oficiais, posicionando-se a favor das populações locais. Um exemplo foi a recomendação para melhorar as condições das habitações africanas, incluindo a introdução de pisos de cimento, por questões de salubridade. Normalmente, as políticas coloniais do governo central, incidiam exclusivamente nas habitações dos colonos. A abordagem de Fry e Drew em contextos coloniais suscitou debates sobre a aparente neutralidade política da arquitetura moderna, caracterizada por formas geométricas brancas e modificações climáticas “científicas”. Embora Fry tenha descartado a arquitetura africana como referência, ambos se mostram fascinados pelo vernacular e o “primitivismo” das construções locais. Este fascínio, no entanto, foi acompanhado por uma tentativa de “melhorá-las” com materiais modernos, como betão e aço. O contraste entre o encanto pela paisagem cultural africana e a aplicação de soluções modernistas emergiu como uma característica central na sua atuação, que coincidiu com um momento em que a arquitetura moderna procurava afirmar-se como uma ferramenta “universal”, mas estava inevitavelmente marcada pelas dinâmicas de poder e contexto colonial. Foi neste ambiente que estabeleceram uma colaboração produtiva com Alfred Edward Savige (“Bunny”) Alcock [20], arquiteto e urbanista, que liderava um projeto habitacional experimental em Asawasi, no Gana.

Figura 6 – Habitação experimental de Alcock’s em Asawasi – 1945-6 em Jackson, (Fonte: JACKSON, HOLLAND, 2014: 157)

 

Alfred Edward Savige (“Bunny”) Alcock desenvolveu métodos inovadores, como produção de blocos de laterita e gabaritos para treliças de telhado [21] e instalações de saneamento comunitário. Fry e Drew colaboraram com Alcock e integraram, depois, algumas dessas ideias nos seus próprios projetos, como o plano de Agbani, na Nigéria. Na segunda fase de Asawasi, Fry e Drew propuseram habitações agrupadas em torno de espaços comunitários, antecipando conceitos urbanísticos que utilizariam mais tarde em Chandigarh, na India. Drew, percebeu a necessidade de soluções práticas, o foco era recorrer a uso de materiais locais e projetar soluções/mecanismos de proteger o interior das habitações de forma a não depender de ar condicionado. As suas consultas com as comunidades locais, nas quais utilizava conhecimentos básicos de línguas africanas, garantiram que as necessidades específicas e locais fossem refletidas nos projetos. Ela enfatizava a importância de processos participativos, de forma a entender e ajustar-se às práticas locais, costumes culturais e às condições climáticas, nesse sentido promoveu palestras e reuniões, organizou exposições para explicar propostas de planeamento urbano aos líderes locais, garantindo, assim, um entendimento mútuo que cumprisse com a vontade de impacto social, era-lhe fundamental envolver as populações para quem estes projetos (dev)iam servir.

Figura 7 – Rio Olta, Digressão de projeto, Exposição com Modelo, c. 1950s (Fonte: JACKSON, HOLLAND, 2014: 201).

 

 

No entanto, nem todas as iniciativas foram bem recebidas. O uso de materiais como construções em terra, por exemplo, foi rejeitado por algumas comunidades que os consideravam inferiores. Se o betão era o certo para os Europeus, então devia ser o certo para eles também. Drew via nisto mais uma questão política, do que necessariamente de projeto. O betão era entendido como símbolo de modernidade, e uma vontade de equivalência social/cultural. Episódios que reconhecemos de tantas destas abordagens participativas, indiferentes à localização geográfica, ou cronológica – Corresponde na verdade, a uma condição de classe – Aqui, ilustram os limites da abordagem colonial europeia a intervir num lugar de onde não se é. Por mais esforço que lhes reconhecemos, foram sempre europeus, ao serviço do poder colonial a propor e intervir nos modos de vida locais.

 

 

Londres como ponto de conexão

Entre 1944 e 1956, Fry e Drew estabeleceram a sua base principal de trabalho na África Ocidental, nos territórios coloniais da Gold Coast (atual Gana), Nigéria e Serra Leoa, onde não voltaram a trabalhar após a independência destes países. No entanto, durante este período, mantiveram o seu escritório principal em Londres, o que foi essencial para preservar a ligação com o Reino Unido e consolidar a sua reputação dentro do movimento moderno britânico e europeu. Fry tornou-se um orador regular na Architectural Association School of Architecture, fortalecendo os vínculos com o Building Research Institute e facilitando a troca de conhecimentos entre arquitetos britânicos a trabalhar nos trópicos e instituições de investigação sediadas em Londres. Esta rede de contactos não só proporcionou apoio técnico a arquitetos envolvidos em projetos na África Ocidental, ajudando na seleção de materiais e estratégias ambientais adequadas ao clima tropical, como também ajudou a divulgar oportunidades profissionais nos territórios coloniais a uma nova geração de arquitetos britânicos. Este posicionamento consolidou Fry e Drew como figuras centrais na disseminação do modernismo nos trópicos, reforçando a sua influência dentro de um movimento internacional mais amplo. A coautoria do livro Village Housing in the Tropics reflete essa dinâmica, reunindo observações e ideias sobre arquitetura tropical num manual que combina um olhar ocidental sobre o ambiente construído, uma visão pragmática do desenvolvimento e uma tentativa inicial de formular princípios de desenho ambiental adaptados às condições tropicais. Além disso, a sua publicação pela Humphries em Londres sublinha a continuidade das suas conexões com a metrópole e o papel que desempenharam na circulação de conhecimento entre o Reino Unido e as colónias (UDUKU, 2006: 3-4).

 

 

Village Housing in the Tropics (1947) como Laboratório

A ida para África, no primeiro momento, para Drew, foi de choque:

Eu simplesmente não estava preparado para as aldeias de barro. O estado chocante de degradação e as ruas da aldeia erodidas impressionaram-me profundamente. Não tive qualquer visão romantizada do ‘bom selvagem’; em vez disso, vi habitantes pobres a viver em condições piores do que eu alguma vez imaginara (in JACKSON, 2015, trad. autor) [22].

Mas este primeiro impacto não resultou em bloqueio ou inércia; pelo contrário, rapidamente encarou a grande responsabilidade que tinham nas mãos. Fry acabou em África por acaso, desejando melancolicamente estar noutro lugar, enquanto Drew transformou o episódio numa aventura quixotesca. Drew gostava de trabalhar diretamente com as comunidades locais, Fry preferia desenhar no estirador e resolver detalhes de construção (JACKSON, 2015). Numa carta para o pai em 1943, Jane Drew revela muito do que era o espírito com que vivia aquele momento:

“Visitou a Kitchen Exhibition em Dorland Hall Regent Street? Ouvi dizer que a Rainha visitou. Vou colocar no meu papel timbrado como patrocinado por Sua Majestade. Fico tanto contente quanto triste por ter perdido a festa da inauguração. Ficarei muito feliz em ir para a Gâmbia em breve. Começo a sentir uma espécie de desejo de viajar [wanderlust] depois de um tempo. É um apetite que cresce com a excitação. Estamos a fazer um livro sobre planeamento de aldeias… Gosto da sensação de trabalhar num livro. É curioso, mas de certa forma um livro parece mais permanente do que um edifício. Estamos a construir algumas casas aqui também.” (Drew, 1943, trad. autor) [23],

A criação do livro insere-se no contexto colonial britânico do século XX, em que manuais técnicos eram frequentemente produzidos pelo Departamento de Obras Públicas (PWD – Public Work Department). Contudo, estes materiais focavam-se quase exclusivamente em edifícios destinados a europeus, deixando de lado as necessidades e especificidades da população africana. Village Housing in the Tropics marca uma rutura com essa tradição, propondo-se como um manual acessível, concebido não apenas para técnicos especializados, mas também para “Comissários, Oficiais de Distrito, Chefes e Autoridades Nativas” e, significativamente, para o crescente número de africanos preocupados com o futuro das suas habitações. O manual baseou-se amplamente na observação direta e na experiência prática de Fry e Drew no terreno. Registaram dados empíricos, identificaram problemas locais e propuseram soluções simples e de baixo custo, muitas vezes enraizadas em materiais e técnicas disponíveis localmente. Este foco em soluções pragmáticas reflete uma abordagem experimental de tentar e ver, como sublinham Iain Jackson e Jessica Holland:

“Embora pouco mais do que um panfleto, este pequeno volume foi uma obra seminal, talvez a primeira escrita por arquitetos para um público mais amplo, em vez de um boletim tecnicamente orientado, baseado em pesquisa científica. Os resultados são inteiramente empíricos e têm uma abordagem encantadora de “experimentação pela prática”, repleta de soluções low-tech, mas sempre práticas.” (introdução de Iain Jackson, apud DREW; FRY, 2014, ed. original 1947) [24].

Este pequeno volume tornou-se, assim, uma síntese do que observaram, testaram e aprenderam no terreno — e uma preparação decisiva para os projetos que se seguiriam.

“Village Housing in the Tropics (Fry & Drew, 1947), apresenta um relato encantadoramente datado da visão de um ocidental sobre a arquitetura e a antropologia social da vida entre os “nativos” nos trópicos. Também pode ser lido como um desenvolvimento inicial das suas ideias de desenho com preocupação ambiental que aplicaram ao seu desenho arquitetónico nos trópicos.” (UDUKU, 2006: 3) [25].

 

Figura 8Capa da primeira edição do livro Village housing in the tropics, 1947.

 

 

Conteúdo e estrutura do livro

Figura 9 – Índice e prefácio da primeira edição do livro Village housing in the tropics, 1947.

 

Figura 10 – Esquema e texto no Capítulo 1 de Village Housing in the Tropics

 

 

O livro tem a evidente vontade de ser fácil de consultar. O equilíbrio entre clareza gráfica e as explicações diretas reforça a abordagem prática e acessível de Fry e Drew. Na Figura 10, por exemplo pretende abordar o tema “Protection from Wind Erosion”, em que destaca como o planeamento adequado na localização das habitações pode mitigar os efeitos do vento. Esquemas simples de good siting e bad siting mostram como fatores como disposição das construções e barreiras naturais, como árvores, influenciam a proteção contra a erosão.

Figura 11 – Ilustração no Capítulo 2 de Village Housing in the Tropics.

 

 

A ilustração da Figura 11 destaca a melhoria do abastecimento de água, saneamento e lavagem de roupa, elementos essenciais para a saúde pública em contextos tropicais. A representação gráfica, acompanhada por legendas claras, sublinha a importância de utilizar materiais e técnicas locais para criar soluções práticas e acessíveis. Este ângulo aborda um dos maiores desafios desses ambientes – a salubridade da água e a prevenção da disseminação de doenças. O exemplo reflete o compromisso do manual em transformar questões técnicas em orientações simples e aplicáveis, contribuindo diretamente para o bem-estar das comunidades.

Figura 12 – Esquemas sobre ventilação no Capítulo 4 de Village Housing in the Tropics.

 

 

Nos capítulos finais do livro, surgem esquemas (Figura 12) mais elaborados, relacionados a estratégias de ventilação e controle climático. Estas ilustrações mostram ferramentas para lidar com condições tropicais, integrando uma perspetiva mais técnica, mas ainda acessível. Esses elementos antecipam soluções que mais tarde seriam materializadas nos projetos de Fry e Drew, estabelecendo uma ligação direta entre o manual e as suas obras construídas. Além de consolidar um conjunto de ideias e experiências, o manual também serviu como um meio para Fry e Drew se elevarem como referências profissionais locais. Ao oferecer um conjunto de soluções pragmáticas, o livro reforçou a confiança de departamentos governamentais e potenciais clientes, ao mesmo tempo que ajudou a moldar o que viria a ser conhecido como “Modernismo Tropical” [26].

Village Housing in the Tropics assinalava uma mudança na forma como se pensava a habitação no contexto colonial britânico. Redigido com uma linguagem clara e uma intenção pedagógica, foi pensado para circular entre administradores, técnicos e populações locais. Um manual teórico em que se sistematizava uma série de experiências práticas que Fry e Drew tinham vindo a desenvolver no terreno, um registo que revela o princípio da sua atuação, depois em grande escala, no continente africano. O tom personalizado e informal conferiu-lhe um carácter inédito e, por isso, pioneiro, “longe da aridez dos boletins do PWD”, como o descrevem Iain Jackson e Jessica Holland (2016: 159). Essas características refletiam a intenção de Fry e Drew de criar um sistema arquitetónico acessível, mas enraizado nas especificidades climáticas e geográficas dos trópicos, ainda que inevitavelmente ligado à máquina do regime britânico.

Apesar do esforço em desenvolver soluções práticas e adaptadas aos materiais locais, o manual parte de uma matriz académica europeia, com pouca articulação com formas de conhecimento ou referenciais arquitetónicos africanos. A intenção pedagógica e o espírito experimental revelam um voluntarismo genuíno, mas que se inscreve na lógica colonial de “ajudar” os territórios dominados. Como mostrou Edward Said (1979: 94-95), o saber europeu sobre os territórios colonizados não é neutro: interpreta e redefine os saberes locais a partir de categorias externas, reforçando o papel do especialista europeu na legitimação das intervenções coloniais e estabelecendo uma posição de autoridade. Esse impulso, também analisado por William Easterly (2006), ajuda a compreender como Village Housing reforça, mesmo sem intenção direta, a autoridade do especialista britânico no contexto da transição do colonialismo para uma era de Desenvolvimento e Bem-Estar.

Além de consolidar um conjunto de ideias e experiências, o manual também serviu como um meio para Fry e Drew se elevarem como referências profissionais locais. Ao oferecer um conjunto de soluções pragmáticas, o livro reforçou a confiança de departamentos governamentais e potenciais clientes, ao mesmo tempo que ajudou a moldar o que viria a ser conhecido como “Modernismo Tropical”. Este conceito, embora longe de ser uniforme ou coerente, começou a ser discutido de forma mais estruturada após uma palestra proferida por Sir Frank Stockdale no RIBA, em 1948. Nesse evento, experiências de diferentes partes do Império foram comparadas, destacando como, mesmo num contexto colonial fragmentado, ideias semelhantes estavam a ser desenvolvidas globalmente.

 

 

 

Obra

Wesley girls school (1947), Mfantsipim school (1953) e Universidade em Ibadan (1948-1960) [27]

As escolas Wesley Girls’ School (1947) e Mfantsipim School (1953), originalmente construídas por missionários, representam as primeiras intervenções de Fry e Drew no contexto escolar africano. Apesar das limitações impostas pelas preexistências, os arquitetos conseguiram implementar soluções experimentais que respondiam às condições climáticas adversas da região. Tirando partido dos grandes planos longitudinais característicos das escolas, Fry e Drew introduziram galerias ao longo dos edifícios, destinadas a promover ventilação cruzada e refrescar os interiores das salas de aula. Estas galerias foram protegidas com brise-soleils, projetados para filtrar a intensa luz solar sem comprometer a ventilação. Essa combinação de estratégias simples e eficazes marcou o início de uma abordagem que seria refinada e amplamente aplicada em projetos futuros.

Ibadan, na Nigéria, foi escolhida como o local para a construção de uma nova universidade, parte de um projeto ambicioso do governo britânico para melhorar as infraestruturas educacionais nos seus territórios coloniais. Esta decisão, motivada pelo relatório Asquith, reconhecia a importância da educação superior na preparação das colónias para a autodeterminação, formando elites locais alinhadas com os valores britânicos que pudessem assumir papéis de liderança na futura governação independente. Além disso, Ibadan, uma “cidade africana” pré-colonial, representava uma escolha estratégica alinhada com as agendas nacionalistas locais e de construção de um novo Estado-nação.

 

“Os historiadores interpretaram este facto como a resposta do Governo Colonial à pressão para a autodeterminação de alguns grupos da África Ocidental na altura: o Governo esperava que, ao fornecer melhores serviços e infraestruturas às massas, pudesse impedir o crescimento dos movimentos independentistas. Isto tinha especial relevância na África Ocidental, onde os membros da Força de Fronteira da África Ocidental tinham assistido a combates no Norte de África e noutros locais como parte da contribuição das forças armadas da Commonwealth para o esforço de guerra.” (Citação de Ola Uduku em “Modernist architecture and ‘the tropical’ in West Africa: The tropical architecture movement in West Africa, 1948–1970 trad. Autor) [28].

A construção da universidade foi um projeto altamente cobiçado, com várias equipas de arquitetura a concorrerem. Perante a relutância da maioria em recrutar pessoal local, a lista reduziu-se a três empresas. Entre os finalistas (Edward Payne of Sir Aston Webb & Son, Hugh Casson e Fry & Drew), Maxwell Fry destacou-se devido à sua vasta experiência em África e à sua disposição em empregar pessoal local.

“O Sr. Payne [29] não era adequado e Casson [30] não tinha qualquer experiência ou organização que justificasse confiar-lhe um projeto tão imenso. Maxwell Fry tinha a grande vantagem de possuir uma vasta experiência local e de ter uma grande organização à sua disposição e parecia estar bastante confiante de que poderia, para além dos seus outros compromissos, levar a cabo o projeto de Ibadan.” (Carta de Walter Adams ao Dr. Trueman, do Conselho Universitário. Tradução do autor a partir de Jackson e Holland (2016) [31].

Fry enviou livros, desenhos e diretrizes sobre arquitetura tropical, defendendo que o projeto poderia ser amplamente supervisionado a partir de Londres e sugerindo a contratação de funcionários africanos para trabalharem no seu escritório, onde seriam expostos à disciplina do ambiente arquitetónico. Kenneth Mellanby (diretor), sem hesitações, decidiu em seu favor.

Figura 13 – Fotografia de Drew e Fry com equipa de Arquitetos, 1950’s (Fonte: Tag Archives: Drew. Disponível em: https://transnationalarchitecture.group/tag/drew/ [Consult. 14/05/2025])

 

 

No entanto, este entusiasmo não se manteve e, desde o princípio, Fry e Drew enfrentaram dificuldades significativas no projeto da Universidade de Ibadan, incluindo mudanças frequentes no programa, falta de dados precisos e comunicação ineficiente com o cliente. Kenneth Mellanby, diretor e principal cliente, expressou fortes críticas aos planos apresentados, considerando-os inadequados para o clima e as condições locais. Mellanby defendia um campus mais compacto e funcional, argumentando que a dispersão dos edifícios aumentaria os custos operacionais e de manutenção, enquanto Fry e Drew insistiam num campus de baixa densidade que promovesse ventilação natural e espaços abertos: “Eles enviaram-nos planos completamente absurdos para edifícios que seriam quentes, abafados e nada práticos”. (Kenneth Mellanby apud JACKSON; HOLLAND, 2016: 185) [32].

A divergência de visões resultou na contratação de arquitetos regionais pelo cliente, como J.E. Evens, ligados ao PWD) que deram prioridade a soluções mais conservadoras alinhadas às práticas coloniais tradicionais. Este passo foi visto como uma tentativa de mitigar os atrasos no projeto e a crescente desconfiança em relação à abordagem da dupla/casal de arquitetos britânicos. A tensão aumentou à medida que o cliente considerava que Fry e Drew ignoravam as recomendações e introduziam métodos experimentais que, segundo Mellanby, “eram impraticáveis para a realidade da mão de obra e dos materiais disponíveis” (op. cit). O conflito atingiu tal ponto que Mellanby chegou a propor o uso de modelos padrão do PWD para substituir partes do projeto, especialmente em habitações para o staff.

Figura 14 – Planta Universidade de Ibadan (Fonte: JACKSON; HOLLAND, 2014: 188).

 

 

Apesar disso, conseguiram implementar elementos fundamentais da sua vontade modernista, e os sistemas que já tinha identificado como fundamentais naquele clima: o uso de ventilação cruzada, brises-soleil e pátios internos nos edifícios residenciais e educacionais. Embora a relação com o cliente fosse frequentemente conturbada o projeto de Fry e Drew para a Universidade de Ibadan é, em África, neste período, o exemplo mais representativo do que andavam a explorar naquele momento, o resultado da pesquisa e a oportunidade de experimentar o que vinham estudando, a materialização de uma abordagem modernista adaptada ao contexto tropical, integrando soluções climáticas e funcionais. Os edifícios principais foram orientados no eixo norte-sul para maximizar a ventilação cruzada e minimizar o ganho térmico, enquanto as fachadas este-oeste eram geralmente cegas para evitar a incidência direta de luz solar. Essa orientação garantiu que as condições ambientais fossem um fator central no projeto. A biblioteca Kenneth Dike, considerada o edifício mais emblemático do campus, destacou-se pela utilização de um sistema de “parede respirável”, que combinava brise-soleils horizontais e verticais. Este sistema inovador permitia a ventilação natural e a entrada de luz difusa, ao mesmo tempo que protegia os livros de tempestades, insetos e calor excessivo. No interior, corredores protegiam as áreas de leitura e os acervos, enquanto janelas com filtros de malha de cobre asseguravam um ambiente controlado.

Figura 15 – Biblioteca Kenneth Dike, na Universidade de Ibadan, Plantas e estutos de inceidência solar (Fonte: GALLI, 2019: 131).

 

 

Os blocos residenciais foram organizados em torno de pátios centrais, criando espaços sociais ao ar livre que equilibravam interação e privacidade. Embora esses pátios tivessem um papel funcional e social, a superlotação estudantil revelou os limites da conceção inicial, dado o crescimento inesperado do número de estudantes. Em termos de materiais, Fry e Drew optaram por soluções estratégicas como betão armado, grelhas de betão pré-fabricadas e blocos vazados, garantindo durabilidade e eficiência. Essas grelhas, além de funcionais, tornaram-se elementos decorativos que marcaram a identidade visual do campus. Entre os edifícios mais emblemáticos estavam o refeitório e a capela, ambos com coberturas tipo concha em betão. Essas estruturas, além de atenderem às necessidades funcionais, adicionavam uma dimensão escultórica à arquitetura do campus. Mesmo após cinquenta anos, esses espaços continuam a ser utilizados, demonstrando a resiliência das soluções arquitetónicas, apesar da mínima manutenção e do uso intenso. O campus como um todo foi concebido como uma “máquina climática”, em que cada edifício respondia às condições tropicais, enquanto promovia a integração social e fomentava um sentido de comunidade entre os estudantes.

O campus final manteve-se como uma referência da arquitetura tropical modernista. A Universidade de Ibadan, projetada por Fry e Drew, exemplifica a aplicação do modernismo tropical em grande escala, aliando ventilação natural, proteção solar e materiais locais a uma estrutura funcional e socialmente adaptada ao contexto africano.

Figura 16 – Ilustração de uma estudante na universidade Ibadan, 1953. (Fonte: The Architectural Review. Disponível em: www.architectural-review.com/essays/tropical-modernism-fry-and-drews-african-experiment [Consult. 14/05/2025])

 

 

Para Fry, o entusiasmo estava no início dos projetos – desenhar. Uma vez concluída essa etapa, ficava satisfeito em deixar que outros gerissem a construção enquanto se podia dedicar a novos projetos. Fry e Drew retornaram ao local de Ibadan várias vezes durante a construção e recebiam relatórios frequentes de progresso do escritório em Londres. – Num raro momento de entusiasmo, Fry declarou a conclusão do campus como “a coroa das nossas carreiras, pelo menos da minha” (Fry’s Memories p. 61 apud JACKSON; HOLLAND, 2016: 193, trad. autor) [33].

A sua abordagem é descrita por Jacopo Galli como um esforço para criar um sistema arquitetónico cosmopolita e modernista, profundamente enraizado nas condições climáticas e geográficas dos trópicos, mas que evitava estereótipos culturais ou reinterpretações vernaculares. Esta perspetiva foi consolidada no manual Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones (1964) [34], que sintetizou décadas de experiência em África, transformando-a num conjunto de regras e ferramentas quantitativas para arquitetos futuros. Este trabalho não apenas sistematizou a prática, mas também posicionou a arquitetura tropical como uma referência de modernidade funcional e sustentável, conciliando ciência aplicada e preocupações humanistas. O impacto de Fry e Drew é particularmente notável pelo modo como traduziram as exigências práticas dos trópicos em soluções inovadoras, que não apenas respondiam aos desafios locais, mas também ofereciam um modelo universal de arquitetura enraizada no rigor científico e na adaptação às especificidades do contexto.

 

 

 

CONCLUSÃO

 

Drew e Fry, após a Segunda Guerra Mundial, mudaram-se para a África Ocidental, onde tiveram a oportunidade de trabalhar em diversos projetos, alguns de escala significativa, incluindo habitações, escolas, universidades e hospitais. Perante o desafio de construir num contexto que lhes era completamente desconhecido, aperceberam-se de que as ferramentas da arquitectura modernista eram inadequadas para os climas quentes e húmidos da região, não se ajustando às realidades locais.

“Depois da guerra, fomos para a África Ocidental, e o que é que levámos connosco? Certamente não foi a tradicional Arquitetura Inglesa. Tínhamos que lidar, não só com pessoas de um contexto diferente como também com o clima. Tens dois grandes problemas para resolver, em primeiro, o sol. Está-se muito próximo do Equador e o sol é feroz e o seguinte é a humidade. E este é muito mais difícil de com que lidar e um grande problema” (citação de Maxwell Fry sobre os desafios climáticos e culturais enfrentados ao trabalhar na África Ocidental, sublinhando a adaptação necessária para a prática arquitetónica na região em V&A – “Inside mid-century Tropical Modernist architecture”, tradução do autor).

A ida de Drew e Fry para a África Ocidental marcou uma viragem fundamental na sua prática arquitetónica. Embora já fossem arquitetos estabelecidos no Reino Unido, o novo território apresentou-lhes desafios inéditos, obrigando-os a reavaliar os princípios com que trabalhavam. Esta deslocação não foi apenas geográfica, mas também intelectual e metodológica: ao confrontarem-se com um contexto radicalmente distinto, reconheceram a necessidade de observar, investigar e aprender antes de intervir. Ao envolver as comunidades locais no processo de planeamento, introduziram um método participativo que não apenas melhorou a aceitação das propostas, mas também influenciou profundamente a forma como passaram a abordar o projeto em regiões tropicais.

“É difícil imaginar um programa arquitetónico mais romântico do que este, que nos levou em longas viagens a locais, alguns deles profundamente enfiados na floresta, outros no topo dos montes que se elevam acima do nível das árvores ou com vista para o oceano. Cada escola ou faculdade era diferente e cada uma representava uma nova aventura, uma experiência que impulsionava o nosso conhecimento e habilidade um passo adiante na nossa colaboração com a natureza. Nunca fui mais feliz em toda a minha vida.” (citação retirada de Maxwell Fry Full Autobiography, RIBA Archive, apud GALLI, 2016: 194, trad. autor). [35]

Este processo materializou-se no livro Village Housing in the Tropics (1947). O que começou como uma necessidade prática rapidamente se transformou em fascínio pelo novo e desconhecido e, daí, em vontade. O livro surge como ferramenta essencial para organizar e registar o que observavam e pensavam, permitindo-lhes compreender antes de propor – Viajar é uma passagem superficial pelos lugares que visitamos, é na permanência, no tempo das rotinas, que se possibilita a verdadeira decifração dos hábitos do quotidiano. Para depois, no privilégio de Arquiteto, a possibilidade de transformar a realidade existente na imaginada. O desenho, nesse contexto, não é apenas uma técnica de representação, mas um gesto de compreensão e criação.
Como reflexo dessa prática, o livro torna-se o testemunho do início de uma verdadeira imersão num novo território e revela, ainda de forma quase ingénua – como são todos os princípios – os seus processos de aprendizagem e transformação disciplinar, antes de se tornarem referências no modernismo tropical. Ao longo das suas carreiras, continuaram a aprofundar e testar as ideias iniciadas nesse primeiro registo. Seja na obra construída, como a Universidade de Ibadan e as escolas na Gold Coast, seja na obra publicada, com a versão final Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones (1964),

Apesar de não serem, habitualmente, celebrados na história do modernismo, a sua contribuição para a arquitetura tropical e para a adaptação do modernismo a novas geografias é inegável. O seu trabalho pode não ter a monumentalidade e até excelência formal de outros referências modernistas [36], mas carrega uma profunda relevância na forma como conciliou funcionalidade, adaptação climática e envolvimento social.

Se há um legado a retirar da experiência de Fry e Drew, é a forma como a arquitetura se constrói não apenas pelo objeto edificado, mas pelo processo de escuta, observação e experimentação que a antecede. Como afirmava Fry, a arquitetura nasce no desenho – e, antes da obra, foi o livro Village housing in the tropics que lhes permitiu desenhar um novo caminho.

Ah, quando um homem escapa ao novelo do arame farpado

Das suas próprias ideias e engenhos mecânicos

Há um mundo maravilhoso e rico de contacto e beleza para que flui,

e uma destemida visão, face a face, da vida finalmente nua

(Terra incógnita de D. H. Lawrence)

 

 

 

Figura 17 – Fry and Drew resting in North Wales” (Fonte: HOLLAND; JACKSON, 2013. Disponível em: Fry Drew Programme1 | PDF | Modernism [Consult. 14/05/2025)

 

 

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Outros recursos

Correspondência de Jane Drew para ‘Dear Daddy’, 19 fevereiro 1943.  Royal Institute of British Architects (RIBA) Archives.

Correspondência de Maxwell Fry para Jane Drew, 1943-1945. Royal Institute of British Architects (RIBA) Archives.

DREW, JanePioneers: Women Architects and Their Work, 1986. [Áudio]. Disponível em: https://soundcloud.com/the-riba/jane-drew-speaks-at-pioneers-women-architects-and-their-work-1986?in=the-riba/sets/riba-collections [Consult. 14/05/2025].

GALLI, Jacopo – Entrevista concedida ao autor via Zoom, 17 de julho de 2024.

JACKSON, IainFrom Croydon to Chandigarh: Jane Drew and the Creation of Tropical Modernism. AA School of Architecture, 28 de abril de 2015. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=AKDAZIlS3G0 [Consult. 14/05/2025].

TRANSNATIONAL ARCHITECTURE GROUP. Disponível em: https://transnationalarchitecture.group [Consult. 14/05/2025].

UDUKU, Ola – Entrevista concedida ao autor via Zoom, 26 de julho de 2024.

V&A VICTORIA AND ALBERT MUSEUM – Inside Mid-century Tropical Modernist Architecture. Londres: V&A, 2024. [Vídeo]. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=vWgNplQZMAg [Consult. 14/05/2025].

Notas

[1] No original: “Tropical architecture, used as a description of modernist architecture in Africa, had its birth in British West Africa, comprising the Gold Coast (Ghana), Nigeria, Sierra Leone, and the Gambia at the end of the Second World War. This was initiated by a group of architects who designed new buildings in West Africa mainly at the behest of the then British Colonial government.”

[2] A exposição Tropical Modernism: Architecture and independence, teve a curadoria de Christopher Turner e esteve patente ao público no museu V&A South Kensington
de 2 de março a 22 de setembro de 2024. Mais informação em: About the Tropical Modernism exhibition · V&A

[3] “British West Africa” referia-se a um agrupamento de colónias britânicas na África Ocidental durante o período colonial, incluindo a Gold Coast (actual Gana), Nigéria, Serra Leoa e Gâmbia. Embora administradas separadamente, estas colónias partilhavam estruturas institucionais e infraestruturas coloniais, funcionando como uma zona de experimentação de políticas de planeamento e arquitetura tropical. Adaptado de Britannica. Disponível em: www.britannica.com [consult. 14/04/2025].

[4] Diretora da escola de Arquitetura de Liverpool, Especialista em Modernismo na África subsaariana (particularmente na “África Ocidental”).

[5] No sentido de “cosa mentale” de Leonardo da Vinci, O desenho, como ferramenta no processo criativo, funcionando como meio de organização mental, materialização de ideias e exploração de possibilidades

[6] No original: “It is almost impossible to name any one man as the leader in modern architecture to-day, but it is perhaps Maxwell Fry who should be given first place by his colleagues. He has been responsible for a number of houses in which rational planning and delicacy of treatment are combined with a precise selection of materials to produce a fine finish.”

[7] No original: “I feel that every woman agrees that household drudgery must be banished after the war and that’s why I’m concentrating on kitchens”.

[8] Programa financiado pelo governo colonial britânico, demonstrando como o investimento em educação e infraestruturas também servia para fomentar o comércio e reforçar a economia do Reino Unido (UDUKU, 2015).

[9] Este processo não foi isento de ambiguidades. Como retratado no filme Blitz, de Steve McQueen (2024), a relação entre a Grã-Bretanha e os territórios coloniais eram frequentemente marcados por tensões sociais e uma rigidez hierárquica que limitava os espaços de liberdade e reconhecimento para “os outros”.

[10] No original: “I also find her work fascinating because of the time period in which it was produced, during a period of immense political change. It’s possible to think about Fry and Drew as unwitting agents of empire, producing buildings that reinforced and disseminated notions of British imperialism, albeit dressed up in seemingly innocent modernist facades. But equally, they worked in the post-colonial period, along that fuzzy edge when colonies were winning their independence, and perhaps there was a cultural or temporal lag that wasn’t immediately resolved — and perhaps still isn’t.”

[11] No original: “The ship docked at Accra in the Gold Coast (later Ghana) and although Fry had wanted to leave the UK, he again found himself ‘desperately unhappy. Jettisoned. Marooned in a tropical backwater” adaptado de Maxwell Fry, Full Autobiography, 1985, apud GALLI, 2016:  54.

[12] Henry Spencer Moore (Castleford, Yorkshire, 1898Perry Green, Hertfordshire, 1986) foi um artista britânico que desenvolveu uma obra tridimensional predominantemente figurativa, com breves incursões pela abstração. Adaptado de Britannica. Disponível em: www.britannica.com [consult. 14/04/2025].

[13] Peter Gregory (1887-1959), “Diretor e, posteriormente, Presidente da Lund Humphries, esteve no centro do mundo da arte vanguardista britânica durante quase trinta anos de grandes mudanças na sociedade, política e cultura. Um editor de arte pioneiro, responsável por publicar monografias acadêmicas e ricamente ilustradas sobre artistas vivos, Gregory foi também um patrono e colecionador perspicaz, fundador de novas organizações artísticas e um apoiador leal de jovens artistas.” Traduzido pelo autor de sinopse do livro ““Peter Gregory Publisher and Patron of Modern British Artists” de Valerie Holman Publication Data de edição: 1/10/2024.

[14] Elizabeth Denby (1894 – 3 November 1965), inglesa, consultora e especialista em habitação social

[15] Kenneth McKenzie Clark, The Lord Clark foi um escritor e diretor de museu do Reino Unido, e um dos mais conhecidos historiadores de arte de sua geração, Adaptado de Britannica. Disponível em: www.britannica.com [consult. 14/04/2025].

[16] “You seem so engaged with the RIBA and London, while I find myself marooned here. I envy the conversations and opportunities you have there, which are far removed from the isolation I feel in Accra.” In Correspondência de Maxwell Fry para Jane Drew, 1943-1945. Royal Institute of British Architects (RIBA) Archives.

[17] A Tennessee Valley Authority (TVA) é uma empresa de serviços públicos de energia elétrica de propriedade federal do governo dos Estados Unidos. A área de serviço da TVA cobre todo o Tennessee, partes do Alabama, Mississippi e Kentucky, e pequenas áreas da Geórgia, Carolina do Norte e Virgínia. Adaptado de Britannica. Disponível em: www.britannica.com [consult. 14/04/2025].

[18] Maxwell Fry numa carta para Jane Drew, em 1943, descreve Bathurst: “Que encantadora que é. Paredes brancas a cercar jardins, ruas cobertas de relva, homens vestidos de branco e mulheres Jollof deslumbrantemente trajadas, todos a mover-se como se estivessem num sonho. E uma estrada à beira da água ladeada por antigos edifícios de pedra pintados em cores vivas com fachadas arcadas de um lado e, do outro, todo o tipo de encantadoras desordens na margem” (trad. autor). No original: “…how charming it is. White walls enclosing gardens, wide grass grown streets, white robed men and gorgeously dressed Jollof women, all moving as if were in a dream. And a waterside road lined with colour washed old stone buildings with arcaded fronts on the one side and all sorts of delightful foreshore messes on the other” in Correspondência de Maxwell Fry para Jane Drew, em 17 de Agosto (ano desconhecido). Royal Institute of British Architects (RIBA) Archives.

[19] No original: “there was none. Not in our own colonial buildings which were without character or the sort of response to natural conditions that we were seeking; nor in African building which taught us the value of shade but was of a passing order the beauty of which we could admire as it fell and decayed …”.

[20] Alfred Edward Savige (“Bunny”) Alcock trabalhou como Engenheiro Municipal em Kumasi entre 1936 e 1945 e, posteriormente, como Consultor de Planeamento Urbano da Costa do Ouro de 1945 a 1956. Durante o período em Kumasi, Alcock foi pioneiro no desenvolvimento de aldeias de autoconstrução. Ele implementou linhas de produção em pequena escala, onde os habitantes podiam fabricar blocos de “swishcrete”, estruturas de telhado pré-fabricadas e diversos dispositivos de saneamento, como latrinas e lavandarias comunitárias. Adaptado de https://transnationalarchitecture.group/tag/building-guide/ [consult. 14/04/2025].

[21] Tradução do autor de “laterite block production and roof truss jigs”.

[22] No original: “I was simply unprepared for the mud villages. The shocking state of disrepair and the eroded village streets overwhelmed me. I had no romantic notion of a ‘noble savage’; instead, I saw poor slum dwellers living in conditions worse than I had ever imagined”.

[23] No original: “‘Have you visited the Kitchen Exhibition? at Dorland Hall Regent Street. I hear the Queen visited it. I shall put on my headed notepaper as patronised by her majesty. I’m both glad and sorry to have missed the fun of the opening. I shall be very glad to go to the Gambia soon. I begin to get a kind of wanderlust after a little while. It is an appetite that grows with whetting. We are doing a village planning book. … I like the feel of a book going on. It is curious but in some ways a book feels more permanent than a building. We are doing some houses here too.” Em correspondência entre Jane Drew e ‘Dear Daddy’, 19.02.1943.

[24] No original: “Although little more than a pamphlet, this slender volume was a seminal piece of work, perhaps the first to be written by architects for a wider audience, rather than a technically focused bulletin based on scientific research. The results are wholeheartedly empirical, and it has a charming ‘suck it and see’, pioneer tinkering approach, full of ‘low-tech’, but always practical solutions.”

[25] No original: “Village Housing in the Tropics (Fry & Drew, 1947) which gives a charmingly dated account of both a Westerner’s view of the architecture, and social anthropology of life amongst the ‘natives’ in the tropics.5 It also can be read as an early development of their ideas in environmental design that they applied to their architectural design in the tropics”.

[26] Este conceito, embora longe de ser uniforme ou coerente, começou a ser discutido de forma mais estruturada após uma palestra proferida por Sir Frank Stockdale no RIBA, em 1948. Nesse evento, experiências de diferentes partes do Império foram comparadas, destacando como, mesmo num contexto colonial fragmentado, ideias semelhantes estavam a ser desenvolvidas globalmente.

[27] Imagens destas obras estão disponíveis para consulta online no arquivo RIBA, disponível em: https://www.ribapix.com/ [consult. 14/04/2025].

[28] No original: “This has also been interpreted by historians to be the Colonial Government’s response to the push for self-determination by some groups in West Africa at the time: the Government hoped that by providing better services and infrastructure to the masses it might ward off the growth of the independence movements. This had special relevance in West Africa, where members of the West African Frontier Force had seen combat in North Africa and elsewhere as part of the Commonwealth armed forces contribution to the War effort”.

[29] Edward Payne of Sir Aston Webb & Son.

[30] Hugh Casson.

[31] No original: “Mr. Payne was unsuitable and that Casson had not anything like the experience or organization to justify the entrusting to him of such an immense project. Maxwell Fry had the great advantage of wide local experience and he has a very big organization at his disposal and seemed quite confident that he could in addition to his other commitments undertake the Ibadan project”.

[32] No original: “They [the architects] have just sent us some perfectly absurd plans for buildings, which would be dark, hot stuffy, and not water-tight, and also it is very difficult for us to get them to realise the implications of the difficult things they do, when it comes to planning for African labour and material” citação de Kenneth Mellanby em The Architecture of Edwin Maxwell Fry and Jane Drew de Iain Jackson e Jessica Holland, 2016.

[33] No original: “In a rare upbeat moment Fry decreed the completion of the campus as ‘the crown of our careers, of mine at least”.

[34] O manual Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones (1964), é a versão final em livro da experiência acumulada por Fry e Drew nos trópicos. Tudo começou com o manual Village Housing in the Tropics (1947) que representa o primeiro registo significactivo dessa trajetória. Concebido como um guia de bolso destinado a militares e técnicos nas colónias, apresentava instruções práticas e directas, caracteristicamente britânicas, para lidar com os desafios locais: “Não façam isto, façam aquilo”. Segundo Jacopo Galli, este ângulo reflecte um método claro e adaptado a pessoas sem formação especializada, mas que se viam encarregadas de tarefas ligadas à arquitectura e ao planeamento urbano. O manual, era de espírito militar e para um público de não arquitectos, procurava simplificar problemas complexos e traduzi-los em soluções práticas. Este formato não surgiu do nada: a tradição de produzir manuais técnicos para lidar com questões sanitárias e infraestruturais em contextos tropicais pode ser traçada até o início do século XIX. Inicialmente desenvolvidos por especialistas em saúde pública, engenheiros militares e membros do Corps of Royal Engineers, esses guias evoluíram para incluir contribuições de arquitectos como Fry e Drew. Village Housing in the Tropics, embora modesto em escopo, representou uma transição para um novo nível de especialização arquitecctónica.
Embora de formato e escopo modestos, Village Housing in the Tropics funcionou como um laboratório conceptual, cujas ideias foram gradualmente ampliadas e refinadas ao longo das décadas. Este percurso culminaria no manual de 1964, que consolidou as práticas tropicais num conjunto abrangente de regras e ferramentas para arquitectos. Enquanto Tropical Architecture in the Dry and Humid Zones se destaca como o resultado final de um processo amadurecido, o pioneirismo do manual de 1947 deve ser compreendido como o embrião que lançou as bases desta abordagem inovadora.

[35] No original: “it is hard to imagine a more romantic architectural program that this that took us in long journeys to sites, some of them deep in the forest, other atop ridges rising atop the tree level or looking at the ocean. Each school or college was different and each was a new venture an experiment pushing our knowledge and skill a stage further in our collaboration with nature. I was never more happy in my entire life.”

[37] Na entrevista realizada a Jacopo Galli no dia 17 de julho de 2024, num tom coloquial, justifica o eventual papel secundário que a história reservou sobre o seu trabalho: “Não creio que sejam edifícios incrivelmente belos. São bons edifícios, boa arquitetura, mas não são Alvar Aalto, não são Álvaro Siza.”