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Ricardo Aboim Inglez

r@aboiminglez.pt

Arquiteto, Doutorando no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal.

 

Para citação:

INGLEZ, Ricardo Aboim – Quando os arquitetos começaram a deixar de usar gravata. Em direção à informalidade. A casa Lino Gaspar, Caxias (1953-1955). Estudo Prévio 23. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, 2023, p. 16-57. ISSN: 2182-4339 [Available at: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/23.3

Artigo recebido a 21 de julho de 2023 e aceite para publicação a 18 de setembro de 2023.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Quando os arquitetos deixaram de usar gravata. Em direção à informalidade. A casa Lino Gaspar, Caxias, Portugal (1953-1955)

 

Resumo

A Casa Lino Gaspar em Caxias, do arquiteto João Andresen, promove num primeiro momento, um afastamento aos dogmas conceptuais defendidos pelo movimento moderno, para, num segundo momento, vir a contribuir para a afirmação da sua linguagem formal no panorama da habitação unifamiliar em Portugal.

Desenvolvida e construída num período em que Portugal renegava em parte a modernidade sentida e experienciada na Europa e EUA, a Casa Lino Gaspar representa o raro encontro entre duas partes, clientes e arquiteto, os quais se envolvem num intenso e participado processo de projeto, revelador de uma cuidada reflexão sobre os temas que à data marcavam o debate disciplinar, culminando na construção de uma obra inaugural do ponto de vista da introdução da informalidade num programa residencial de matriz burguesa nos anos 50 do século XX em Portugal.

Recorrendo à análise de fontes primárias, neste caso desenhos originais pertencentes ao arquivo da família Lino Gaspar, alguns deles nunca antes publicados, bem como aos diversos elementos submetidos à Câmara Municipal de Oeiras para licenciamento e ao depoimento de familiares, iremos revelar um olhar sobre o desenrolar do processo, analisando hesitações, dúvidas e [in]certezas que levaram à formalização, por parte de Andresen junto dos seus clientes, de diversas soluções, numa incessante busca pela excelência e significado, que marcam o processo desta obra a todos os níveis exemplar.

 

Palavras-chave: Casa Lino Gaspar, João Andresen, Habitação Unifamiliar, Informalidade, Processo, Portugal.

 

1. Introdução

O projeto da Casa Lino Gaspar, Caxias (1953-1955), do arquiteto João Andresen (1920-1967), foi originalmente publicada dois anos após a sua conclusão na renovada [1] revista Arquitectura [2] em outubro de 1957, juntamente com as fotografias de Horácio Novais [1910-1988] da obra concluída. A sua publicação acontece num número inaugural de um novo rumo da revista, através de uma nova equipa diretora e editorial, a qual manifesta “que uma renovação na arte moderna portuguesa assentará numa renovação da própria vida e cultura portuguesas, na imprescindível convivência internacional, na consciência activa de um moderno humanismo” (Arquitectura, 1957: 4).

Foram precisos (quase) 40 anos para se voltar a falar da Casa Lino Gaspar. Os Verdes Anos conhecem uma primeira versão em 1994 (TOSTÕES, 1994), mas será apenas em 1997 (TOSTÕES, 1997) que virá a surgir, em livro, através de uma edição da Faculdade de Arquitetura da Universidade do Porto (FAUP). Mais tarde irá ser capa do livro Arquitectura Moderna Portuguesa, 1920-1970, (TOSTÕES, 2004) num claro reconhecimento das qualidades intrínsecas e excecionais desta obra, a qual foi esquecida pelos diversos autores que escreveram sobre as referências da arquitetura portuguesa do século XX.

Estudaremos o projeto à luz dos elementos submetidos por Andresen à Câmara Municipal de Oeiras e aos clientes, numa análise de formalização de intenções e não de desenvolvimento interno de processo, socorrendo-nos também do depoimento de um dos filhos do casal e de um dos seus netos, os quais gentilmente partilharam as informações que possuem, bem como abriram as portas da Casa Lino Gaspar, numa atitude, que em tudo, perpetua a própria postura do casal Lino Gaspar.

Estabeleceremos pontes e comparações com projetos análogos, sempre que se justifique, demonstrando a sua originalidade e intensidade, num processo repleto de significado.

Figura 1 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Col. Estúdio Horácio Novais | FCG – Biblioteca de Arte e Arquivos).

 

2. Este é o tempo… [3]

Maria Eduarda Medeiros Lino Gaspar (1923-2022) era licenciada em Línguas, sendo mais tarde Professora Catedrática de Linguística Inglesa. Carlos Lino Gaspar (1925-2021) era licenciado em Engenharia Eletrotécnica, tendo tido uma carreia ligada ao ramo das energias (eletricidade). Em 1948 e após Carlos ter terminado a sua licenciatura no Instituto Superior Técnico da Universidade de Lisboa, rumaram a Paris, onde residiram de 1949 a 1950. Regressados a Portugal, instalaram-se em Lisboa e iniciaram a busca por um terreno onde pudessem vir a construir a sua casa. A escolha terminaria num lote no Alto do Lagoal em Caxias, concelho de Oeiras, com uma magnífica vista sobre a boca do rio Tejo e o Atlântico. A opção não deixa de ser reveladora, uma vez que, à época, a burguesia lisboeta, conservadora por natureza, escolhia o Restelo[4] para aí se instalar, o que demonstra já uma original e afirmativa escolha.

Pedro Lino Gaspar (1956- ), terceiro filho do casal, informa-nos[5] que os seus pais contactaram primeiramente o arquiteto Keil do Amaral (1910-1975) para a elaboração do projeto, mas este, encontrando-se numa fase de crescente encomenda, recusa. Informa-nos também que por via da sua mãe estar ligada à literatura, os seus pais eram amigos de Sophia (de Mello Breyner Andresen – 1919-2004), a qual sugere o seu irmão João (Andresen), recentemente formado em Arquitetura pela Escola Superior de Belas Artes do Porto (1948), para a elaboração do projeto.

Sendo os três da mesma geração é natural que tenham desenvolvido uma relação de amizade entre si e mais uma vez Pedro informa-nos que os seus pais sempre se referiram a Andresen como o João, vincando assim a proximidade que se desenvolveu entre todos.

Segundo Rui Jorge Garcia Ramos, Sérgio Dias da Silva (RAMOS; SILVA, 2012) e Miguel Moreira Pinto (PINTO, 2020) Andresen terá proposto aos seus clientes a leitura das seguintes obras: The Culture of Cities (1938), de Lewis Mumford (1895-1990), Space, Time & Architecture: the growth of a new tradition (1941), de Siegfried Giedion e Built in USA: Post War Achitecture (1952), editado por Henry-Russel Hitchcock (1903-1987) e Arthur Drexler (1925-1987). A esta distância, somos levados a crer que Andresen, desconhecendo a natureza dos seus clientes e talvez por via de uma ou outra relação profissional menos conseguida, terá tentado os formar e testar. Não só estava sedeado no Porto, o que o impossibilitaria de criar uma relação de maior proximidade e controlo sobre a obra, como também lhe permitia testar a flexibilidade e abertura dos seus clientes, introduzindo-os aos modelos e temas que norteavam a disciplina.

As indicações de leitura sugeridas são também relevantes do ponto de vista do seu posicionamento profissional, manifestando que, para si, a arquitetura não é um ato epidérmico, mas sim um exercício intelectual, alicerçado em conhecimento e pensamento, demonstrando que se encontra bastante bem documentado sobre os temas disciplinares da sua época, isto apesar da situação relativamente isolada que Portugal vivia nos anos 50 do século XX.

Por outro lado, não deixam de ser sugestões arriscadas de leitura para quem, como os clientes, se encontram afastados das discussões disciplinares e apenas pretendem construir uma casa. O casal Lino Gaspar provaria estar à altura do desafio lançado.

 

3. O pós-modernismo entrou de chinelos [6] 

Os anos 50 do século XX são marcados pela reconstrução pós II Guerra Mundial da Europa, bem como pela crescente ascendência e influência dos Estados Unidos da América (EUA) no mundo ocidental.

A reconstrução económica, social e edificada da Europa, bem como a sua industrialização serão em grande parte financiadas pelo ERP – European Recovery Plan (designação oficial do Plano Marshall), o qual foi aprovado pelo congresso norte-americano em 1948.

Apesar dos EUA terem formalmente entrado na II Guerra Mundial apenas em 1941, a verdade é que a guerra não tinha lugar no seu território, permitindo-se não só acolher milhares de exilados, como também se desenvolver económica e industrialmente. As suas diversas instituições de ensino e investigação acolheram inúmeros cientistas, académicos e profissionais europeus. Os arquitetos não foram exceção – Walter Gropius (1883-1969), Marcel Breuer (1842-1925), Mies van der Rohe (1886-1969), apenas para nomear alguns.

A reconstrução da Europa vai possibilitar aos arquitetos europeus, materializarem os postulados do Movimento Moderno, que vinham a testar e discutir formalmente desde 1928, ano em que se realiza o I CIAM[7]. A Carta de Atenas, formulada em 1933 no âmbito do IV CIAM[8] e confiada a Le Corbusier (1887-1965) apenas será divulgada dez anos mais tarde, quando finalmente o próprio a publica em 1943. Irá ter uma enorme influência nos princípios orientadores da reconstrução da Europa. A Unidade de Habitação de Marselha[9], expressão máxima no âmbito da nova visão sobre habitação coletiva é projetada por Le Corbusier em 1947 e finalizada em 1952, confirmando o seu autor como mestre e mentor incontestado do Movimento Moderno.

Figura 2 – Bilhete-postal figurando a Unidade de Habitação de Marselha, de Le Corbusier, enviado por Andresen à família Lino Gaspar em 1953 (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Fruto da conjuntura económica e social que se vivia na América no período pós-guerra, bem como da imigração de diversos arquitetos já aqui indicados, a arquitetura nos EUA vive um período relativamente feliz e prolífero. Marcel Breuer, sempre muito ligado ao seu mentor Walter Gropius, muda-se para os EUA em 1937 e começa, nesse mesmo ano, a lecionar em Harvard a convite de Gropius, com quem irá projetar diversas obras até 1941. Breuer, que projeta maioritariamente para a costa Este dos EUA, irá ocupar-se durante um largo período sobre o habitar, nomeadamente ao nível da habitação unifamiliar, tendo vindo a desenvolver soluções espaciais que marcaram este período, como seja a Casa New Canaan (1947-1948), habitação própria de Breuer, a qual se desenvolve longitudinalmente ao longo de um único volume. Em sentido oposto e com uma afirmação mais moderna, a Casa Geller I (1944-1946), com a sua disposição em “H”, inaugura a tipologia binuclear, separando claramente através da entrada os espaços privados (dormir) e os espaços sociais (estar e serviços). Lamentavelmente, foi demolida em 2022, apesar dos esforços da Docomomo US para a sua salvaguarda (WAYTKUS, 2022).

Enquanto Breuer investiga ativamente a habitação unifamiliar, Mies van der Rohe vê na encomenda da Dr.ª Edith Farnsworth[10] (1903-1977) a oportunidade de cristalizar a sua visão sobre a arquitetura, tendo vindo a ser-lhe concedida total liberdade para o efeito. Edith Farnsworth sugere a “Mies que projetasse a casa como se fosse para ele, bem como que a usasse quando ela lá não estivesse”[11]. “Mies impõe um programa simples: uma casa de fim de semana para um único ocupante, que de vez em quando poderá ter companhia”[12]. O resultado é a extraordinária e inabitável Casa Farnsworth (1945-1951), um dos ícones e obra-prima do Movimento Moderno.

Patrocinado pela revista Arts & Architecture e pelo seu visionário editor John Entenza (1905-1984), é lançado em 1945 o Case Study House Program (ENTENZA, s.d.) o qual terá lugar principalmente na costa Oeste dos EUA e maioritariamente em Los Angeles. O programa irá ser um sucesso e dá início a uma reflexão disciplinar sobre a habitação unifamiliar, num momento em que a Europa lidava maioritariamente com questões de habitação coletiva e os EUA preparavam o regresso de milhares de soldados ao seu território. É importante também refletir sobre a importância de o programa ter sido lançado por uma revista da especialidade, o que forçosamente irá contribuir para a sua difusão nos EUA e mais tarde na Europa, alertando os profissionais mais atentos para a importância do registo fotográfico das suas obras.

Por esta altura o continente americano demonstra estar numa fase bastante positiva em relação à Arquitetura. O Brasil experiencia uma fase de enorme dinamismo e transformação, fruto da visão de Vargas[13], que assume a presidência do país após o golpe de estado de 1930. Vargas reclama desde cedo a necessidade de modernizar o país e para o efeito percebe que a arquitetura revela a imagem que se transmite à nação, pelo que Lúcio Costa (1902-1998) será indicado para assumir a direção da Escola Nacional de Belas Artes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, cargo que deteve apenas por um ano, tendo, no entanto, exercido enorme influência sobres os seus alunos, entre os quais se encontrava Oscar Niemeyer (1907-2012).

Niemeyer destacar-se-á como um dos mais prolíferos e brilhantes arquitetos da sua geração, quer no Brasil quer no panorama mundial, tendo sido autor de numerosas obras emblemáticas do movimento moderno. Refira-se a título de exemplo e apenas no decorrer das décadas de 40 e 50 do século XX as seguintes obras: Cassino da Pampulha (1942 – atual Museu de Arte da Pampulha), Edifício Sede da ONU (1948-1952 – em conjunto com Le Corbusier), Edifício Copan (1951), Casa das Canoas (1951-1953) e Marquise do Ibirapuera (1952-1954).

A par de Niemeyer, outro profissional irá destacar-se, o pintor e paisagista Roberto Burle Marx (1909-1994), o qual irá ajudar a definir no Brasil a integração da paisagem no edificado moderno.[14]

Em Portugal a década de 1950 irá ficar marcada pela modernização e industrialização (TOSTÕES, 2015: 285), iniciando-se paralelamente em Lisboa um ciclo de expansão da cidade, fruto do trabalho inaugurado por Duarte Pacheco (1899-1943) na década anterior, quer como Ministro[15], quer enquanto Presidente da Câmara Municipal de Lisboa.[16]

O período pós-guerra irá revelar inicialmente uma frágil condição financeira do Estado Português, levando-o a aderir ao ERP em 1950 (ROLLO, 2005). Inicia-se por esta altura um período de forte aposta na industrialização, nomeadamente ao nível dos recursos energéticos, com a construção de diversas barragens, encontrando em Ferreira Dias[17] o seu maior mentor. O Plano de Fomento (FERRAZ, 2022) irá conduzir Portugal à sua industrialização e ao início do segundo ciclo de betão armado (TOSTÕES, 2015: 283).

A habitação coletiva irá ser palco de experimentação programática e construtiva, trazendo para a discussão disciplinar a Carta de Atenas e os postulados do Movimento Moderno, como por exemplo no Conjunto Habitacional da Célula 8 do Bairro de Alvalade, vulgo Bairro das Estacas (1945-1954), dos arquitetos Ruy Jervis d’Athouguia (1917-2006) e Sebastião Formosinho Sanches (1922-2004). Também ao nível dos equipamentos tal experimentação irá acontecer, como é visível no Centro Comercial do Restelo (1949-1956) de Raúl Chorão Ramalho (1914-2002).

Do ponto de vista disciplinar em Portugal, há a evidenciar a realização do 1º Congresso de Arquitetura Portuguesa em 1948, momento marcante para a arquitetura portuguesa, destacando-se Francisco Keil do Amaral (1910-1975), que irá publicar em 1945 o livro O Problema da Habitação e em 1947, o texto Uma Iniciativa Necessária (AMARAL, 1947), este último vindo a estar na base da realização do Inquérito à Arquitetura Regional Portuguesa.[18]

Os anos de 1950 representam o início de uma nova época na Arquitetura. Discretamente, a nova geração, composta entre outros por Alvar Aalto (1898-1976) e Louis Kahn (1901-1974) contribuirá para o fim do paradigma máximo do Movimento Moderno – a incessante procura por um modelo arquitetónico passível de ser infinitamente reproduzido.

O programa Case Study House, concorre para a consciencialização da importância da industrialização e racionalidade da construção, bem como para a fusão entre formal e informal, construído e natural. As novas gerações recusam a estandardização e repetição propostas pelo Movimento Moderno, indo silenciosamente propor uma continuidade disruptiva, inaugurada mais tarde entre nós por Siza Vieira (1933- ) no Restaurante Boa Nova (1958-1963), no qual propõe um novo modo de atuação no território e um convite ao significado e à poética.

 

4. Explicar por A+B [19] 

Andresen é um arquiteto que trabalha para e com os seus clientes, tentando sempre atender aos seus desejos (PINTO, 2020: 49) pelo que não é com surpresa que ouvimos, de Pedro Lino Gaspar, que este projeto tinha sido muito trabalhado. Durante um ano, Andresen deslocava-se a Lisboa semanalmente para reunir com os seus pais, na procura das melhores soluções e respostas para a sua casa.

Andresen irá beneficiar de condições excecionais para a elaboração deste projeto, gozando de liberdade para propor e discutir disciplinarmente as suas opções. O programa definido por Maria Eduarda e Carlos era em tudo similar a uma qualquer casa burguesa da época: “Uma ampla sala comum, três quartos de cama, sendo um para o casal, outro para os dois filhos, e outro para hóspedes, um quarto de brincar para as crianças, instalações sanitárias, cozinha, quarto de criada e respetivas instalações sanitárias, um pequeno recanto enquadrado na cozinha, destinado a tratamento de roupas e vestíbulo de entrada. […] um pequeno Studio, dois quartos de arrecadações, garagem, e central térmica.” (ANDRESEN, 1953: 4). Cristina Guedes (1964- ) lembra-nos que em 1988 entrevistou Sophia de Mello Breyner para um trabalho que efetuou para a disciplina de História da Arquitetura Portuguesa (CAMPOS; COUTO; FURTADO; GUEDES, 1988), lecionada por Manuel Mendes (1949- ), e que esta a informou que o seu irmão João gostava muito de perceber como é que os seus clientes viviam, estudando atentamente os seus hábitos, de modo a poder vir a dar uma melhor resposta programática aos seus desejos.

Andresen apresenta duas versões da sua aproximação ao programa e à casa. A versão A, mais desenvolvida e datada de setembro de 1953, é composta por uma única folha e incluí plantas, um corte transversal, um alçado e três perspetivas exteriores e duas interiores [relação do interior com exterior e zona da sala e lareira]. Inclui também estudos de cor sendo que todos os desenhos estão representados com rigor – régua e esquadro.

A versão B, menos desenvolvida e claramente exploratória, é apenas composta por uma folha, a qual incluí a planta do piso nobre, duas perspetivas exteriores da casa, incluindo estudos de cor. Encontra-se desenhada à mão levantada e está datada de 5 de setembro de 1953.

Figura 3 – Estudo Prévio – Planta 2.º Pavimento | Versão A (extrato) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

4.1 Estudo Prévio – Versão A

A versão A será a que irá inaugurar os temas que o projeto virá a abordar e explorar. Desenvolve-se longitudinalmente no sentido paralelo ao limite sudoeste do lote, fechando-se para o sentido do arruamento a nordeste e para o lote vizinho a noroeste. Apresenta um plano de fachada bipartido, sendo a zona da instalação sanitária e circulação vertical ligeiramente destacada face à zona de serviços e entrada, a qual se faz através de uma ponte/passadiço, que alberga a garagem no piso inferior.

Apresenta já uma geometria reguladora do projeto, embora ainda tímida e passível de subterfúgios, como é o caso do desfasamento da fachada principal. Uma casa aberta para o quadrante Sul, tirando partido da oportunidade rara de pôr em contacto íntimo com o Tejo e o Mar o interior desta moradia” (ANDRESEN, 1953: 3-6).

Encontra-se na solução espacial desenvolvida a conjugação da regra clássica com novos modelos de habitar, nomeadamente os decorrentes das experiências americanas de Breuer, às quais Andresen não será alheio[20] – área privada (quartos) orientados a Sudeste, área de serviços a Noroeste, ao centro, num lugar sobranceiro face à paisagem, orientada para os quadrantes Sudeste-Sudoeste a sala e o terraço. Não sendo uma casa binuclear, os seus princípios orientadores são similares.

À semelhança do programa norte-americano da costa Oeste (Case Study Houses), que inaugura uma nova época na arquitetura, nomeadamente através da fusão entre exterior-interior, também a proposta trabalha esse tema, notando-se uma clara exigência ao nível da solução apresentada em trazer os jardins para o interior, fechando-se totalmente para o mundo exterior imediato (frente de rua), do qual decide não participar, salvaguardando-se assim a intimidade e privacidade da família.[21]

Figura 4 – Estudo Prévio – Fachada Sobre a Rua / Corte AB | Versão A (extrato) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor 2023).

 

Decorrente da topografia acidentada do terreno[22] a casa tenta adaptar-se, vencendo uma cota mais baixa ao nível da rua, nesta fase através de uma ponte/passadiço que irá fazer a ligação do arruamento à entrada principal, onde se chega através de uma clássica loggia, aqui subvertida através da ausência de cobertura sobre a mesma, vindo a pontuar um eixo de simetria classicizante, resolvendo-se assim o ligeiro ressalto que o plano da fachada apresenta.

Programaticamente, o piso parcialmente em cave[23] alberga a garagem, o quarto dos hóspedes, o estúdio de encadernação, o quarto das criadas, como então era referido, e as áreas técnicas. Trata-se de uma organização espacial corrente para o programa solicitado – piso nobre afeto ao núcleo familiar direto e piso inferior afeto aos serviços, hóspedes e instalações de pessoal.

Formalmente é uma proposta que parece querer fazer uma súmula do Movimento Moderno, tomando como seus, os temas atuais na contemporânea discussão disciplinar. Desenvolve-se planimetricamente através de um módulo regulador, janelas horizontais, especialmente na fachada Noroeste, panos de vidro no quadrante Sul, reforçando um sentido de liberdade que se deseja imprimir à proposta, trabalhados, no entanto segundo uma perspetiva local, à semelhança do que acontecia no Brasil, onde se protegia da excessiva insulação a transparência desejada. Andresen informa-nos: “Portanto, uma fachada SO e SE rasgada, dotada a um mesmo tempo de elementos que a possam abrigar dum Sol excessivo e incómodo.” (ANDRESEN, 1953: 3)

Figura 5 – Estudo Prévio – Perspetiva Sobre o Mar | Versão A (extrato) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Simultaneamente, é uma proposta bastante atual. Ao invés de se soltar totalmente do chão, seguindo os postulados do Movimento Moderno, elencados não só na Carta de Atenas, como anteriormente nos 5 Pontos de uma Arquitetura Nova[24], a proposta volta a colocar o edificado em contacto direto com o solo.

Embora se sinta no alçado sobre a rua apresentado, uma certa autonomia entre paredes, laje e cobertura, visível principalmente no volume destacado da área privada, a proposta está ainda longe de autonomizar estes elementos, existindo uma certa unificação entre os mesmos, apenas diferenciada ao nível dos acabamentos propostos bem como na independência dos paramentos verticais (corpo dos serviços), os quais demonstram uma total autonomia estrutural.

A sala e a sua relação com a frente de rio constituíram o grande investimento do projeto e já em fase de estudo prévio, uma perspetiva do seu interior irá ser apresentada, justificando-se assim essa mesma importância e onde se nota que o fogão de sala [lareira] e a parede a Noroeste, que enquadra o piano, são já motivos principais de projeto, merecendo tratamento plástico especial. Se a lareira irá continuar a ser um dos temas de projeto, a parede encarnada do piano deixará de ser cromaticamente destacada, sendo, no entanto, a única de toda a casa que irá ser objeto de sistema de aquecimento, incorporado no interior da mesma, de modo a salvaguardar o objeto estimado.[25]

Conceptualmente, a perspetiva apresentada, remete-nos para o movimento neoplástico De Stijl.[26]

Figura 6 – Estudo Prévio – Perspetiva da Sala Sobre o Mar | Versão A (extrato) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

4.2 Estudo Prévio – Versão B

A versão B continua o esquema organizativo anteriormente apresentado – zona privada a sudeste, área de serviços a noroeste e sala comum a sudoeste. Do ponto de vista volumétrico, tem por principal diferença a eliminação do ressalto anteriormente existente ao nível da fachada noroeste (frente de rua), melhorando substancialmente a racionalização do módulo regulador anteriormente apresentado. Decorrente dessa alteração, a entrada principal deixa de ser efetuada através da anterior loggia, continuando, no entanto, a ser realizada por uma ponte/passadiço.

Figura 7 – Estudo Prévio | Versão B (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

A racionalização do módulo organizativo proposto, irá reduzir a área de serviços, aumentando ligeiramente a sala. A escada exterior de ligação do terraço a Sudoeste ao patamar inferior, surge, desta vez em “caracol”[27]. A lareira sofre uma rotação de 90 graus, passando a estar paralela à fachada tardoz, sendo apenas composta por dois pilares, resultando numa dupla abertura.

Entre o início da edificação proposta e a rua, na frente nordeste, é introduzido um pátio de serviço com forma circular, composto por um muro com dois metros de altura. A solução, parece-nos infeliz, uma vez que o local proposto para a sua implantação é o mais elevado de toda a parcela.

A principal diferença expressa nesta variante apresentada, reside no alçado sobre a frente de rio, onde irá ser experimentada uma nova formalização da fachada, a qual nos transporta para a Casa Ruy Athouguia (1951-1953) em Cascais, a qual Andresen seguramente visitou, uma vez que eram amigos.

No geral, a sensação que temos ao analisar esta proposta é que a mesma é claramente exploratória e pouco maturada, parecendo ser resultado de um entusiasmo momentâneo[28]. Apelidada de Casa Brasileira por Maria Eduarda e Carlos, foi liminarmente rejeitada pelo casal.[29]

 

5. Portugal, hoje – O medo de existir [30] 

O projeto de licenciamento é finalizado a 14 de dezembro de 1953 [31], ou seja, cerca de três meses depois da entrega do estudo prévio, embora o mesmo só venha a ser submetido à Câmara Municipal de Oeiras no dia 14 de janeiro de 1954 [32]. Durante esses três meses, o projeto irá estabilizar e ganhar um rumo definitivo.

Rodrigo Lino Gaspar (1986- ) informa-nos que os seus avós eram “oposicionistas praticamente assumidos ao regime (de Salazar) e que faziam gala em o ser”[33]. O seu pai Pedro confirma-o e, talvez por essa razão, parte das subtis e simultaneamente profundas alterações que o projeto vai sofrer decorram desse facto – a procurada e desejada rutura.

Recuando a Portugal dos anos 50 do século XX é-nos fácil entender que a esmagadora maioria do tecido urbano português tinha uma matriz social conservadora[34]. Pode-se afirmar que Portugal estava longe de abraçar a modernidade e debaixo das amarras do anterior regime, a abertura a valores considerados mais progressistas eram negativamente conotados e severamente reprimidos. Andresen parece sobrevoar sobre esse ambiente, olhando para o Mundo como um desejo e para Portugal como uma inevitabilidade geográfica. Sendo irmão de Sophia, por quem Maria Eduarda e Carlos têm uma enorme estima, e encontrando-se longe do Poder instalado[35], provou ser a escolha acertada para interpretar os desejos dos seus clientes.

Figura 8 – Estudo Prévio – Planta 2.º Pavimento | Versão A (extrato 1) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Uma análise cuidada à versão A do Estudo Prévio permite-nos antever que as hipóteses de projeto iam sendo abordadas ao sabor do lápis e das palavras, numa crescente cumplicidade, capaz de elevar os pressupostos de projeto por um lado e por outro demonstrando uma crescente procura pela informalidade.

A planta da Versão A Estudo Prévio contém diversas anotações, quer a caneta, quer a lápis, todas elas demonstrando a exploração de hipóteses, maioritariamente do ponto de vista programático. A título de exemplo, nomeia-se aqui a incorporação do pátio de serviço circular da versão B do Estudo Prévio, na solução de projeto a desenvolver.

Mas talvez a anotação mais representativa seja o da icónica lareira, que parece começar a tomar forma numa reunião de projeto. É visível a procura de caminhos. Num primeiro momento, a lareira apresentada na versão B é sobreposta à da versão A, para concluir que a mesma deverá ser um elemento formalmente autónomo. Gostaríamos de pensar, que esta representação enérgica a lápis sobre a planta representa o nascimento da Casa Lino Gaspar como a conhecemos hoje, tendo vindo a contribuir para a abertura de um novo caminho formal.

Figura 9 – Estudo Prévio – Planta 2.º Pavimento | Versão A (extrato 2) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

A proposta desenvolvida para licenciamento introduz também alterações ao nível da disposição espacial do programa desejado. Todo o programa à exceção das áreas técnicas e de arrumos, bem como o escritório de Maria Eduarda, passará a estar distribuído ao nível do piso nobre. Quarto de hóspedes[36] e quarto das criadas, passaram do piso inferior para o piso superior, no que se depreende ser um desejo de Maria Eduarda, ao reservar o piso inferior para o silêncio e tranquilidade que necessitaria para o seu pequeno estúdio, permitindo-lhe prosseguir com o seu trabalho.

O quarto de criada irá ser colocado junto à entrada principal da casa, com janela para esta, num gesto que encaramos como um desafio às convenções sociais estabelecidas.

A proposta desenvolvida para licenciamento irá sintetizar o pensamento que Andresen vem a desenvolver e que de alguma maneira tenta transmitir aos clientes, através das sugestões de leitura já anteriormente aludidas. O Arquiteto irá, em parte, absorver as ideias defendidas por Mumford em relação à obra de Frank Lloyd Wright (1867-1959) no que diz respeito à relação do edificado com o terreno, que nas suas casas da pradaria possuem uma relação “baixa, perto do solo” (MUMFORD, 1970: 408), assim como a uma consciencialização do pensamento higienista (MUMFORD, 1970: 421), explorando temas como circulação de ar, insulação e áreas verdes[37]. Torná-lo-á também sensível à relação entre espaços para adultos e para as crianças (SILVA, 2007: 39), presente desde o início nos diversos estudos, assim como no projeto a licenciar. Mas talvez a influência formal mais imediata seja a Casa Farnsworth de Mies van der Rohe, recentemente concluída e parte integrante do catálogo e exposição Built in the USA: Post-War Architecture.

A proposta agora apresentada, desenvolve-se em torno dos seus elementos estruturais primários, compostos por “quatro renques de pilares de secção rectangular” (COELHO, 1954: 12) em betão armado e com dimensões de 0,25×0,425 metros, os quais pontuam todo o traçado, definindo uma malha estrutural de 4,5×4,5 metros. De proposta neoplástica, com os seus planos orientadores e divisores, o presente projeto transforma-se numa proposta dominada por elementos estruturais que regulam e paredes remetidas para um segundo plano de importância.

A métrica alcançada através do módulo estrutural[38] irá permitir o desenvolvimento de uma planta livre, onde a circulação agora proposta, incluindo a vertical, percorre toda a casa no sentido paralelo às fachadas sobre a rua e mar. Esta decisão parece refletir o desejo de transformar esta área numa zona de transição, entre o exterior e o interior, preparando o visitante para a entrada num universo lumíneo, espacialmente amplo, transparente e dificilmente antevisto por quem de fora visualiza a casa, com a sua fachada de rua cega.

Figura 10 – Planta do R/Chão, Processo 26-1954, Req 26-1954, Folha 8 (extrato) (Fonte: Serviço de Arquivo Municipal de Oeiras).

 

A liberdade espacial conquistada terá naturalmente tradução no volume a edificar, onde mais uma vez se sente a profunda influência de Mies, mas também de Wright, conforme já aqui aludimos. Numa época em que a construção corrente em Portugal continua a ser efetuada com recurso a sistema de construção misto – paredes exteriores em alvenaria de pedra, paredes interiores em tijolo maciço e laje em betão armado – é curioso verificar que Andresen irá promover um sistema construtivo moderno, o qual irá refletir preocupações de durabilidade.

“A cobertura e pavimentos, à excepção do da cave, são em lage de betão armado. A notar, que toda a lage da cobertura é independente da estrutura e será formada por 5 lages independentes, às quais serão assegurados os apropriados meios de dilatação, evitando-se as rachadeladas. As lages vão pousar sobre a estrutura.” (ANDRESEN, 1953: 5)

Estas são as palavras que nos deixa sobre as lajes e em particular sobre a cobertura da casa. As lajes “autonomizam-se do resto da construção” (TOSTÕES, 2015: 316), contribuindo para” (TOSTÕES, 2015: 315), promovendo um carater austero-amigável que a casa apresenta ao nível da rua.

Também o Eng. José Maria Simões Coelho dedica um capítulo inteiro da sua Memória Descritiva a descrever e defender a solução preconizada, informando-nos:

“Cada laje é separada das vizinhas por juntas de dilatação cobertas com cobrejuntas de zinco em U. Todas as lajes são inclinadas, variando a pendente, mas não sendo nunca inferior a 1,5%. Como as vigas sobre que se apoiam têm a face superior inclinada, evitam-se enchimentos de betão leve sempre perigosos” (COELHO, 1954: 12).

Preocupações raras, demonstrativas de experiência e de espírito de inovar.

Figura 11 – Pormenores de betão armado – Vigas V8, V10 e V12, Processo 26-1954, Req 26-1954, Folha 59 (Fonte: Serviço de Arquivo Municipal de Oeiras).

 

A configuração da cobertura irá permitir a autonomização dos restantes elementos que compõem a proposta. Os paramentos verticais irão assumir diversas linguagens, “e serão protegidas ainda exteriormente com chapas onduladas de fibro-cimento nalgumas fachadas, chapas estas que serão pintadas de côr a estabelecer.” (ANDRESEN, 1953, 6. Outras assumirão uma linguagem próxima da atitude neoplástica, expondo-se como paramentos de vidro, contribuindo para o reforço da linguagem da cobertura e da leveza procurada.

As vigas periféricas que envolvem toda a cobertura, com 0,60×0,10 metros irão abraçar toda a edificação, selando a natural junta existente entre laje e viga, uma vez que esta apenas delicadamente pousa sobre as vigas, acabando por promover uma forte imagem identitária ao conjunto, especialmente ao nível da fachada sobre o mar onde, em alguns momentos, se irá desmaterializar, deixando as frágeis vigas a flutuar sobre uma massa de ar, formando uma pérgula que convida o céu a participar da casa.

Do ponto de vista da implantação da casa no terreno, as alterações são poucas. A solução anteriormente encontrada apontava já para uma estabilização do seu posicionamento no lote. O pátio de serviço circular da versão B é incorporado na proposta. Naturalmente existe um maior desenvolvimento ao nível dos arranjos exteriores, os quais são trabalhados de modo a valorizarem a proposta e criar alguma intimidade a Nascente-Sudeste, para onde a casa se deseja abrir, de modo a beneficiar da vista sobre Lisboa, garantindo-se a desejada privacidade a Noroeste, orientação para onde a proposta sempre se fechou. Uma piscina é acrescentada a Sudeste e a sua forma remete-nos imediatamente para o Brasil e as curvas projetadas por Niemeyer.

Figura 12 – Alçado SO, Alçado NE, Alçado NO, Alçado SE, Corte AB, Processo 26-1954, Req 26-1954, Folha 9 (Fonte: Serviço Arquivo Municipal de Oeiras).

 

Ficamos também com a sensação de que o desenho de conjunto terá sido um dos últimos a ser finalizado, uma vez que existem diferenças ao nível da estereotomia do pavimento proposto – neste desenho em xadrez e mais próximo da versão edificada, na planta do piso nobre, desfasados, numa solução idêntica ao anterior estudo prévio apresentado (versão A).

Figura 13 – Planta de Conjunto, Muro de Vedação, Planta Topográfica, Processo 26-1954, Req 26-1954, Folha 7 (Fonte: Serviço Arquivo Municipal de Oeiras).

 

A proposta desenvolvida intenta um olhar disciplinarmente abrangente e informado, não se limitando aos temas de debate interno, que os incorpora, mas simultaneamente procurando uma apurada reflexão sobre as atuais direções disciplinares.

Será no seguimento do desenvolvimento deste licenciamento que Andresen irá submeter, no início de 1954, a sua proposta ao concurso da Casa Canadiana do Futuro, a qual se pensa ser a primeira participação registada de um arquiteto português num concurso de arquitetura internacional, demonstrando que não tem medo de existir. [39]

 

6. Convidar os outros para o significado [40] 

O projeto será aprovado a 10 de fevereiro de 1954 [41] e em maio desse mesmo ano a obra já decorre[32], o que nos informa que não só a apreciação camarária foi célere, como também o desenvolvimento do projeto de execução e escolha do empreiteiro. Aos dias de hoje, essa celeridade seria inimaginável.

A gestão diária da obra é confiada ao Eng. José Maria Simões Coelho, permitindo a Andresen, que se encontra longe, concentrar-se na plasticidade, acabamento e significado que pretende desenvolver e alcançar.

A solução espacial anteriormente definida irá ser, na generalidade, mantida, sofrendo adaptações ao longo da obra, decorrentes de “o ter-se verificado, após a entrada na Câmara do respetivo projeto, que o terreno não coincide quer na sua topografia, quer na sua configuração com o indicado na planta de urbanização fornecida” (ANDRESEN 1955: 2) obrigando à reorientação do pátio de serviços e redefinição da escada de acesso da rua à entrada principal.

Figura 14 – Planta de Conjunto, Planta Topográfica, Processo 26-1954, Req 119-1955, Folha 37 (Fonte: Serviço Arquivo Municipal de Oeiras).

 

A solução encontrada para o pátio de serviços[43] é claramente mais harmoniosa com a afirmação de autonomia que a proposta procura, libertando toda a frente edificada, destacando a construção, “que implanta-se, melhor dizendo, suspende-se na zona mais alta do terreno assumindo a topografia” (TOSTÕES, 2015: 316). De salientar que a laje do piso térreo se eleva ligeiramente face ao nível do solo, ensaiando uma levitação que autonomiza o piso superior do inferior, enfatizado pelos muros revestidos a seixo rolado de diversas tonalidades, no que depreendemos ser uma alusão ao carater do vizinho Jardim da Cascata do Paço Real de Caxias[44]. Uma pequena pala circular irá ser colocada sobre os tanques de lavagem, numa atitude que entendemos de respeito por quem o irá utilizar.

O facto da abertura da rua ter coincidido com o início da obra e de a mesma se encontrar a uma cota mais baixa do que o inicialmente previsto, obrigou à reformulação da escada[45], a qual adquire uma forma orgânica que suavemente nos encaminha. Mais uma vez a estratégia adotada parece-nos acertada, conferindo leveza e naturalidade a um elemento que, num primeiro momento, era afirmativo, transformando-se num elemento orgânico que serpenteia a colina, conduzindo-nos delicadamente ao patamar de entrada, onde somos recebidos por uns estáticos degraus em pedra que dão acesso à porta principal.

A piscina previamente proposta será rejeitada por Maria Eduarda, no entanto, os muros de suporte anteriormente projetados para a sua edificação já estariam executados à data da tomada de decisão, surgindo a proposta de os transformar num recanto ajardinado, de cariz intimista e com especial atenção à sua visualização a um nível superior, quer dos quartos, quer da plataforma que configura o grande terraço exterior.

Figura 15 – Estudo para ocupação da antiga piscina proposta (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

As alterações exteriores configuram uma crescente proximidade aos códigos da arquitetura brasileira da década de 50 do século XX, parecendo-nos evidente, nos diversos apontamentos registados ao nível de desenho, uma proximidade a Burle Marx.

Se as alterações exteriores resultam da adaptação do projeto à obra, as transformações interiores parecem resultar de um convite ao significado, no que se presume ter sido um intenso processo de diálogo entre as partes, traduzindo-se num trabalho sobre a possibilidade e de conciliação com a nova ordem alcançada pelo projeto.

O material formalmente submetido foca-se essencialmente na definição do pavimento e carpintarias da casa, revelando caminhos, hesitações e acima de tudo explorações. Se numa primeira análise é fácil perceber que o pavimento irá indubitavelmente marcar a casa, as carpintarias afiguram-se como menos imediatas, mas é nossa opinião que a grande estante que configura o vestíbulo e parte da sala, acabará por se manifestar como um dos grandes gestos de projeto, contribuindo decisivamente para o caráter informal e humanista procurado.

Os primeiros desenhos apresentam a estante com uma configuração similar à que já se encontrava apontada no anterior projeto. Estaria no interior da sala e seria em forma de “L”, sendo parte integrante de duas paredes separadoras, entre vestíbulo/sala e sala de brinquedos/sala, atuando como barreira (sonora) entre os diversos espaços, fazendo uso das únicas paredes disponíveis na antecâmara da sala.

Figura 16 – Estudo para Estante – Vista Nordeste (vestíbulo) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

Figura 17 – Estudo para Estante – Vista sudeste (quarto de brincar) (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

A composição plástica procurada transmite versatilidade, acolhendo livros, objetos, pinturas, aparelho de rádio e gira-discos, defendendo a importância espacial da sala, livre de obstáculos, contribuindo para a sua espacialidade, reafirmando a desejada horizontalidade, na procura de um contínuo diálogo entre interior-exterior. Não será esta, no entanto a sua versão definitiva.

Ciente da importância que o plano horizontal do pavimento assume na proposta, diversos ensaios sobre a sua composição formal e cromática são iniciados. De uma forma sintética, parece-nos existir dois caminhos possíveis para os mesmos: homogeneização ou heterogeneização. O tratamento homogéneo da superfície através de um material liso e de cor constante teria sido o caminho mais seguro, assegurando a sua neutralização e promovendo a vista.

Um pavimento com uma tonalidade, escura ou clara, constante, levantaria questões distintas ao nível da vivência da casa. Por um lado, um pavimento escuro promoveria uma falsa amplitude volumétrica, enfatizando o pé-direito disponível, contrariando a desejada horizontalidade, à semelhança das Casas de Pradaria de Wright. Por outro lado, um pavimento de tonalidade clara favoreceria a sua própria anulação, promovendo o enfoque na envolvente exterior, mas dada a configuração da sala, a qual se encontra bastante exposta ao quadrante Sudoeste, resultaria numa excessiva reflexão solar, tornando o espaço desconfortável.

Figura 18 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

Conforme já anteriormente citado, o projeto procura tirar partido do disfruto das “alegrias essenciais”[46], e os novos estudos irão centrar-se na difícil harmonia entre interior-exterior, natural-mineral, cheio-vazio.

Figura 19 – Estudo de Pavimentos 1 (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

O primeiro desafio prende-se em como tornar a varanda exterior num prolongamento natural da sala. Desde a primeira versão apresentada que o projeto aponta para uma solução que aparenta ser mineral, sendo numa versão formalizada com recurso a mosaicos desfasados e noutra com mosaicos em xadrez. As diferentes propostas formalizadas e apresentadas demonstram a persecução de um original caminho de fusão entre interior e exterior.

Figura 20 – Estudo de Pavimentos 2 (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Arriscamos afirmar que a porta para a informalidade foi totalmente aberta num inaugural caminho de experimentação, ensaiando a criação de áreas ajardinadas e de lajedo, irregular, em partes do interior e do exterior, condicionando circuitos e introduzindo um caráter mineral e vegetal ao espaço. O vestíbulo seria composto por um pavimento listrado preto e branco, a estante é removida e passam a existir duas comunicações entre vestíbulo-sala e vestíbulo-sala de refeições. Um espelho de água é também acrescentado ao pátio exterior, que confina com a zona de refeições e a lareira atuaria como elemento rótula no espaço, ocupando um lugar de destaque.

Num único gesto, a proposta alude aos quatro elementos primários: terra, água, ar e fogo, numa composição plástica de cariz abstrata e profundamente moderna.

No que depreendemos ser uma segunda proposta, sente-se que o entusiasmo por uma solução radical é ultrapassado pela necessidade de controlar novamente a espacialidade conseguida, visto que a proposta anterior acabava por não só condicionar a utilização do espaço, como também segmentar demasiadamente a amplitude alcançada.

O vestíbulo regressa à sua configuração inicial e o vão de acesso à sala voltará a colocar-se no lado oposto ao da entrada principal, num gesto que induz movimento. O anterior plano de vidro que nos recebia à entrada da sala, é substituído por um plano opaco, num propositado gesto de ocultação para com o interior, obrigando-nos a contorná-lo para, por fim, chegarmos à sala.

Figura 21 – Estudo de Pavimentos 3 (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Um gesto duplamente bem conseguido, não só pelas razões anteriormente elencadas, mas também por vincar a independência de todos os elementos construídos face à estrutura, uma vez que o referido plano ficar-se-á pelos dois metros de altura, levando a luz sul ao vestíbulo.

Existem, no entanto, duas outras conquistas que começam a tomar forma. A primeira alude à marcação de um elemento diferenciador junto à nova parede separadora do vestíbulo para a sala, marcado por um retângulo pintado de preto. A segunda, aponta a subtil e quase impercetível anulação da parede/estante separadora entre o vestíbulo e antecâmara da sala.

Momento de charneira que irá introduzir uma nova espacialidade, contribuindo novamente para a separação entre planos edificados e estrutura, e introduzindo a possibilidade de redefinição da anterior estante apresentada.

A anulação da parede anteriormente mencionada abre caminho à permeabilidade, e a nova proposta para a estante reflete essa perspetiva, a qual será parcialmente aberta para os dois lados – vestíbulo e antecâmara da sala. Os elementos opacos propostos ganham cor, numa clara influência neoplástica.

Figura 22 – Estudo para estante (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Mas talvez a maior conquista seja a do significado. A permeabilidade alcançada pela nova proposta reflete a abertura de espírito de Maria Eduarda e Carlos, selando o início de uma relação que começou por um convite para a elaboração de um projeto por um lado, e pelo outro por uma busca pelo conhecimento. Intui-se que a norma vigente num Portugal conservador dos anos de 1950, ditaria que o vestíbulo seria um dos espaços imbuído de caráter mais representativo e ornamental da habitação. Maria Eduarda e Carlos demonstram que mais do que posses, será o conhecimento que os definirá, acolhendo todo e qualquer visitante com os seus bens mais preciosos – livros.[47]

A definição formal da estante levará à solução definitiva da composição do pavimento. As anteriores experiências serão abandonadas, mas não esquecidas. Cromaticamente, o pavimento assumirá um padrão em xadrez preto e branco de 0,90×0,90 metros, numa métrica em sintonia com a grelha estrutural. Constitui uma incógnita a razão que levou a ser explorada uma composição cromática em tons de preto e branco, mas arriscamos avançar com duas possibilidades: a procura de uma simplicidade e familiaridade desarmantes, similares às que se encontram patentes nas serenas pinturas de Johannes Vermeer (1632-1675), e uma alusão à calçada portuguesa, libertando do esforço de justificação da escolha e promovendo uma natural ligação entre interior e exterior.

Figura 23 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Curiosamente, e mais uma vez sem encontrarmos qualquer explicação para tal que não seja o desejo de experimentação, o pavimento aplicado não é pedra, como sempre se supôs, mas sim Keravin, um revestimento plástico decorativo e contínuo para pavimentos.

Figura 24 – Publicidade ao revestimento Keravin (Fonte: Arquitectura, 1957: 61. Fotografia do autor, 2023).

 

O fogão de sala (lareira) foi, desde o primeiro momento, alvo de particular atenção. Seria natural e até mesmo expectável, que o projeto o remetesse para uma das paredes disponíveis, cumprindo a sua função de espaço de fogo, retirando-lhe protagonismo[48]. Tal solução, implicaria uma disposição formal da vivência da casa para uma das paredes laterais, inviabilizando o permanente disfrute da vista. Talvez por isso, nos diversos estudos apresentados, ocupou sempre uma posição relativamente central face à sala.

“Assinalando o ponto fulcral e mágico de significado, o sítio do fogo, através de uma lareira anunciada por um escultórico pano de apanhar, concebido na forma pura de um cone colocado centralmente no espaço de estar” (TOSTÕES, 2015: 316) é a resposta dada, expressa nos esquissos que se encontram expostos numa das paredes da casa. A invernosa lareira, com o seu pano de apanhar simulando uma ondulação provocada pelo vento, transforma-se numa fonte de veraneio, numa perfeita comunhão entre terra, água, ar e fogo.

Figura 25 – Estudo do Fogão de Sala (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

A sala começa a assemelhar-se a um espaço exterior coberto, passível de ser encerrado, conferindo abrigo e funcionando como um mirante sobre a paisagem. Num gesto sem precedentes conhecidos, é proposto um banco em pedra para a sala, próximo da lareira e imediatamente à frente do plano separador entre antecâmara e sala.

Figura 26 – Detalhe de Banco da Sala (Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

Figura 27 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

Assente apenas em dois singelos apoios e revestido a pedra Lioz, marca o culminar de um inaugural processo de reflexão sobre novos modos de habitar: público-privado, natural-artificial, abstrato-real, normativo-disruptivo, numa jornada cheia de significado e em direção à informalidade

 

7. A humanização da arquitetura [49] 

O processo da Casa Lino Gaspar irá marcar todos os seus protagonistas. Concluída a obra e antes mesmo da família a habitar, Andresen solícita a sua ocupação por um período de um mês, demonstrando uma necessidade em vivenciar e experienciar a obra concluída. [50]

Do ponto de vista formal, a Casa Lino Gaspar debruça-se num tema caro à arquitetura moderna portuguesa, “na forma como interpreta os modelos exteriores e os adapta à sua realidade” (COSTA, 1995: 27). A inserção da casa no lote revela um grau de autonomia face a um loteamento genérico de um bairro periférico de Lisboa, autocentrando-se na sua plasticidade e tirando partido da sua maior valia que é a vista sobre o estuário do rio Tejo e o Atlântico.

Figura 28 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

Tecnicamente, adapta-se às limitações locais, improvisando onde necessário, como no caso do pavimento radiante que foi totalmente concebido em obra[51] e em outros recorrendo à importação de materiais como modo de dar resposta aos pressupostos de projeto[52].

Andresen ensaia nesta casa uma resposta às diversas e complexas funções inerentes a uma habitação, procurando conciliar diferentes dicotomias, como sejam: estático-fluído, racional-orgânico, liso-texturado, branco-preto, opaco-transparente, mineral-vegetal. Estas dicotomias encontram-se presentes em toda a casa, resultando num todo que se caracteriza pela (in)formalidade.

Figura 29 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Col. Estúdio Horácio Novais | FCG – Biblioteca de Arte e Arquivos).

 

Os seus dois grandes planos horizontais – pavimento e cobertura – definem num primeiro momento a imagem da casa ao nível da rua, para mais tarde, a tardoz e com frente para o rio, se desmaterializarem e darem lugar a finas vigas em betão armado[53], revelando a sua composição e contribuindo para a leveza estrutural alcançada. Entre lajes, “todos os sonhos do mundo”[54]. Planos opacos e planos envidraçados dividem para unirem[55], numa estreita relação entre interior e exterior.

Figura 30 – Casa Lino Gaspar, sem data (Fonte: Col. Estúdio Horácio Novais (1910-1988) / FCG – Biblioteca de Arte e Arquivos).

 

A fina pormenorização e qualidade dos elementos detalhados transparecem uma procura de inovação construtiva. Exemplos dessa procura são os vãos exteriores de correr, com dimensões de vidros ainda não experimentados em programas residenciais, com secção delicada no detalhe do perfil em aço que compõe as molduras dos vãos e as calhas embutidas, demonstrando que a procura pela inovação construtiva não se sobrepõe visualmente aos desejados pressupostos espaciais.

A Casa Lino Gaspar é a obra maior no campo da habitação unifamiliar de Andresen. Demonstra uma original pesquisa pelo significado e pela conquista das “alegrias essenciais”[56], alcançando uma fluidez espacial alicerçada num módulo regulador. A matriz burguesa da casa em nada se assemelha às suas congéneres temporais, autonomizando-se dos cânones de representação vigentes nos anos de 1950.

Mas se é verdade que o casal Lino Gaspar muito contribuiu, através da sua postura, abertura de espírito e vontade de rutura (silenciosa), para a definição programática do projeto, Andresen irá ser decisivo na sua concretização, demonstrando uma vontade em dar resposta aos desejos dos seus clientes, provando que a conciliação das expectativas de ambas as partes é possível de alcançar. O moderno humanismo, expresso por Aalto (1950) e pela renovada revista Arquitectura[57], atinge patamares raros, só possíveis de atingir quando os intervenientes certos se juntam e conjuntamente trabalham em prol da convergência. Se no estudo prévio desenvolvido, Andresen apresenta uma solução espacial de divisão programática mais conservadora, no projeto a licenciar e construir, essa mesma solução sofre alterações que em muito beneficiarão a solução final, como seja a concentração das áreas habitáveis num único piso, quarto das criadas incluído. A liberdade espacial alcançada, ainda hoje sentida na casa, reflete a identidade do casal, o qual nunca se recusou a receber quem batesse à porta e expressasse o desejo de a visitar, num genuíno gosto pela partilha.

Num contexto de isolamento cultural que caracteriza Portugal de 1950 é notável a permanente procura pela contemporaneidade que o projeto ambiciona, ensaiando uma austeridade amigável e introduzindo a informalidade numa sociedade regrada e refém de modos de vida experimentados, tornando a Casa Lino Gaspar numa referência incontornável da arquitetura e encomenda privada do século XX português.

Figura 31 – Casa Lino Gaspar (Horácio Novais [1910-1988], sem data. Fonte: Arquivo Família Lino Gaspar. Fotografia do autor, 2023).

 

A Casa Lino Gaspar foi classificada como Monumento de Interesse Público em 2012[58], num procedimento iniciado em 2005. Cinquenta anos após a sua conclusão, chegou o tempo de confirmar o extraordinário processo que levou à sua edificação. Ocultada dos manuais oficiais que compõem o ortodoxo percurso da contemporânea História da Arquitetura Portuguesa, foi em boa hora resgatada por Ana Tostões no final dos anos de 1990, reconhecendo-lhe qualidades únicas na encomenda privada em Portugal.

Sete anos após a conclusão da Casa Lino Gaspar, em 1962, Andresen apresenta ao Concurso para Professores do grupo de Urbanologia da ESBAP a dissertação Para Uma Cidade Mais Humana, onde veio a obter o 1º lugar. A referida dissertação apresenta a seguinte análise:

“(…) resulta desta obra característica de Mies van der Rohe, uma quintessência da Arquitetura, uma síntese da Habitação, uma tendência para a obra de Arte pura e abstrata, e, finalmente, uma difícil casa se fizermos entrar em jogo a natureza humana com todo o seu complexo de anseios e necessidades. E assim é que o Homem só pode compreender a sua casa se encontrar nela o ambiente seguro e apropriado ao desenvolvimento de todos os atos que são próprios duma intimidade familiar e doméstica, interessando afinal que, mais do que bela, a sua casa seja humana, fomentadora dum ambiente propício à alegria de viver com conforto e segurança” (ANDRESEN, 1962: 69).

Abusivamente, capturamos as palavras de Andresen, numa tentativa de justificarmos a análise proposta.

“Julgo não se poder justificar um partido plástico duma obra com motivos de ordem racional, mas apenas com razões de ordem emotiva, e como essas são geralmente de caracter subjectivo, torna-se-me impossível explicar por a + b que a casa é bonita ou feia.

Pretendo apenas dizer, não que a fiz assim por isto ou por aquilo, mas que a fiz assim, porque assim a senti.

Se há alguma coisa que me agrada neste aspecto, é o facto, raro aliás, do proprietário a ter aceite tal como eu a pensei e senti. É tudo quanto posso alegar em minha defesa.” (ANDRESEN, 1953: 6).

 

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Processos de Obra

Serviço de Arquivo Municipal de Oeiras

Processo 26-1954  Req 26-1954  Folhas 3 a 6

Processo 26-1954  Req 119-1955  Folha 2

 

Acervos

Arquivo Família Lino Gaspar

Col. Estúdio Horácio Novais | FCG – Biblioteca de Arte e Arquivos

 

Depoimentos

Pedro Lino Gaspar; Rodrigo Lino Gaspar, Oeiras, 2023

Notas

1. O número 60 da revista Arquitectura (outubro de 1957) apresenta uma nova equipa diretora e editorial, composta por Carlos S. Duarte, Frederico Sant’Ana, José Daniel Santa-Rita e Nikias Scapinakis.

2. A revista Arquitectura foi uma publicação iniciada em 1927 sendo o seu último número de 1988, num total de 208 números impressos. Conheceu várias equipas diretoras e editoriais, sendo reconhecidas cinco séries. 1ª série, 1927-1939, 2ª série, 1946-1957, 3ª série, 1957-1974, 4ª série, 1979-1984 e 5ª série, 1985-1988, esta última com o nome de Arquitectura Portuguesa.

3. Título de um dos poemas que integra o livro Mar Novo de Sophia de Mello Breyner Andresen. Publicado em 1958, o seu título [Mar Novo] é uma homenagem de Sophia ao seu irmão João pelo facto de o governo de Salazar ter cancelado a encomenda ao projeto vencedor do concurso público para a construção do Monumento ao Infante D. Henrique em Sagres, o qual tinha sido ganho por uma equipa liderada por Andresen com um projeto intitulado Mar Novo.

4. “Acima da Avenida do Restelo, no bairro que tomou esse nome, numa desejada hierarquia habitacional de luxo («O Restelo» do Estado Novo, a par da «Avenida do Aeroporto» – com, em certa medida uma contaminação do Estoril) (…)” (FRANÇA, 2009:  711).

5. Depoimento conjunto de Pedro Lino Gaspar e Rodrigo Lino Gaspar, terceiro filho e neto respetivamente de Maria Eduarda e Carlos.

6. Expressão utilizada por Eduardo Souto de Moura (1952- ), aqui reproduzida para indiciar o questionamento do movimento moderno, que irá ter início em meados dos anos 1950 (MOURA, 2002: p.16-25).

7. CIAM – Abreviação para Congresso Internacional de Arquitetura Moderna. Foi uma organização fundada em 1928 e extinta em 1956 no decorrer do CIAM X. Foi fundado por Le Corbusier, Sigfried Gideon, H. P. Berlage, Ernst May e muitos outros, responsável pela discussão e difusão dos princípios orientadores que definiram e construíram o Movimento Moderno. Sobre os CIAM e Andresen, Miguel Moreira Pinto escreve: “Neste quadro de abertura, que arrasta a arquitetura portuguesa para o centro do debate contemporâneo, rompendo com o isolamento a que estava votada, frequenta o Curso de Verão dos CIAM no Instituto Universitario di Architettura di Venezia”, curso que teve lugar em 1952 e “participa assiduamente desde a sua formação nas reuniões do CIAM/Porto, liderado por Viana de Lima, e será já na qualidade de membro deste novo grupo que, em julho de 1953, assiste ao CIAM 9 e, Aix-en-Provence e à celebração dos seus 25 anos no terraço da Unidade de Habitação de Marselha”. Cumpre corrigir que em julho de1953, Andresen teria 32 anos, celebrando o seu aniversário em dezembro. (PINTO, 2020: 20).

8. A Carta de Atenas é o documento mais relevante produzido pelos CIAM e irá ter uma profunda influência na reconstrução urbana da Europa pós-guerra, A Carta de Atenas irá ser primeiramente publicada em Portugal na revista Arquitectura, Lisboa, 2ª Série, n.os 20 a 27, 1948.

9. Andresen visita a obra em 1953 e envia um postal de Marselha, com fotografia da Unidade de Habitação, ainda em construção, aos seus clientes Maria Eduarda e Carlos Lino Gaspar.

10. Para biografia de Edith Farnsworth ver sítio da internet dedicado à Casa Farnsworht. [Consult. 11/06/2023]. Disponível em: https://edithfarnsworthhouse.org/dr-edith-farnsworth/

11. By the time he really started working on the house, [Farnsworth] said: Mies, design this as if you were designing it for yourself, and I want you to use it when I’m not using it. So he did.” (LAMBERT, 2001: 509).

12. “Instead of a complex program, he imposed a simple one: a weekend house for a single occupant who might at times have an overnight guest.” (LAMBERT, 2001: 342).

13. Getúlio Vargas (1882-1954), Presidente do Brasil entre 1930-1945 e 1951-1954.

14. “As fotografias coloridas apresentadas pelo Professor Wladimir Alves de Sousa, na sua conferência no I.S.T., elucidaram-nos melhor de quanto é valiosa a colaboração com um Arquitecto Paisagista e muito particularmente com BURLE MARX. […] A actual Arquitectura Portuguesa está muito aquém da Arquitectura Contemporânea Brasileira!/Parece, contudo, que terá de deixar de estar em tal posição e para isso trabalharemos com toda a nossa vontade. Vontade, não simplesmente de COPIAR o que os outros fazem, mas, fundamentalmente, de EVOLUIR.” Extrato de carta escrita por Formosinho Sanches para a revista Arquitectura a propósito da Exposição de Arquitetura Contemporânea no Brasil, que decorria à data no IST. (SANCHES, 1949: p.17).

15. Ministro da Instrução Pública (1928), Ministro das Obras Públicas e Comunicações (1932-1936) e Ministro das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (1938-1943).

16. Foi nomeado pelo Governo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 1938, propondo para o exercício do cargo o Engenheiro Eduardo Rodrigues de Carvalho (1891-1970), homem da sua total confiança, mantendo-se em funções até à data da sua prematura morte em 1943.

17. José Ferreira Dias (1900-1966) licenciou-se em Engenharia Eletrotécnica e Mecânica no Instituto Superior Técnico de Lisboa em 1924, tendo aí lecionado. Entre 1948 e 1953, após nomeação por parte da Câmara Municipal de Lisboa, foi Presidente da comissão encarregue de elaborar os planos para o Metropolitano de Lisboa. De 1940 a 1944 foi subsecretário de Estado do Comércio e Indústria, sendo autor da Lei n.º 2002 (eletrificação) e n.º 2005 (Fomento e Reorganização Industrial), Presidente da Ordem dos Engenheiros (1944) e Ministro da Economia entre 1958 e 1962.

18. O Inquérito à Arquitectura Regional Portuguesa, promovido pelo Sindicato Nacional dos Arquitectos (SNA) sob a direção de Inácio Peres Fernandes, Manuel Mendes Tainha, Rui Mendes de Paula e José Rafel Botelho, decorreu entre 1955 e 1960, tendo como resultado o livro Arquitetura Popular em Portugal, o qual veio a desempenhar um papel fundamental na arquitetura portuguesa da década de sessenta até aos dias e hoje.

19. Ver ANDRESEN, 1953.

20. Breuer está representado no livro Built in USA: Post War Architecture que Andresen recomenda aos seus clientes.

21. A fachada NE, que dá sobre a rua de acesso, é quasi fechada, pois apenas nela se vêem uns pequenos e discretos rasgamentos de ventilação da central térmica e arrecadações e a porta da rua.(ANDRESEN, 1953, p: 3).

22. “O aspecto acidentado do terreno, nem sempre se tornou naturalmente adaptável à orientação e concepção da casa. Foi forçoso portanto recorrer a diversos movimentos de terra, criando plataformas nas zonas de estar ao ar livre, ou ainda para evitar grandes desnivelamentos ou que a casa desse em determinadas zonas [a NO por exemplo] a impressão de ficar enterrada. Recorre-se assim a vários muros de suporte de que se procurará tirar partido plástico.” (ANDRESEN, 1953, p: 5).

23. “…constituída por um rez do chão elevado, e uma pequena parte em cave, com o piso parcialmente ao nível do terreno, em virtude da topografia observada.” (ANDRESEN, 1953, p: 3).

24. “Cinq Points de l’Architecture Moderne” é um manifesto publicado em 1926 por Le Corbusier e Pierre Jeanneret. Sucintamente advoga que os edifícios construídos dentro de espírito moderno devem seguir cinco pontos: estarem assentes sobre pilotis, coberturas ajardinadas, planta livre, janela em comprimento e fachada livre.

25. Pedro Lino Gaspar recorda-nos que o piano pertencia à sua avó e que só muito mais tarde incorporou a casa. É de notar a profunda comunhão que parece existir entre os desejos, imediatos e futuros, de Maria Eduarda e Carlos, com a resposta dada, a qual mais uma vez, transmite a estreita ligação estabelecida entre as partes envolvidas.

26. De Stijl, também conhecido como neoplasticismo, foi um movimento de vanguarda artística e arquitetónico fundado na Holanda em 1917, por artistas, arquitetos e designers, entre os quais se encontravam Piet Mondrian (1872-1944), Theo van Doesburg (1883-1931) e Gerrit Rietveld (1888-1964).

27. Anotação de Andresen no desenho apresentado: “Escada de caracol de acesso ao terreno”.

28. Anotação de Andresen no desenho apresentado: “Não dar importância para já à questão de cores e pormenores (fogão de sala, por exemplo).

29. Ver nota 5.

30. Referência ao título do livro de José Gil Portugal, Hoje – O Medo de Existir.

31. Data da Memória Descritiva e Justificativa.

32. Data do carimbo de registo de entrada da Câmara Municipal de Oeiras.

33. Ver nota 5.

34. Ver Constituição Política da República Portuguesa de 1933.

35. Andresen estava sedeado no Porto.

36. Segundo Pedro Lino Gaspar, o quarto de hóspedes foi sempre pensado para o seu avô paterno, uma vez que se deslocava da Figueira da Foz a Lisboa todas as semanas. No verão, era ocupado pela sua avó materna.

37. “Procurou-se desta forma favorecer o disfruto das «alegrias essenciais» – o Sol, o Céu, a Natureza(ANDRESEN, 1953, p: 4).

38. “Por razões várias a construção é essencialmente constituída por uma estrutura de pilares vigas, dispostas segundo um módulo, julgado conveniente em relação às proporções das divisões, 4,50 m.” (ANDRESEN, 1953, p: 5).

39. “Concours Calvert House pour la maison canadienne de demain / International Calvert House Competition for the Canadian home of tomorrow” [Consult. 19/06/2023]. Disponível em https://www.ccc.umontreal.ca/fiche_concours.php?cId=241&lang=fr

40. “Na última página da sua obra Lições de Mestre, George Steiner resume a essência da cultura e da educação liberal numa única frase: «A educação liberal conduz-nos à dignitas da pessoa humana, ao alcance do seu melhor eu.» Esta é a tradição do humanismo europeu em que ele, desde tenra idade, foi educado pelo pai. Na qual ele próprio se tornou professor, quando percebeu que tinha um dom: «Convidar os outros para o significado”. Esta última expressão, “convidar os outros para o significado», é a própria descrição de George Steiner, e a mais profunda que conheço, para aquilo que significa ser Professor de Humanidades.” (RIEMEN, 2005: 15-16).

41. “Julgo de deferir – Trata-se dum projecto de linhas modernas e aspecto exterior bastante funcional.” (Cf. despacho da Câmara Municipal de Oeiras, 10 fevereiro 1954. Processo 26-1954, Req 26-1954, Folha 63, Serviço de Arquivo Municipal de Oeiras).

42. 4 de maio de 1954 é a data da primeira entrada no Boletim de Responsabilidade, dando conta de se ter encontrado terra argilosa na abertura na abertura dos caboucos, levando à alteração das fundações.

43. “Deste modo o secadouro de roupa circular que se lia no anterior projeto, foi deslocado para o tôpo Poente-Norte e ficou com a forma de um S.” (ANDRESEN, 1955, p: 2).

44. O Paço Real de Caxias e o Jardim da Cascata foram classificados como Imóvel de Interesse Público, Decreto n.º 39 175, 1ª série, n.º 77 de 17 abril 1953

45. “Uns degraus em pedra toscamente trabalhada substituirão uma escada que se impunha, com nítida vantagem estética, e mais de acordo com o relevo do terreno do qual se tem procurado tirar partido.” (ANDRESEN, 1955, p: 2).

46. Ver nota n.º 37.

47. “A sala é, desta forma, limitada quase exclusivamente pela paisagem e pelos livros, conforme o desejo do cliente.” (ANDRESEN, 1957: 36).

48. À semelhança do que acontece na contemporânea, mas posterior, Casa Sande e Castro (1954) de Ruy Jervis d’Athouguia (1917-2006).

49. AALTO, Alvar – A Humanização da Arquitetura [1940]. Arquitectura. Lisboa, n.º 35, 1950, p.7-8.

50. Ver nota 5.

51. Pedro Lino Gaspar diz-nos que os seus pais sempre o informaram que há data de construção da casa o sistema radiante de aquecimento de pavimento não se encontrava disponível no mercado português e que por esse facto o mesmo teve de ser executado localmente com recurso à tecnologia existente.

52. Pedro Lino Gaspar informa-nos que, segundo os seus pais, os grandes vidros dos vãos exteriores da sala foram, num primeiro momento, produzidos pela Covina, a qual, ao fim de três tentativas de produção dos mesmos sem sucesso, desistiu, vendo-se forçada a importar os vidros da Bélgica.

53. Segundo Pedro Lino Gaspar, as vigas foram, num primeiro momento, executadas em obra, acabando sempre por caírem, tendo sido tomada a decisão à terceira tentativa de as pré-fabricar

54. “Á parte disso, tenho em mim todos os sonhos do mundo”, excerto do poema Tabacaria, Álvaro de Campos, escrito em 1928 e publicado em 1933 na Revista Presença.

55. “If anything is described by an architectural plan, it is in the nature of human relationships, since the elements whose trace it records – walls, doors, windows and stairs – are employed first to divide and then selectively to re-unite inhabited space.” (EVANS, 1997: 56).

56. Ver nota n.º 37.

57. Ver nota n.º 1.

58. Categoria: MIP – Monumento de Interesse Público / ZEP, Portaria n.º 740-AO /2012, DR, 2.ª série, n.º 248 de 24 dezembro 2012