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Rita Aguiar Rodrigues

ritarodes@gmail.com

Arquiteta e Doutoranda no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal

 

Para citação:

RODRIGUES, Rita Aguiar – Hans Döllgast. Reconstrução, permanência e mudança. Estudo Prévio 24. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, maio 2024, p. 19-47. ISSN: 2182-4339 [Available at: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/24.2

Artigo recebido a 30 de julho de 2023 e aceite para publicação a 30 de setembro de 2023.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/

Hans Döllgast. Reconstrução, permanência e mudança

 

Resumo

Hans Döllgast (1891-1974) é uma figura seminal na arquitetura do século XX, inscrita numa tradição alternativa, e historicamente sensível, do modernismo alemão – no contexto da reconstrução do pós-Segunda Guerra Mundial –, com eco na produção de alguns dos autores mais celebrados da arquitetura contemporânea.

Tendo como obras mais amplamente reconhecidas, e divulgadas, as reconstruções da Alte Pinakothek (1946-57), da abadia de St. Bonifaz (1949-51), e do cemitério de Alter Südfriedhof (1954-55), em Munique, o trabalho de Döllgast foi, inicialmente, recebido com crítica e contestação. As escolhas de preservação, e intervenção, sobre a ruína; de recusa de um código de natureza retórica; e a utilização de uma linguagem arquitetónica de inspiração vernacular; poderão assinalar-se como tendo sido as mais controversas e, simultaneamente, as que de modo mais evidente definem a obra de Döllgast.

Através da revisitação do seu percurso e análise de uma seleção dos seus projectos, o artigo tem como objetivo a identificação dos temas que se afiguram eminentes e transversais na sua obra. Apresenta, como dispositivos para a sua leitura, a articulação da relação com o tempo e com a memória, a liberdade com que opera e concretiza o recurso à abstração, a instrumentalização do carácter transitório de soluções, e a monumentalidade das suas propostas, que concilia com o referencial da elementaridade e funcionalidade das estruturas prosaicas do quotidiano. Propõe-se, deste modo, a definição e contextualização de uma matriz de pensamento, e de produção material, que será fundamental para o reconhecimento e leitura do legado de Döllgast, e a compreensão do carácter profundamente antecipatório e singular da sua prática.

 

Palavras-chave: Arquitetura moderna pós-guerra, Ruína, Continuidade, Reconfiguração, Munique.

 

Introdução

Döllgast completou a sua formação na Technische Universität de Munique antes de ser recrutado para a Primeira Guerra Mundial (STERNBERG, 2022: 264), tendo sido aluno de Friedrich von Thiersch (1852-1921) e Theodor Fischer (1862-1938). Duas figuras que refletem, curiosamente, o zeitgeist deste lugar e período específicos, representando as duas correntes ideológicas e artísticas dominantes na arquitetura da Alemanha do pré-Guerra: por um lado, o historicismo tardio; e por outro lado, o surgimento da arquitetura moderna alemã. Embora tenha manifestado uma evidente admiração pelos edifícios do passado, Döllgast não viria a vincular-se, clara e inequivocamente, com nenhuma das duas.

Entre 1919 e 1922, Döllgast trabalhou para Richard Riemerschmid – figura central do Jugendstil e entre 1922 e 1927 para Peter Behrens, tendo assumido um papel preponderante no seu atelier, por onde haviam já passado Walter Gropius, Mies van der Rohe e Le Corbusier. Esteve envolvido nos projetos da sede da Hoechst AG, em Frankfurt (1920-24) – é da sua autoria um dos mais emblemáticos desenhos do foyer (STERNBERG, 2022: 266) –, do Pavilhão Austríaco para a Exposição Internacional de Artes Decorativas e Industriais Modernas de Paris (1925), da casa New Ways (Figura 1), em Northampton (1925-26), e na contribuição de Behrens para o Weissenhofsiedlung (Figura 2), em Estugarda (1927), à qual viria a referir-se, mais tarde, de forma crítica e com particular desapreço [1].

Figura 1New Ways (1925-26), Peter Behrens, Northampton (Fonte: https://www.78derngate.org.uk/archive/new-ways [Consult. Julho de 2023]).

Figura 2Weissenhofsiedlung (1927), Peter Behrens, Estugarda (Fonte: https://www.weissenhofgalerie.de/galerie/standort [Consult. Julho de 2023]).

Figura 3 – St. Raphael (1930-32), Hans Döllgast, Munique (Fonte: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Kirche_St._Raphael_in_M%C3%BCnchen-Hartmannshofen.jpg [Consult. Julho de 2023]).

Figura 4St. Heinrich (1934-35), Hans Döllgast, Munique (Fonte: https://www.archinform.net/projekte/4750.htm [Consult. Julho de 2023]).

Posteriormente, Döllgast deu início à sua prática independente. Os projetos que desenvolveu ao longo da década de 30 foram, na sua maioria, de igrejas, destacando-se St. Raphael (1930-32) (Figura 3), e St. Heinrich (1934-35) (Figura 4), nas imediações de Munique, onde já se reconhecem formulações identitárias da sua obra: no desenho – na escolha – da forma, e na relação que estabelece – a partir dessa escolha – com a história da arquitectura e da construção. Nos materiais e nas técnicas construtivas que usa. E no modo como apropria, reinterpretanto, determinados elementos de um léxico arquitectónico comum. Em colaboração com Michael Kurz, no mesmo período, viria igualmente a desenvolver diversos concursos e projetos, nos quais se inclui a igreja de St. Joseph, em Augsburg-Oberhausen (1927-30) (Figura 5). Mas os seus projetos mais relevantes viriam a ser os de reconstrução de edifícios em ruína no período do pós-Guerra, como consequência dos bombardeamentos a que a cidade de Munique esteve sujeita.

Figura 5 – St. Joseph (1927-30), Hans Döllgast e Michael Kurz, Augsburg-Oberhausen (Fonte: https://bistum-augsburg.de/Nachrichten/Stadtpfarrkirche-St.-Joseph-in-Augsburg-wird-umgebaut-und-dem-Dioezesanarchiv-Platz-bieten_id_181469 [Consult. Julho de 2023]).

 

A prática de Döllgast assentou sobre um domínio de técnicas gráficas, de diversas escalas e tipologias, da aguarela ao desenho de detalhe construtivo, passando pela tipografia (Figuras 6, 7 e 8). No período em que desempenhou funções como professor da Technische Universität de Munique, entre 1939 e 1956, dedicando-se a disciplinas como Desenho Artístico, Representação Arquitetónica, ou Geometria, Döllgast – e o carácter identitário do seu traço – ter-se-á transformado numa figura reverencial para a instituição, e influente para gerações de arquitetos (NERDINGER, 1998: 109), dos quais poderemos destacar, de modo mais evidente, Josef Wiedemann, autor do projeto de reconstrução da Glyptoteck (1967-72) de Munique.

Figura 6 – Aguarela, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023])

Döllgast não foi “conservador-historicista, nem modernista-progressivo” (STERNBERG, 2022: 270, tradução da autora). Como comprovaremos adiante, é clara a sua reverência pelos edifícios neoclássicos, praticando a defesa daquelas que considerou serem as suas qualidades materiais e funcionais, na empenhada criação de uma lógica de continuidade, rejeitando, porém, qualquer impulso de recomposição histórica.

Figura 7Desenho, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023])

Figura 8 – St. Bonifaz (1949-51), Hans Döllgast, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

 

Paralelamente, o seu ceticismo pelos princípios dogmáticos do Movimento Moderno [2], e a rutura com aquela que poderá ser identificada como a vanguarda do seu tempo, conformam uma consciente e deliberada escolha. Uma posição que não é tomada a partir de um lugar de exclusão ou periferia – da prática e da academia – mas concretizada, portanto, a partir do conhecimento e da experiência, em particular da sua prática no atelier de Behrens.

Tempo / Memória

Entre 1943 e 1945, Munique foi bombardeada 66 vezes (MONEDERO, 2008: 39). Quando a Guerra terminou, a cidade e os seus edifícios mais emblemáticos estavam severamente danificados. A capital Bávara, expoente da arquitetura classicista por ação de arquitectos como Leo von Klenze, Friedrich von Gärtner e Georg Friedrich Ziebland – em particular nos reinados de Luís I e Luís II da Baviera – tinha os seus mais monumentais edifícios, como a Residenz, Alte Pinakothek, Glyptothek, ou Bayerische Staatsbibliothek, parcialmente destruídos (Figura 9).

Figura 9Alte Pinakothek (1826-37), Leo von Klenze, Munique, 1945 (Fonte: Bayerische Staatsgemäldesammlungen, Fotoarchiv, https://www.pinakothek.de/de/alte-pinakothek [Consult. Julho de 2023]).

 

Até aqui, a teoria do restauro arquitetónico havia sido iminentemente desenvolvida a partir das questões decorrentes do desgaste provocado pela passagem do tempo, convocando problemáticas e critérios diferentes daqueles que a destruição, em larga escala e provocada pela violência, impõe. As ortodoxias opostas de Eugène Viollet-le-Duc (1814-79) e de John Ruskin (1819-1900) – o restauro e reconstrução estilísticos, por um lado, e a preservação sem recurso à recomposição, por outro – estruturavam o pensamento e a prática.

O documento normativo então vigente, a Carta de Atenas (redigida em 1931), não contemplava a necessidade de atuação em cenários de destruição, tendo-se convertido, no pós-Guerra, num instrumento obsoleto para a prática do restauro.

No contexto da Alemanha do pós-Guerra, entre o trauma, a negação e a reflexão, e face à necessidade de reconstrução das cidades, o debate foi polarizado.

Num dos extremos, ocupado pela maioria dos políticos, e também por alguns arquitetos mais conservadores, era exigida a recuperação da cidade tal como era antes da guerra, defendendo-se uma reconstrução fiel à configuração e aspeto anteriores. No outro extremo do espectro, maioritariamente ocupado por arquitetos partidários do Movimento Moderno, o discurso era de oposição a qualquer forma de reconstrução, e de apologia da construção de novas e modernas estruturas [3]. Não existiu consenso em torno da criação de critérios para a intervenção sobre o património arquitetónico. No entanto, e embora diametralmente opostas, a reconstrução historicista e a construção de raiz partilhavam uma visão comum: a supressão de qualquer evidência da ocorrência da guerra, ou indício de trauma, desconsiderando a materialização da passagem do tempo e da história.

Uma terceira via, de caráter excecional, alternativa às práticas dominantes e inscrita “num outro Moderno” [4], defendeu o estabelecimento de uma linha de continuidade e a preservação da memória. Seja através da conservação da ruína – assumindo-se, na sua condição – em diálogo com a construção de um novo edifício, como fez Egon Eiermann na igreja Memorial Kaiser Wilhelm (1957-63), em Berlim. Ou pela continuidade material da pré-existência através da utilização dos materiais recuperados, na demolição da sua ruína, na construção de um novo edifício, como feito por Rudolf Schwarz, na igreja de St. Anna (1951-56), em Düren.

A obra de Döllgast não é enquadrável em nenhuma das práticas descritas anteriormente. Döllgast defendeu a preservação da ruína e a sua “reconstrução criativa” (FRANZ, WIMMER, 1998, tradução da autora). Isto é, uma reconstrução que não está restringida por critérios de preservação formal, estilística ou patrimonial. As soluções que propõe são, portanto, criadas a partir dos pressupostos de uma pré-existência que se altera, delicada mas livremente, de acordo com, os seus, novos critérios de ordem funcional, técnica, estética e simbólica.

O interesse que manifestou pela ruína é, portanto, distinto daquele que identificamos nos seus contemporâneos. Para Döllgast, a ruína não tem valor per se, mas apenas no pressuposto da sua reedificação. Os fragmentos dos edifícios em ruína não são preservados enquanto tal, mas incorporados, como evidências da passagem do tempo, e da história do próprio edifício, na sua proposta.

A Alte Pinakothek de Munique (Figuras 10 e 11), edifício desenhado por Leo von Klenze (1826–1836), e a obra de reconstrução mais emblemática de Döllgast, será a mais fiel materialização do seu pensamento. Döllgast tornou visível, e eternizou, a cratera que a bomba abriu no edifício, através da aparentemente simples justaposição da nova construção à antiga estrutura: consolidando a preexistência parcialmente destruída e reconstruindo o edifício – com um sentido de continuidade, embora de forma assumidamente distinta – no lugar dos seus troços desmoronados (Figuras 12 e 13). A costura, entre o novo e o antigo, não pretendeu disfarçar-se, mas também não deu lugar à estetização da cicatriz, exposta com a naturalidade e a clareza com que se apresenta um facto (Figura 14).

Figura 10Alte Pinakothek (1826-37), Leo von Klenze, Munique (Fonte https://www.pinakothek.de/de/museum [Consult. Julho de 2023]).

Figura 11 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), Munique (Fonte: https://www.pinakothek.de/de/museum [Consult. Julho de 2023])

Figura 12 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), fachada sul, Munique (Fonte: fotografias da autora, 2022).

Figura 13 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), fachada sul, Munique (Fonte: fotografias da autora, 2022).

Figura 14 – Alte Pinakothek (1946-57), alçado sul, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

 

Liberdade / Abstração

A preservação da ruína é reveladora de uma clara valorização do edifício existente. O projeto é entendido, então, não como um exercício de criação do novo, mas como um trabalho de composição que associa a preservação e valorização de características singulares – e dos recursos materiais, e não materiais, investidos em determinada estrutura física –, à capacidade de implementação de uma linguagem arquitetónica contemporânea.

Figura 15 – Alte Pinakothek (1826-37), Leo von Klenze, Munique (Fonte: https://www.researchgate.net/figure/West-Wing-of-the-Loggia-of-the-Alte-Pinakothek-showing-the-history-of-Northern-art_fig3_272254993 [Consult. Julho de 2023]). 

Figura 16 – Alte Pinakothek (1826-37), Leo von Klenze, Munique, 1952 (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

 

Döllgast admirava a arquitetura classicista, não necessariamente pelo seu valor patrimonial, mas pelas suas qualidades materiais e funcionais. No entanto, interveio sobre ela com total liberdade – a partir de um trabalho de triagem das características que quis manter, e daquelas que desejou eliminar ou reconfigurar. Parece decorrer da sua atitude o princípio de que os edifícios do passado “foram e ainda são, mas já não são o que foram” [5], e o seu exclusivo interesse pelo que poderão vir a ser no presente ou no futuro.

Figura 17 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), escadaria, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

 

Na Alte Pinakothek, a sua intervenção foi radicalmente reestruturante. Döllgast alterou a entrada, anteriormente situada na ala nascente, posicionando-a ao centro do edifício, na fachada norte. Decidindo-se pela não reconstrução da loggia do piso superior, junto à fachada sul – desenhada por Klenze à semelhança da loggia do Palácio Apostólico do Vaticano –, introduziu a monumental e icónica escadaria simétrica que permite o acesso dos visitantes às galerias (figuras 15, 16 e 17). E encerrou vãos nas fachadas, sempre que a sua relação com o interior reconfigurado não era favorável. Deste modo, Döllgast alterou, por completo, o acesso, a circulação, e a experiência de usufruto do edifício (Figura 18 e 19).

Figura 18 – Alte Pinakothek (1826-37), planta piso 1, Leo von Klenze (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 19 – Alte Pinakothek (1946-57), planta piso 1, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

 

O mesmo aconteceu na abadia de St. Bonifaz, um projeto de Georg Friedrich Ziebland (1835-50), com a reconfiguração das dimensões do edifício e a escolha de não reconstrução de elementos estruturantes da tipologia, como a laje do coro alto (Figura 20). E, no cemitério de Alter Südfriedhof, desenhado por Gustav Vorherr (1818-21) (Figura 21), e ampliado por Friedrich von Gärtner (1842-50) (Figura 22), quando optou pela demolição de ambas as arcadas – parcialmente destruídas pelos bombardeamentos – que acompanhavam os muros periféricos, abrindo-se para o interior dos dois espaços distintos que o configuram. No espaço do cemitério original de Vorherr, a norte da entrada, Döllgast dispôs blocos de pedra na posição anteriormente ocupada pelos pilares da arcada (Figura 23). No lado correspondente à ampliação de Gärtner, a sul, e apenas para o muro onde se situa a entrada, Döllgast desenhou uma simples e delicada estrutura de cobertura, com perfis tubulares metálicos posicionados, exatamente, na mesma posição dos pilares da arcada pré-existente (Figura 24). Não deixando de fazer a citação do que já existiu, Döllgast alterou a tipologia do espaço – de claustro para campo aberto (NERDINGER, 2023: 36) – modificando, também, o seu programa e o simbolismo que lhe está associado. O sagrado deu lugar a um parque memorial (Figura 25).

Figura 20 – St. Bonifaz, Georg Friedrich Ziebland (1835-50) e Hans Döllgast (1949-51), Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

Figura 21 – Alter Südfriedhof (1818-21), Gustav Vorherr (Fonte: https://stadtundgruen.de/artikel/friedhoefe-als-spiegel-der-geschichte-7545#fancybox-galerie-9 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 22 – Alter Südfriedhof (1842-50), Friedrich von Gärtner (Fonte: https://www.deutsche-digitale-bibliothek.de/item/7TJ46F27XAJV3YMS5AGATI22RHLMXP6Z [Consult. Julho de 2023]).

Figura 23 – Alter Südfriedhof, Gustav Vorherr (1818-21) e Hans Döllgast (1954-55), lado norte, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

Figura 24 – Alter Südfriedhof, Friedrich von Gärtner (1842-50) e Hans Döllgast (1954-55), lado sul, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

Figura 25 – Alter Südfriedhof (1954-55), planta, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023].

 

A liberdade com que Döllgast reconfigurou os edifícios em que interveio, é também evidente pelo modo como recorreu ao uso da abstração. Na Alte Pinakothek, a lógica de continuidade que estabeleceu com a preservação da ruína estendeu-se ao modo como estruturou a fachada da nova construção. Foi replicado, mas de forma simplificada e abstrata, o desenho dos elementos que definem a composição do alçado – espaçamento e escala dos vãos, cornija, frisos, colunas – utilizando-se, para tal, novos elementos de diferente natureza e material (Figura 14). O mesmo sucedeu nas paredes de Alter Südfriedhof, quando optou por completar os arcos parcialmente destruídos, ou eliminá-los por completo, mantendo apenas o seu ritmo através dos pilares embebidos na parede (Figuras 26 e 27).

Figura 26 – Alter Südfriedhof (1954-55), alçados norte e nascente, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 27 – Alter Südfriedhof, Friedrich von Gärtner (1842-50) e Hans Döllgast (1954-55), lado sul, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

 

Na abadia de St. Bonifaz (Figura 28) e na rotunda do cemitério de Ostfriedhof, de Hans Grässel (1901-02), as paredes interiores foram limpas de quaisquer elementos decorativos (LATTARULO, 2019: 85). No espaço, despojado, a austera superfície das paredes e a plasticidade do tijolo exprimem ascetismo e abstração (Figuras 29 e 30).

Em detrimento da pedra, eminente nos edifícios que reconstruiu, o tijolo é o elemento material com mais preponderância na sua obra. Pelo facto de ser proveniente de demolições, o tijolo usado por Döllgast tem o tom e o aspeto envelhecidos que lhe permitiram coser o novo e o antigo com naturalidade. Mas usou, também, materiais como o betão aparente e o aço. No coberto de Alter Südfriedhof, e em particular na Alte Pinakothek, o desassombro com que propôs rematar a fachada classicista com elegantes pilares metálicos de dupla altura é de uma notória provocação.

Figura 28 – St. Bonifaz (1835-50), Georg Friedrich Ziebland, Munique (Fonte: https://fr.wikipedia.org/wiki/Abbaye_Saint-Boniface_de_Munich#/media/Fichier:Bonifaz_Muenchen_1900.jpg [Consult. Julho de 2023]). 

Figura 29 – St. Bonifaz, Georg Friedrich Ziebland (1835-50) e Hans Döllgast (1949-51), fotografias de Klaus Kinold, Munique (Fonte: https://aut.cc/veranstaltungen/kinold-doellgast-schwarz [Consult. Julho de 2023]).

Figura 30 – St. Bonifaz, Georg Friedrich Ziebland (1835-50) e Hans Döllgast (1949-51), fotografias de Klaus Kinold, Munique (Fonte: https://aut.cc/veranstaltungen/kinold-doellgast-schwarz [Consult. Julho de 2023]).

Transitório / Perene

Um dos argumentos usados por Döllgast na defesa das suas propostas de preservação e intervenção sobre a ruína era a viabilidade económica destas operações, significativamente menos dispendiosas do que a demolição e construção de um novo edifício. Publicamente, não

se envolveu em debates de âmbito teórico ou conceptual sobre o tipo de reconstrução que advogava, adotando uma abordagem prática e direta sobre as vantagens dos seus projetos [6].

Face à necessidade de reconstrução em larga escala e com rapidez, a economia de meios e o encontro de soluções imediatas eram fundamentais. E Döllgast usou, de forma inteligente e engenhosa, o carácter provisório das propostas para garantir a sua implementação.

Para a igreja Allerheiligen-Hofkirche, da Residenz, projetada por Leo von Klenze (1826-37), Döllgast propôs a construção de uma cobertura temporária, com estrutura em madeira, que possibilitasse a sua preservação e transformação num memorial. Deste modo, pôde assegurar a encomenda e a materialização da sua visão (Figuras 31 e 32).

Figura 31 – Allerheiligen-Hofkirche (1971), perspectiva, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 32 – Allerheiligen-Hofkirche, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1971), fotografia de Klaus Kinold (Fonte: https://germanpostwarmodern.tumblr.com/post/719492917650194432/hans-d%C3%B6llgasts-re-roofing-1971-of-leo-von [Consult. Julho de 2023]).

 

Na Alte Pinakothek, formalmente incumbido pelo Parlamento Bávaro, apenas, da preservação da ruína enquanto a sua reconstrução histórica não tivesse lugar, Döllgast foi mais longe. Através da proposta de uma cobertura provisória – configuração que se mantém, ainda hoje –, Döllgast viria, deliberadamente, a inviabilizar a reconstrução prevista. A implementação da estrutura transitória não permitiria a reconstrução idêntica, mas as autoridades só se viriam a aperceber quando o processo era já irreversível (BLAUEL, 1991).

Os sete pilares metálicos que vemos hoje na fachada sul – evocativos de uma estrutura temporária ou até de andaime – integravam a solução provisória que propôs (Figura 33). Quando se tornou evidente que seriam permanentes, foram, como o conjunto do projeto de Döllgast, duramente criticados pelo seu carácter singelo, indigno de um edifício com tamanha importância histórica (WIDDER, 2018: 506, tradução da autora).

Percebemos, então, que Döllgast projeta para uma economia de meios, e que as suas estruturas poderiam ser apenas temporárias. Por outro lado, a simplicidade destes dispositivos e a sua linguagem prosaica são também condizentes com a narrativa da provisoriedade, que, na verdade, Döllgast usa como forma de materialização e perpetuação.

Figura 33 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), fachada sul, Munique, c. 1954 (Fonte: Architecture Today, Blauel 1991).

 

Monumental / Vernacular

O historiador austríaco Alois Riegl publicou “O Culto Moderno dos Monumentos” em 1903. A sua obra redefine o conceito de monumento, no sentido em que estrutura uma reflexão – designando vários tipos de monumento – em torno do pressuposto fundamental de que o monumento é assim considerado por intermédio do valor ou valores que lhe são outorgados, caracterizando valor como evento histórico relativo e não como qualidade intrínseca e inalterável. Através do desenvolvimento de conceitos como “valor de antiguidade”, Riegl prova que a passagem do tempo, e as suas consequências físicas, são irreversíveis, e inerentes à autenticidade e valor do monumento.

Como refere Lynette Widder, ao estabelecer a ponte entre os dois autores, não existem evidências concretas de que Döllgast tenha lido a obra de Riegl. No entanto, considerando o caráter precursor da obra de ambos, e a passagem de Döllgast por Viena – e pelo atelier de Behrens –, esta contaminação terá sido provável (WIDDER, 2018: 508, tradução da autora).

Döllgast teve a capacidade de transformar em monumentos – no sentido do conteúdo terminológico do conceito definido por Riegl –, os edifícios públicos destruídos em que interveio.

Pelo modo como estruturou a sua prática de reconstrução, Döllgast preservou, ou concedeu valor histórico, de antiguidade, de novidade e de uso (RIEGL, 2016) aos seus projetos.

Paralelamente, na forma como reconfigurou e purgou os espaços existentes, e desenhou novos elementos, Döllgast trabalhou, intencional e reiteradamente, a sua dimensão monumental.

Encontramos exemplos na sumptuosa escadaria da Alte Pinakothek (Figura 34) e átrio que a antecede; na tensão entre as escalas dos elementos que conformam a sua fachada sul ou o coberto de Alter Südfriedhoff; ou na depuração do espaço, e das superfícies das paredes interiores, monumentalizando a rotunda de Ostfriedhof (Figura 35) e a abadia St. Bonifaz (Figura 36).

Figura 34 – Alte Pinakothek (1946-57), perspetiva, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 35 – Ostfriedhof (1952), corte e planta, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

Figura 36 – St. Bonifaz (1949-51), perspetiva e planta, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

 

Döllgast fez uso de modernas soluções construtivas que identificamos como parte integrante da solução arquitectónica. A sua obra tem uma componente tecnológica, embora seja, por vezes, deliberadamente escondida ou integrada de um modo que garanta a sua imperceptibilidade. Esta tendência poderá explicar-se pelo seu desinteresse na invenção de novas formas – o referencial é a elementaridade e funcionalidade das estruturas prosaicas do quotidiano.

Para a cobertura da Alte Pinakothek, Döllgast propôs duas águas que se estendem sobre a fachada, ao invés de terminar, e de se esconder, atrás de uma cornija (Figuras 10 e 11). Adicionalmente, cometeu a audácia de exibir o sistema de recolha de águas pluviais, com caleira rematando a cobertura, e tubos de queda visíveis descendo sobre a fachada, como pilares metálicos suplementares (Figura 37). A estratégia, e o tipo de sistema que usa, são as mesmas no coberto de Alter Südfriedhoff: embora desenhada e dimensionada com mestria, trata-se de uma estrutura de cobertura, semelhante ao que poderíamos encontrar numa construção informal Figura 38). É clara, então, a subversão da sua proposta, ao implementar uma solução de natureza vernacular sobre um edifício classicista, numa recusa da encenação da retórica e celebração dos princípios fundamentais da prática construtiva e arquitetónica.

Figura 37 – Alte Pinakothek, Leo von Klenze (1826-37) e Hans Döllgast (1946-57), fachada sul, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

Figura 38 – Alter Südfriedhof (1954-55), corte, Hans Döllgast (Fonte: mediaTUM, Universitätsbibliothek Technische Universität München, https://mediatum.ub.tum.de/?id=647610 [Consult. Julho de 2023]).

 

A linguagem de inspiração vernacular de Döllgast é de “uma simplicidade vernacular moderna” (STERNBERG, 2022: 269), em que a escassez de meios, o ascetismo, a tradição material em que se inscreve, e a utilização poética de elementos construtivos, convergem para a austeridade, intemporalidade e monumentalidade.

A sua admiração pela tradição artesanal será particularmente percetível nas peças de serralharia que desenhou para cada um dos seus projetos – nítidas materializações do seu pensamento, e portadoras de uma estética Döllgastiana (Figuras 39 e 40).

A propósito da dualidade monumental – vernacular, Paul Stangl afirma que a fronteira que os distingue pode, por vezes, ser dúbia, mas que a sua distinção é significativa: “o monumental sustenta a memória coletiva, ligando o passado, o presente e o futuro. O vernacular provê formas espaciais para as rotinas da vida quotidiana” (STANGL, 2008: 245, tradução da autora).

A partir do conceito de “dupla codificação” de Charles Jencks, poderemos associar a formalização deste binómio – e do duplo conjunto de referências que transporta para o edifício – a uma “estratégia de afirmação e negação, em simultâneo, das estruturas de poder existentes, inscrevendo e desafiando diferentes gostos e formas opostas de discurso” (JENCKS, 1992: 13, tradução da autora).

Figura 39 – St. Bonifaz (1949-51), Hans Döllgast, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

Figura 40 – Alter Südfriedhoff (1954-55), Hans Döllgast, Munique (Fonte: fotografia da autora, 2022).

 

Conclusão

A capacidade de conciliação, complementarização e naturalização de paradoxos é notável em Döllgast. Se por um lado preserva e valoriza o património arquitetónico e a memória coletiva, defendendo continuidade e permanência, por outro lado, exclui e reconfigura, em prol da mudança, libertando-se das imposições do passado com radicalidade. O seu trabalho monumentaliza e é monumental, acedendo a uma dimensão representacional, mas, simultaneamente, afirma o mundano e a informalidade do provisório, contestando o lugar da retórica.

A sua obra poderá ser caracterizada como discreta (LINAZASORO, 2013), o que se deve, em larga medida, ao facto de assentar sobre uma estratégia de conjugação e não de imposição, mas o pensamento que comunica, de forma clara e incisiva, é inaudito e profundamente moderno.

A aceitação e valorização, de modo mais generalizado, dos seus projetos, ocorreram apenas depois da sua morte. Döllgast é uma figura ausente da historiografia da arquitetura moderna (NERDINGER, 1998: 109) e, na atualidade, são ainda diminutas as manifestações de disseminação, celebração e investigação da sua obra. Talvez por influência de arquitetos contemporâneos como David Chipperfield, Roger Diener [7], ou José Ignacio Linazasoro (LINAZASORO, 2021), se tenha vindo a afirmar um crescente interesse pelo seu legado, materializado, de modo mais visível, na recente publicação de um número da revista Casabella, que lhe é dedicado [8].

A intemporalidade da obra de Döllgast é comprovada, também, pela pertinência do seu contributo para a actualidade, num momento em que se multiplicam e intensificam os discursos

em torno da não-demolição, e da reparação, no ciclo de vida das construções. Na crise do pós-Guerra e hoje, em plena e global emergência climática, discutimos a necessidade de entender, e projectar, os edifícios como organismos em permanente desenvolvimento, com a capacidade de conservar e valorizar recursos, e de conciliar diferentes tempos e formas de utilização – edifícios que possam permanecer e mudar.

 

Bibliografia

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FRAMPTON, Kenneth – The Other Modern Movement: Architecture, 1920-1970. New Haven: Yale University Press, 2022.

FRANZ, Peter, WIMMER, Franz – Von den Spuren: Interpretierender Wiederaufbau im Werk von Hans Döllgast. Salzburg: Anton Pustet, 1998.

JENCKS, Charles – The Post-Modern Reader. London: Academy Editions, 1992. ISBN 978-0470748664

LATTARULO, Maria Irene – La ricostruzioni interpretative: il caso di Hans Döllgast a Monaco di Baviera. Rassegna di Architettura e Urbanistica, Riflessioni a margine della 15. Biennale di Architettura. ISNN 0392-8608. Vol.149, n.º 3 (2019) p. 80-87.

LINAZASORO, José Ignacio – La Arquitectura del Contexto: Una Respuesta Antimoderna. Madrid: Ediciones Asimétricas, 2021. ISBN-10 8419050024

LINAZASORO, José Ignacio – Modernism and Heritage. In Favor of Anonymous Architecture. Arquitectura Viva. 30/11/2013 [Consult. Julho de 2023]. Disponível em https://arquitecturaviva.com/articles/modernism-and-heritage

LOPES, Flávio; CORREIA, Miguel Brito – Património Cultural, critérios e normas internacionais de proteção. Casal de Cambra: Editora Caleidoscópio, 2014, p. 121-125.

MONEDERO, Miguel Martínez – La reconstrucción de Múnich tradición y renovación. Loggia, Arquitectura & Restauración. ISSN 1136-758X. N.° 21 (2008) p. 38-51.

NERDINGER, Winfried – Hans Döllgast. Cheerfully puritanical architecture. OASE. ISBN 9061685567. N.º 49-50 (1998) p. 108-119.

NERDINGER, Winfried – Hans Döllgast. Neue Räume aus Ruinen. Casabella. ISBN 97700087180093230. N.º 943 (2023) p. 50-59.

RECHT, Roland – Pensar el Patrimonio. Escenificación y ordenación del arte. Madrid: Abada Editores, 2014. ISBN 978-84-16160-10-5

RIEGL, Alois – O Culto Moderno dos Monumentos. Lisboa: Edições 70, 2016. ISBN: 9789724417134.

STANGL, Paul – The vernacular and the monumental: Memory and landscape in post-war Berlin, GeoJournal. DOI: 10.1007/s10708-008-9206-0, 73:245–253 (2008) p. 245.

STERNBERG, Maximilian – Hans Döllgast, post-war reconstruction and modern architecture. The Journal of Architecture. DOI: 10.1080/13602365.2022.2086152, 27:2-3 (2022), p. 260-295.

WIDDER, Lynnette – Repressing Repair: Hans Döllgast’s Reconception of the Alte Pinakothek, 1946-1973. 106th ACSA Annual Meeting Proceedings, The Ethical Imperative. ISBN
 978-1-944214-15-9 (2018) p. 504-510.

WILSON, Colin St. John – The Other Tradition of Modern Architecture: The Uncompleted Project. Hoboken: Wiley, 1995

Notas

1. No terceiro volume da sua autobiografia – Journal retour – Döllgast escreve: “Weissenhof, um desfile impressionante de uma jovem geração de arquitectos. Nós, do atelier Behrens, com a nossa casa mansa, em forma de caixa com terraço, ficámos mesmo no fim, como uma retaguarda.” (NERDINGER, 1998: p.112-113).

2. Segundo Sternberg, Döllgast refere “E o nosso século? Uma geração sombria ofende-se com qualquer brincadeira. Rejeita o trabalho alegre em troca da tão interpretada ‘limpeza’.” (STERNBERG, 2022: 270, tradução da autora).

3. “Robert Vorhoelzer, colega de faculdade de Döllgast e um dos mais notáveis defensores da Neue Sachlickheit em Munique no período entre guerras, postulava que, se até Troia tinha perdido as suas ruínas para a posteridade, Munique não devia ficar com as suas: os arquitectos modernos deviam acarinhar a imagem dos edifícios passados nos seus corações, mas construir estruturas modernas dignas de ocupar o seu lugar.” (STERNBERG, 2022: 271, tradução da autora).

4. A expressão “outro moderno” dá título a algumas publicações sobre práticas arquitectónicas alternativas do Movimento Moderno, como “The Other Tradition of Modern Architecture: The Uncompleted Project” de Colin St. John Wilson, “Another Modern: The Post-War Architecture and Urbanism of Candilis-Josic-Woods” de Tom Avermaete, ou “The Other Modern Movement” de Kenneth Frampton.

5. “Assim, ao contrário da história, a história da arte interessa-se por objectos que foram e que ainda são, mas que já não são o que foram, mesmo que a sua materialidade e existência fenoménica tendam a fazer-nos crer o contrário.” (RECHT, 2014: p. 15, tradução da autora)

6. “Enquanto Schwarz, nas palavras de Wolfgang Pehnt, ‘pregava’ sobre os dilemas da reconstrução do património arquitectónico a um público em grande parte perplexo em Colónia, Döllgast concentrava-se no assunto em questão e argumentava que era simplesmente mais barato manter a estrutura existente.” (STERNBERG, 2022: p. 274, tradução da autora).

7. Aproximadamente 50 anos após a conclusão da construção do projecto de Döllgast para a Alte Pinakothek, terminaram em Berlim duas intervenções de reabilitação de edifícios danificados pela guerra: o Neues Museum, de David Chipperfield Architects e Julian Harrap (2009), e o Museu de História Natural, da autoria de Diener & Diener (2010). Ambos representam exemplos paradigmáticos no sentido de uma abordagem crítica à conservação e ao restauro, estabelecendo pontes evidentes com a obra de Döllgast.

8. Casabella. ISBN 97700087180093230. N.º 943 (2023).