João Miranda
joaomhmiranda@outlook.com
Arquiteto e Doutorando no Departamento de Arquitetura da Universidade Autónoma de Lisboa (DA/UAL), Portugal. CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, Portugal
Para citação:
MIRANDA, João – Aires Mateus. A Casa em Alenquer como Processo. Estudo Prévio 24. Lisboa: CEACT/UAL – Centro de Estudos de Arquitetura, Cidade e Território da Universidade Autónoma de Lisboa, maio 2024, p. 48-82. ISSN: 2182-4339 [Available at: www.estudoprevio.net]. DOI: https://doi.org/10.26619/2182-4339/24.1
Artigo recebido a 27 de novembro de 2023 e aceite para publicação a 29 de dezembro de 2023.
Creative Commons, licença CC BY-4.0: https://creativecommons.org/licenses/by/4.0/
Aires Mateus. A Casa em Alenquer como Processo
Resumo
O artigo centra-se no processo de obra da Casa em Alenquer, iniciada em 1995 – e encomendada por Emílio Vilar (1964- ). A investigação revisita a sua importância para o atelier Aires Mateus (1988) e as circunstâncias sobre a origem do ‘processo’. A obra teve relevância no percurso profissional de Francisco Aires Mateus (1964- ) e Manuel Aires Mateus (1963- ), pela presença disciplinar e mediática – inclusive ter sido publicada em 2001, antes de estar finalizada. Nesse sentido, questionam-se as investigações que a Casa em Alenquer desenvolveu e proporcionou: circunscrevendo em conceitos. O artigo recorre exclusivamente à análise de fontes primárias, não só desde as fotografias sobre a obra/processo, desenhos originais, entre outros, pertencentes do atelier e espólio físico-digital, como também dos diversos materiais de arquivo submetidos à Câmara Municipal de Alenquer para licenciamento. Assim, propõe-se uma análise sobre a materialização da obra. A partir de materiais nunca publicados, ambiciona-se revelar o ‘processo e construir uma ‘narrativa’ sobre a Casa em Alenquer.
Palavras-chave: Aires Mateus, Alenquer, Arquivo, Casa, Processo.
“Todos os projetos têm uma estrutura (mais legível e inteligível) de uma ‘ideia’ acerca da construção e do projeto. A Casa em Alenquer é um projeto que está inevitavelmente nesse princípio. De facto, é um projeto verdadeiramente seminal.”
(MATEUS, 2023)
Figura 1 – Fotografia Exterior. Ref AL 058, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Fevereiro 2000
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Nota Prévia
Em 2001, durante o processo de conclusão da obra Casa (Emílio Vilar) em Alenquer projetada por Francisco e Manuel Aires Mateus, uma publicação da mesma, encontra-se na 2G: revista internacional de arquitetura nº20 relativa à arquitetura portuguesa – uma nova geração [1] –, com fotografias da obra – não concluída [2]. Através da análise da publicação mencionada [3], compreende-se que a representação da Casa em Alenquer se figura ‘em processo’. Partindo da presente observação, questiona-se: o ‘papel’ do processo na obra; e o que poderá ser descodificado a partir do mesmo?
Igualmente, importa interrogar sobre o propósito da obra e as suas ramificações. Por exemplo: será possível compreender indícios de ‘intenções de experimentação’ a partir de uma obra ‘em processo’? Que indícios prévios no percurso do atelier são passíveis de identificar? Qual a relação entre a ‘experimentação’ e a ‘ambição disciplinar’? [4] Ou, será a Casa em Alenquer um ‘processo de experimentação’, que realça ‘estruturas’? Além disso, que ‘estrutura’ ou ‘ideia’ tem a Casa? Nesse sentido, promove-se a discussão de alguns ‘conceitos’ referentes ao ‘processo’, procurando a compreensão de ‘um princípio’: sobre a materialização do projeto.
Introdução
A concretização do presente artigo realiza-se através do contacto com as fontes primárias, a partir das conversas desenvolvidas com Francisco e Manuel Aires Mateus (1964- e 1963-, respetivamente); bem como dos materiais gráficos e escritos do atelier Aires Mateus. De igual modo, os diversos diálogos com o antigo proprietário e cliente original – Emílio Manuel Távora Vilar (1964- ) – criaram uma densificação sobre o processo da Casa em Alenquer, e em consequência, da investigação em curso. Juntamente com o artigo, são publicadas duas entrevistas: uma ao arquiteto Manuel Aires Mateus e outra ao fotógrafo Daniel Malhão (1971- ), estando ambas concentradas no ‘processo’ e projeto da Casa; foram recolhidas algumas informações através de uma constelação de agentes pertinentes, que contactaram com o atelier Aires Mateus de inúmeras formas, como por exemplo: João Belo Rodeia, Jorge P Silva, Juan Rodríguez, Marta Sequeira, Ricardo Carvalho, Sofia Pinto Basto, entre outros.
Em relação a outros conteúdos, a investigação sustenta-se exclusivamente em matérias de arquivo: desde desenhos técnicos, e fotografias obra não concluída – i.e., o projeto em construção. Todos os materiais apresentados são provenientes de material original do espólio físico / digital do atelier © Aires Mateus e da Câmara Municipal de Alenquer, compreendido entre o período de 1990-2005, e 1994-2003, respetivamente) [5]. Deste modo, através da reunião de materiais de arquivo – nunca publicados –, pretende-se apresentar e construir uma narrativa sobre a Casa [6]. Através da metodologia descrita, reflete-se a sua importância – devidamente enquadrada a partir de uma série de ‘conceitos’ denominada em (Entre) ‘limites’: da matéria (temporal) à ‘dimensão’ espacial.
O artigo, intitulado de Aires Mateus. A Casa em Alenquer como Processo, propõe-se revelar o princípio e propósito da obra: desvendando determinados momentos relativos à execução da Casa, a partir de material sobre o processo (i.e., ‘em processo’).
Deste modo, a investigação adota uma visão sobre o desenrolar do processo, analisando hesitações / dúvidas sobre a materialização da obra. Procura-se materializar uma ‘possibilidade’ (ou um ‘ponto de partida’) com outra ‘dimensão’ [7].
Sobre princípios [8]: o artigo concentra-se na exposição do processo da Casa Emílio Vilar (1995 / 1998 – 2002) localizada na Rua da Judiaria, Nº7 em Alenquer. A presente investigação procura questionar, recuperar e revisitar conteúdos relativos à Casa. Pressupõe-se que o projeto materializado (data de obra 1999 – 2002) representa um ‘salto quântico’ no percurso do atelier Aires Mateus – posto que o mesmo apresenta, não só uma importância e impacto para o atelier, como também permanece continuamente relevante para o mesmo e para o panorama arquitetónico nacional e internacional de então, constando em prévias comunicações, publicações, entre outras. [9]
Devido ao ‘processo’ com vários ‘tempos’ na sua conceção, intrinsecamente relacionado, não só pelo contexto, pela circunstância, e ocorrências em projeto e obra e pelo atelier encarregue do mesmo, a Casa em Alenquer reúne diversos momentos com relevância. Do mesmo modo, constituiu um ‘processo’ com um ‘pensamento’ vinculado a uma ‘ambição’ de materialização e investigação. Deste modo, questionam-se as ‘investigações’ que a Casa desenvolveu e proporcionou. [10]
Segundo o estado da arte, verifica-se que o ‘processo’ do projeto é pouco mencionado e concentra-se no projeto materializado – nunca revelando as ‘fases’ prévias sobre a materialização do mesmo. A presença de fotografias da ruína da obra concluída, de maquetes do atelier Aires Mateus e desenhos técnicos do projeto materializado têm sido os únicos componentes apresentados. No entanto, a ausência de esquissos e conteúdos sobre o desenvolvimento é notória; e por isso questiona-se sobre os mesmos. A partir desses, estabelece-se o enquadramento da presente investigação.
Figura 2 – Fotografia Exterior. Ref AL 492, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Dezembro 2001
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Figura 3 – Estudos de Estruturas / Pormenores, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Novembro 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 4 – Teto do Piso Superior & Planta Cobertura, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer, s.d.
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Entre contexto(s) & processo(s)
Em 1995, Emílio Manuel Távora Vilar adquire um imóvel em ‘ruína’ localizada na Rua da Judiaria, Nº7 em Alenquer; e nesse ano começa o ‘processo’ da Casa, endereçado o convite ao atelier Aires Mateus. O processo iniciou-se devido à proximidade com o atelier, informalmente, aprovisionando ‘liberdade’ criativa do mesmo na condução do ‘processo’ sobre a Casa em Alenquer. [11]
O cliente original, na época, licenciado em Design de Comunicação pela Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e a concluir o Mestrado em Design Management no ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, convida Francisco e Manuel Aires Mateus para desenvolverem o projeto da ‘ruína’, com o intuito de recuperação ‘total’ da mesma. A opção não deixa de ser curiosa; Emílio Vilar conclui que o projeto apresentava uma certa ‘ambição’ conduzida por uma alguma ‘ingenuidade’ [12].
Para compreender o ‘processo’, é essencial conhecer o espectro temporal da obra em Alenquer e, para o presente artigo, o processo deve ser considerado, entre 1995 – 2002. Assim sendo, expõe-se dois ‘momentos’: o originário, entre 1995 – 1998 (‘primeiro processo’) e outro, entre 1998 – 2002 (‘segundo processo’). Apesar da presente investigação desenrolar ‘outros’ momentos durante o período apresentado [13], esta irá apenas considerar unicamente os projetos oficialmente submetidos na Câmara Municipal de Alenquer.
De forma sucinta, o ‘primeiro processo’ (1995) define-se por um “projecto lógico, uma recuperação da casa existente” (ADRIÃO; CARVALHO, 2007: 70) – com uma área de construção de 391m2. O ‘primeiro’ apresenta a remodelação da ruína em questão ou “de toda a casa” [14].
Como mencionado pelo atelier, o projeto “era claro, tratava-se de recuperar uma casa.” (MATEUS; MATEUS, 1999: 23). As palavras anteriores remetem para a consolidação e conservação de elementos existentes. O sistema estrutural seria constituído, citando a Memória Descritiva, “essencialmente por pilares embebidos nas paredes existentes e lages pré-esforçadas” [15] – ou seja, não era previsto a utilização das paredes existentes “como apoio de lages de piso ou de cobertura.” [16]
Conceptualmente, pretende-se articular e clarificar as relações entre os volumes principais inseridos num conjunto de volumes autónomos construído a “dois tempos” [17] (que tiveram sucessivas adaptações) – “articulados em torno de um pátio central” [18].
Na Memória Descritiva, o elemento ‘central’ – pátio – serve de acesso principal. Os principais volumes teriam como cobertura um telhado “executado com chapas de fibrocimento ondulada revestidas com telha de canudo, preferencialmente antiga.” [19]; porém a cobertura do ‘corpo de ligação central’ era prevista ser “invertida” – i.e., como referido na Memória Descritiva: uma “cobertura em terraço”, que deveria ser “devidamente impermeabilizada e isolada termicamente, com acabamento exterior a gravilha de vidraço de granulometria média.” [20]
A nível programático, estabelece-se o seguinte: no corpo a Norte, a cozinha e a sala com ligação ao jardim; e no corpo Sul, os quartos e instalações sanitárias no piso superior e as áreas de apoio no piso inferior.
Relativamente à recuperação – questões materiais – as paredes exteriores teriam um acabamento a argamassa de cal, cimento, areia e com um pigmento amarelo [21], conferindo assim unidade.
Resumindo, “autonomizam-se assim dois corpos principais que se relacionam através do pátio e se articulam através de um corpo central mais baixo que serve como rótula de articulação dos dois grandes núcleos da casa” como mencionado na Memória Descritiva de 1996 – com o intuito de que “a presente operação de remodelação e de recuperação visa a valorização de todo o conjunto”. [22]
Antagonicamente, o ‘segundo processo’ (data do projeto 1998 – 1999) da obra Casa Emílio Vilar (data da obra 1999 – 2002), transfigura totalmente o ‘primeiro’. A premissa de ‘algo’ existente mantém-se, embora com outro ‘significado’.
No início do ‘segundo processo’, os paramentos que fazem a relação com o espaço público já se encontram consolidados. Portanto, a consideração para a materialização muda de paradigma, ou seja, o ‘existente’ encontra-se pronto para ‘algo novo’. Todavia, ‘algo’ que não se encontra separado dos muros recuperados. [23]
Enquanto a intencionalidade de projeto do pátio central perece, a valorização proposta (“de todo o conjunto” em 1996) [24] permanece como premissa para o ‘segundo processo’: a recuperação das fachadas de rua; a introdução de pequenas retificações nas fachadas; a supressão / redesenho de áreas sem qualidade, procurando melhorar e restabelecer relações entre interior-xterior; a adaptação das áreas interiores existentes a um programa relativamente reduzido; e por último, “redesenhar o detalhe na perspetiva de valorização volumétrica e tectónica do conjunto, remetendo o pormenor para um plano meramente funcional” [25].
Como mencionado, a ‘intenção’ de pátio é revertido. Considera-se uma lógica de não enclausuramento de um espaço ‘central vazio’; mas uma lógica de proliferação / sequência espacial a partir de vários ‘limites’. A lógica transmuta-se no sentido, onde o ‘centro’ / ‘ideia’ central será resultante de ‘algo’ ancorado a outros ‘conceitos’ / ‘temas’, circunscrito pelo plano das fachadas de rua: (como) o último ‘limite’. Desta forma, denota-se uma intenção evolutiva sobre a intencionalidade do ‘primeiro processo’.
O ‘segundo’ apresenta um princípio com uma ambição ímpar, que questiona o ‘limite’ como ‘matéria’, numa nova conceção de espaço interior-exterior, estimulando novos ‘horizontes’ – com um ‘propósito’ adjacente. Em 1999, é submetida a Memória Descritiva e Justificativa do ‘Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado’ com o ‘segundo processo’: onde a primeira linha do ponto ‘2 – A Proposta’ menciona que: “A alteração, que diminui muito a área de construção fica a dever-se à situação encontrada na obra.” [26]. Uma afirmação, à primeira vista, que aparenta ser (unicamente) a justificação da mudança de área de construção (de 391m2 para 113,4m2).
Contudo, esta ‘transporta’ a ‘intenção’ e, no fundo, a ‘ambição’ do processo / projeto, de materialização de “uma pequena casa com um programa muito reduzido” [27]. A mesma delimitada pelas paredes exteriores: o plano das fachadas de rua.
A proposta questiona o significado de ‘limite’. Equitativamente, torna-se como princípio, que questiona e propicia a investigação de ‘conceitos’ sobre espaço, espaço-entre e limites espaciais [28]: já que a materialização da “pequena casa” [29] pretende a disseminação / proliferação ‘metafórica’ espacial sobre a intenção de ‘pátio’. Assim, a ambição da “pequena casa” explora novos ‘sentidos’ ou ‘significados’, como mencionado na Memória Descritiva.
No entanto, programaticamente, mantém-se coesa, à semelhança do ‘primeiro processo’ que tinha uma organização distribuída pelo Corpo Norte e pelo Corpo Sul.
No ‘segundo processo’, verifica-se a concentração programática no piso térreo e no piso superior do Corpo Sul; enquanto no Corpo Norte constrói-se um “pequeno tanque” [30]. Consolidada a estratégia de organização de ‘espaços encerrados’ da “pequena casa”, promove-se a investigação pelos ‘espaços’ entre as paredes existentes, consolidadas e recuperadas. Dessa maneira, é previsto que as paredes consolidadas adquiram um ‘novo significado’ de ‘limite espacial’, uma vez que formam um espaço interior / exterior, que no entender do projeto será ‘mobilado’.
A “pequena casa” suscita novas abordagens de contexto / espaço exterior, respeitando a relação do centro histórico, onde para a rua, passa a existir mais luz “vinda do interior” através das janelas – e para o interior, ‘algo novo’ será adquirido: uma nova escala. A construção da “pequena casa” apresenta um significado de conjunto e não de autonomização, dado que as “construções não devem ser entendidas separadas dos muros recuperados” [31]. O projeto estabelece também um ‘novo significado’ de “espaço interior”, criado ao ar livre, privado e mobilado, e de “uma pequena construção desenhada de uma forma que estabelece uma relação íntima com o existente”. [32]
A partir da subversão do ‘primeiro processo’, e consequente materialização do ‘segundo’, considera-se existirem indícios de uma investigação intensa que abrange o projeto e o processo de obra. O ‘processo’ provocou inúmeras situações sobre a conceção / composição, suscitando novas questões, as quais se procuram investigar.
Contudo, a obra demonstra-se a partir de um ‘princípio’ conceptual objetivo muito preciso, de controlo ‘global’ do projeto e do ‘princípio’ [33]. Resumindo, considera-se que o material sobre o processo é fundamental para a construção da narrativa do projeto materializado. Deste modo, a partir de intenções mencionadas previamente, o presente artigo desenvolve-se na depuração e na exposição do ‘processo da Casa’, com foco sobre o ‘segundo processo’ – obra materializada.
Portanto, desvenda-se o mesmo, introduzindo materiais sobre o seu ‘processo’ e circunscrevendo em determinados ‘conceitos’ previamente mencionados.
Da investigação à matéria(lização)
“Com o passar do tempo, tenho vindo a defender que a arquitectura trabalha fundamentalmente sobre a elaboração de uma pergunta.”
(MATEUS, 2021: 9)
Considera-se que o processo, do atelier Aires Mateus, assenta na formulação de uma questão como o cerne para a materialização de uma possibilidade [34]. Relativamente à Casa em Alenquer, a questão será: como se materializa um ‘princípio’? E, assim, como se ‘inicia’ o ‘processo’?
Deste modo, considera-se que a elaboração da mesma será o ‘alicerce’ da investigação e poderá traduzir um princípio para o ‘processo’ e o projeto. Servirá a fixação temática para enfrentar os problemas inerentes à disciplina da Arquitetura? Será possível considerar o ‘processo’ dos Aires Mateus como um percurso, sempre inerente a uma avultada investigação, que circunscreve ‘linhas’ sobre ‘conceitos’ de ‘matéria’ e ‘espaço’?
Sendo princípio o ‘limite’, como será possível dissecar as ‘camadas’ (complexidade) do mesmo? Em que ‘conceitos’ será possível enquadrar o ‘processo’? E, que ‘caminhos’ será possível desvendar no ‘processo’ e sobre o mesmo?
A Casa em Alenquer, devido a inúmeras circunstâncias, criou um ‘processo’ ímpar, tanto na execução da obra, como do atelier; enumerando-se de forma sucinta: primeiro, uma remodelação / renovação de ‘algo’ e de ‘acabar’ o projeto (‘primeiro processo’); de seguida, devido à circunstância (‘arruinamento’), um distanciamento e consequente contemplação de ‘algo’ inóspito (a ruína); posteriormente, um ‘princípio’ envolto de ambição, ancorado a ‘pensamento’ e ‘processo’ (antagónico) de materialização de ‘algo’ (‘segundo processo’) compreendido entre a ‘matéria’ pré-existente (‘entre limites’), mas ‘não como separado’ da mesma (ruína).
Assim, à semelhança da investigação conduzida no atelier, promove-se uma reflexão sobre ‘conceitos’, provenientes do princípio do processo, denominados de seguida e sucessivamente em (entre) ‘limites’. Desenvolve-se a depuração do ‘segundo processo’ que será proposta a partir dos ‘limites’ considerados primordiais no processo da Casa, que constituem o projeto, e com consequências metodológicas.
Figura 5 – ‘Primeiro Processo’ / Planta ao Nível Inferior – Encarnados e Amarelos, Casa Dr. Emílio Vilar – Alenquer. Abril 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 6 – ‘Primeiro Processo’ / Planta ao Nível Superior – Encarnados e Amarelos, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Abril 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 7 – ‘Primeiro Processo’ / Alçados – Encarnados e Amarelos, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Abril 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 8 – ‘Primeiro Processo’ / Planta Coberturas – Encarnados e Amarelos, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Abril 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 9 – ‘Primeiro & Segundo Processo’ / Planta Implantação, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Maio 1999
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 10 – ‘Primeiro Processo’ / Cortes, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Abril 1996
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 11 – ‘Segundo Processo’ / Corte 06 / 07 / 08, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Maio 1999
(Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
(Entre) ‘limites’: da matéria (temporal) à ‘dimensão’ espacial
“Gosto também de pensar que os limites físicos e os limites da situação, ou seja, os limites de uma determinada realidade, se constituem como a própria pergunta genérica da arquitectura.”
(MATEUS, 2021: 9)
Em Alenquer, pode-se observar um processo que se mutua consoante as circunstâncias e também se permuta em obra (em construção). Como já referido anteriormente, a Casa pode ser enquadrada em diversos ‘processos’, desenvolvidos pelo atelier Aires Mateus. No entanto, no propósito da investigação consideram-se apenas os dois ‘processos’ (‘primeiro’ em 1995 – 1996 e ‘segundo’ em 1998 – 1999) submetidos à Câmara Municipal de Alenquer [35]. Relativamente ao ‘segundo processo’, a sua particularidade é que acerta a proposta de valorização promovida pelo ‘primeiro processo’ e constrói-se assente num ‘princípio’. Através da depuração de elementos escritos e gráficos é possível compreender o desenvolvimento da obra bem como identificar particularidades cruciais para o entendimento aprofundado sobre a Casa em Alenquer.
Considera-se que a Casa tem em si mesma, uma série de ‘conceitos’ / ‘temas’ inerentes do ‘princípio’, não só fruto de processo na fase de projeto e fase obra como também provenientes de investigação do atelier Aires Mateus.
Da mesma maneira, alguns ‘conceitos’ serão consolidados ‘em processo’ de (fase) obra. O princípio materializa-se primeiramente no projeto e obra em Alenquer, que se demonstra importante, como condição (no percurso do atelier) e, em “sucessivos processos – tendo como base que as ‘ideias’ são fundamentais na prática” (MATEUS, 2023). Deste modo, recorrendo à investigação do princípio (‘limite’), sustenta-se que o mesmo é composto por ‘conceitos’ selecionados (devidamente enumerados) e propostos, que servem de condição para a materialização do projeto com:
– ‘Tempo’: relativa à construção / materialização (como meio para atingir ‘algo’);
– ‘Limite(s)’ materialização do espaço intersticial, a investigação sobre espaço entre ‘limites’ (e relação com o espaço ‘habitado’ / vivências / …), tanto ‘entre’ / interior-exterior;
– ‘Espaço’: matéria (temporal) & ‘dimensão’ espacial, relativa a continuidade sobre a matéria (inerente ambição de projeto) e consequente ‘dimensão’ [36].
Tempo: construção de forma & ‘sentido’
“A Casa em Alenquer é um projeto / investigação de fundação. Diria mais, a Casa em Alenquer é a maior das fundações.”
(MATEUS, 2023)
Considera-se que a construção é relacionada com ‘algo temporal’. A matéria relativa à construção envolve dois ‘tempos’, e no caso em Alenquer, remete-se para: a materialização de um objeto ‘puro’ num ‘tempo preciso’ (“pequena casa”); e “a ‘materialização’ da ruína – que é um (tempo) ‘contínuo’, com capacidade evolução (tempo)” (MATEUS, 2023).
A partir destas afirmações, compreendem-se noções de ‘limites’ sobre o tempo, que englobam várias construções (materializações), como mencionado por Manuel Aires Mateus: “A ‘ideia’ do tempo é fundamental” (MATEUS, 2023). Tal como descrito em Estructuras en el Tiempo: a coexistência tanto da ruína e do objeto (um portador de vestígios do passado e outro, respetivamente) “cimentam a metáfora da simetria subjacente entre ruína e construção”. [37]. No processo em Alenquer, o tempo adquire ‘dois significados’, como mencionado por Manuel Aires Mateus: “perceber essa diferença entre esse ‘tempo’ e outro ‘tempo’, ou seja: um ‘tempo permanente’ versus um ‘tempo’ com a capacidade de variação é deveras interessante (no projeto).” (MATEUS, 2023)
“A partir desse momento começámos a trabalhar naquilo que nos pareceu mais importante, o espaço adjacente à ruína – a ideia dos dois tempos, o perene e o fugaz, a permanência e o momento. Aquelas paredes tinham uma liberdade que só́ o tempo pode construir. O tempo constrói um mundo de cicatrizes e uma liberdade que não se pode criar do zero.”
(ADRIÃO; CARVALHO, 2007: 70)
Na Casa em Alenquer, intensifica-se o ‘conceito’ do tempo. Como demonstrado por Manuel Aires Mateus, o ‘conceito’ de tempo (em relação à matéria) torna-se ainda mais evidente dado que: “A Arquitetura é uma afirmação (‘marcada’) no ‘tempo’ e possui uma geometria ‘pura’ por esse motivo (quando a estamos a ‘criar’).” (MATEUS, 2023)
Assim, a materialização incorpora (o ‘conceito’ e) a fundação ‘entre tempos’. Igualmente, é a causa de consolidação da ‘ruína’ – de uma ‘permanência material’ – e relacionada a partir de enquadramentos visuais com o ‘objeto puro’. Adicionalmente, a construção (do objeto ‘puro’, denominado por “pequena casa”) tem uma ambição de ser a ‘mediação’ para atingir uma ‘expressão’ (indiciada por construção ‘pura’).
“Mais precisamente, e dando um exemplo: construir um teto e um chão independentes. Essa estrutura permite que a construção da forma adquira outra possibilidade, ou seja a independência ‘permite’ que a construção seja ‘pura’.”
(MATEUS, 2023)
A ‘expressão’ é proveniente de investigação, que na sua última instância, aparece como finalidade para que a disciplina de Arquitetura promova relações estéticas harmoniosas ‘puras’ – e que representam a precisão e exatidão construtiva. Neste contexto, ‘expressão’ deverá ser entendida como (uma) ‘forma’ / ‘sentido’ tanto de pensar como de materializar o espaço e a construção. Da mesma forma, pode-se assumir que a ‘expressão’ funciona como lógica de ‘processo’ que está relacionada com uma ‘forma’ ou ‘sentido’ de ‘algo’.
A materialização de ‘expressão’ decorre durante o processo em Alenquer. Por esse motivo, a Casa adquire uma importância notória, como indicado por Manuel Aires Mateus, uma vez que é um projeto que apresenta o início de um “sentido escultórico” (MATEUS, 2023). Da mesma forma, a dinâmica escultórica, pode ser entendida pelo espaço (entre): a materialização ‘pura’ e a ruína existente. Espaços intersticiais que funcionam de “forma com uma relação íntima com o existente” [38].Como se materializa a relação de intimidade? Assume-se que a ‘ideia’ espacial de intimidade (mencionada pelo atelier) provém de uma ambição de espaço originário de matéria.
No processo em Alenquer, a ‘origem’ da forma do objeto ‘puro’ e o ‘espaço entre’ (como ‘processo mental’) procura-se pela depressão, ou seja, uma materialização pela ideia de ‘subversão material’ (ao invés de emergência), como na Igreja de São Jorge (Lalibela Etiópia). A importância da referência mencionada, é, não só, a oposição entre uma geometria ‘pura’ (claramente arquitetónica) e o seu ‘limite’, como também a questão ‘matérica’. Concretamente, a ‘construção’ (Lalibela) revela-se a partir da escavação; a matéria escavada origina um ‘espaço’, o qual formula ‘novos corpos’ e espaços intersticiais. Igualmente, a intenção, apreendida da referência, é a valorização e a importância dos espaços intersticiais (originados pela depressão) ou do espaço ‘entre’, como sendo o ‘espaço central’, transmitido (como ‘conceito’) em Alenquer.
“(…) no fundo a materialização da Casa em Alenquer é eficiente a transmitir essa ‘ideia’. Como ideia a intenção está relacionada com as construções da Igreja de São Jorge em Lalibela, porque nós assumíamos a ‘liberdade (e irregularidade) do escavado’ contra a geometria (existente). No fundo recorrendo também à memória desse projeto (Igreja de São Jorge) onde o espaço que se usa, é o ‘espaço entre’. A nossa ideia (para a Casa em Alenquer) era essa exatamente, como princípio.”
(MATEUS, 2023)
Curiosamente, Emílio Vilar menciona que, durante o ‘processo’ de trabalho, o ‘termo’ escultura, era evocado; referindo um sentido de ‘processo de esculpir’: i.e., tanto a criação de formas (volumes ou relevos), com também a modelação de ‘algo’ – que será densificado e verificado em Limite(s): materialização ‘intersticial’. Sucintamente, a forma do objeto ‘puro’ (“pequena casa”) apresenta, como mencionado por Manuel Aires Mateus, o ‘princípio’ que se trata de um certo sentido escultórico – ‘expressão’ – construído ‘num tempo preciso’. Enquanto a ruína representa um ‘tempo’ de continuidade: e a construção será a mediação bem como o ‘princípio’ para a fundação de ‘tempos’. ‘Artisticamente’, a ambição (da construção) do projeto é que procura materializar a intenção e o processo da ‘ideia’ de irregularidade do escavado ‘contra’ uma ‘geometria pré-existente’ (ruína) – gerando espaços intersticiais, ‘envoltos’ na mesma matéria construída (plano vertical) e com uma base ‘matérica’ comum (plano horizontal).
Figura 12 – ‘Segundo Processo’ / Plantas Estruturas, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Junho 2000 (Fonte: Arquivo © Câmara Municipal Alenquer).
Figura 13 – Fotografia Exterior. Ref AL 255, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Setembro 2001
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Limite(s): materialização ‘intersticial’
“(…) no fundo, a Casa em Alenquer é o principal momento, talvez a primeira vez, que nós na verdade conseguimos ter uma ‘teoria larga’ sobre o ‘limite’.”
(MATEUS, 2023)
O princípio de “não evitar a construção” e de ‘habitar’ limite é materializado em Alenquer. (MATEUS, 2023). A transformação ‘espacial’ em ‘algo’ físico a partir de uma noção de não fisicalidade considera-se: Será o ‘vazio’ matéria? A Casa é uma investigação assumida por Manuel Aires Mateus, como o principal momento de ‘teoria larga’ precisa sobre espaço e ‘limite’, numa forma coerente de estratificação programática, e com um ‘significado espacial único’. No entanto, será possível dissecar a existência de indícios prévios sobre esta? [39] Alenquer comprova ser o ‘processo’ mais evidente.
‘Entre limites’ emerge a partir da Casa em Alenquer; e publicado (como ‘conceito’) por João Belo Rodeia. O ‘limite’ tem uma possível definição, não sendo uma ‘linha’ ou um ‘elemento-limite’, mas sim de ‘espaço entre algo’. Em Alenquer, convocado sobre a Casa: ‘algo’ entre muros, uma possibilidade de ‘vivência’ entre limite. O ‘conceito’ estabelece-se pela relação entre o ‘corpo’ e a ‘linha’ (vertical). Concretamente, o espaço entre os ‘corpos’ que estabelecem ‘essa linha’: espaço entre ‘algo’ que é território ‘próprio’.
A Casa em Alenquer emerge desse propósito: uma espacialidade reconhecível a partir do ‘limite’. Clarificando, o espaço parece ser reconhecido pela espessura e substância (pré-existente / materializada); como se o espaço fosse traduzível numa escavação material, e como se a matéria fosse traduzível numa escavação espacial.
Por sua vez, o ‘limite’ servirá para a composição e a materialização programática no ‘segundo processo’, como referido por Manuel Aires Mateus: “A partir daqui, então começamos a construir uma intenção de ‘muro’, ou ‘limite habitado’; questionando, como construir o limite? Assimilando, o ‘limite’ como ‘limite habitado’.” (MATEUS, 2023).
O ‘limite’ indiciado pela ruína existente e por outros elementos materializados criam ‘espaço’, que serve como interstício do espaço ‘habitado’, numa lógica de habitar o ‘limite’. O espaço intersticial é receptivo a diversas vivências e funções, sejam elas provenientes da ‘casa de funções’ ou não. [40] Espacialmente, o conjunto é formulado por uma coerência pragmática de composição do programa ou de ‘espaços de vivências’.
Observando o esquema a partir da planta, constata-se a lógica da “pequena casa” com zonas disseminadas no piso térreo e zonas resguardadas e protegidas no piso superior. [41] Relativamente à estratificação funcional e programática, o objeto ‘puro’ / “pequena casa” apresenta no piso térreo, elementos dispostos num espaço ‘encerrado’ através de ‘limites’: desde a salamandra; às duas bancadas de cozinha (onde uma se funde com a escada em madeira); um “pequeno tanque” construído.
A dispersão dos elementos por todo o plano horizontal é relacionada através do pavimento “em madeira de pinho natural” [42], que unifica funcional e programaticamente a vivência no espaço (e promove uma relação indissociável sobre essa dimensão).
Contrariamente, à disseminação e fluidez espacial no piso térreo, no andar superior é possível identificar uma maior estratificação através de outros ‘limites’ distintos, que conferem ‘proteção’ e resguardo como: os três espaços com pavimento em madeira de pinho natural; um espaço de instalação sanitária; e um espaço com lajeta, circunscrito por vários ‘limites’ verticais, contudo sem ‘limite’ horizontal (superior).
Neste momento, importa referir outro nível sobre a materialização ou desmaterialização do ‘limite’ (i.e., ruína). O mesmo quando em ‘tensão’ com a “pequena casa” foi sujeito a manipulações arquitetónicas durante o processo da obra, de modo a promover relações visuais e espaciais pretendidas pelo atelier. Através da análise das anotações em obra, sobre os desenhos originais provenientes do atelier Aires Mateus, é possível constatar as decisões que levaram à construção e demolição de partes da ruína.
As anotações apresentadas foram registadas em diálogo e colaboração. As decisões podem ser consideradas como fruto de análise em obra, através de uma forma empírica e intelectual de observação arquitetónica – assim, denota-se a manipulação sobre o espaço entre, ou seja, as áreas ‘entre’ a “pequena casa” e a ruína.
Apresenta-se de forma evidente áreas contidas em ‘limites’ com desígnio distinto e propício a inúmeras experiências. Graças à manipulação / materialização da ruína, acentuaram-se experiências visuais e espaciais não só entre os ‘diferentes’ vãos como também entre os espaços intersticiais.
A materialização é autónoma, mas não separada, no “meio destes espaços de dimensão ambígua” (MATEUS; MATEUS, 1999: 23). O programa organiza-se: no piso superior com “uma casa de banho social de apoio, arrumos e ‘o quarto’”; no piso térreo com “sala com área para cozinha”; e os restantes não tem definição. [43] A necessidade de nomenclatura programática não está relacionada com a o grau de importância dos mesmos.
Em Alenquer, originalmente, devido à ambição do processo, os espaços procuram uma ideia de ‘materialização’ relativa ao ‘conceito’ de ‘negativo’ e / ou ‘vazio’ derivante da referência a Lalibela previamente mencionada. [44]
“A nossa ideia (para a Casa em Alenquer) era essa exatamente, como princípio. Adicionalmente, interessávamo-nos na prática de projeto, tentar uma ‘ideia’ como se nós construíssemos ou materializássemos o negativo.”
(MATEUS, 2023)
Considera-se que esses mesmos, os espaços ‘entre’, surgem como mecanismos para solucionar e organizar programas espacialmente. A ‘ideia’ da materialização dos espaços ‘entre’ consiste no seguinte: espaços em ‘negativo’ ou em ‘vazio’.
Nesse sentido, os espaços mencionados são o mecanismo de solução de projeto que encadeou uma sucessão de processos que se torna metodológica – “construir o ‘vazio’, como princípio” (MATEUS, 2023), como mencionado por Manuel Aires Mateus: relativamente a método processual de projeto, ambos intrinsecamente interligados, que em última instância, servirá para “compreender a importância do espaço.” [45]
“Essa ambição foi sempre uma ‘ambição’ muito forte, que permaneceu. Assim, foi determinante, compreender que, como metodologia estamos a construir o ‘vazio’, como princípio. A Casa em Alenquer é um projeto demonstrador disso mesmo: da construção de ‘vazio’.”
(MATEUS, 2023)
Como Gonçalo Byrne menciona, em Alenquer, existe “o desejo de transformar o espaço em algo físico, o vazio tornando-se matéria-prima para a arquitetura” (BYRNE, 2002: 30). O ‘desejo’ de transformação dos ‘vazios enigmáticos’ desvenda espacialmente o projeto; visto que são os espaços ‘entre’, que pressupõem espaços a serem vividos – propícios a uma procura espacial e experiencial.
Os espaços ‘entre’ são os que conduzem a solução de projeto, a partir da ‘esquematização’ de espaços habitáveis com função, como por exemplo: desde a área de dormir, a área de estar, a área de contemplar, entre outros.
A experiência do espaço ‘entre’ ambiciona uma diversidade de ‘dimensões’, tendo a possibilidade de serem ‘habitados’ de diferentes maneiras; sem nenhuma função precisa – ‘espaços’ disponíveis para qualquer experiência, até a consciência da (sua) existência.
“Igualmente, é nesta altura em que começámos a pensar / refletir muito no ‘problema’ não só do que é que quer dizer o espaço, com também o ‘limite’, simultaneamente ‘a relação entre espaço-limite’. A partir deste pensamento, o processo da Casa em Alenquer, é um processo interessante porque começa por ser uma recuperação / renovação ‘daquela’ casa, naquele contexto.”
(MATEUS, 2023)
Figura 14 – Fotografia Exterior. Ref AL 569, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Setembro 2001
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Espaço: ‘dimensão’ material
“Essa ideia, de que a ruína é um (tempo) ‘contínuo’ contra um tempo preciso materializado é uma ideia muito forte na Casa em Alenquer.”
(MATEUS, 2023)
A matéria do tempo (‘contínuo’) contra uma ‘outra’ matéria: Como se manifesta a ‘ideia’? Será uma procura de reabilitar uma ‘memória’? Ou de uma intenção ‘contemporânea’ de matéria sobre uma memória de uma ruína existente?
No caso em específico deste projeto, propõe-se que a intenção surja pelo ‘tratamento’ da ruína, ou seja, a decisão de não manter a ruína como ‘ruína’ – um ‘gesto’ de consolidação daquele ‘limite’ de um certo ‘tempo’. Esta decisão não foi imediata, foi decidido ‘em processo’.
A concretização do ‘gesto’ decorre de forma inerente do processo (tanto em pensamento como em processo e obra); onde primeiramente existe a regularização e consolidação, seguida de pintura a branco, deixando as cantarias existentes a dado momento, promovendo reflexão sobre tal – podendo ser assumida como uma ‘contemplação’, e por hesitação sobre o ‘processo’.
Depois, o ‘gesto’ materializa-se de ‘forma absoluta’ – a partir da tomada de decisão – sendo a ruína pintada de forma integral. Logo, com a ruína a branco, promove-se a assunção de que a mesma é materializada (ou seja, é matéria contemporânea) [46]. Eventualmente, a partir deste ‘gesto’ cria-se a ilusão e, em género de fantasia, de que nada existia – algo ‘deserto’. Do mesmo modo, é importante introduzir a ‘questão de tempo’; uma vez que a patina do ‘tempo’ desvaneceu, permitindo que todo o conjunto ‘pertence’ ao mesmo ‘tempo’.
A ruína transforma-se em ‘algo de projeto’, como se fosse de ‘raiz’, e pertence a um determinado ‘momento’ da obra (o do seu fim).
O ‘gesto’ – o tom intemporal – branco [47] – materializa todos os elementos numa síntese homogénea: um layer comum, que dificulta a compreensão dos diferentes ‘tempos’. Identicamente, confirma uma unidade ‘matérica’ e espacial arquitetónica [48]. Portanto, materializa-se a ‘ideia’, referente à Igreja de São Jorge em Lalibela, de circunscrição do espaço na mesma matéria (plano vertical) e com uma base ‘matérica’ comum (plano horizontal). Com uma intencionalidade de atribuir um “novo significado plástico à expressão dos muros existentes” [49].
Neste momento, a ambição do ‘gesto’ em causa desenvolve uma unidade. Em última instância, a homogeneização (da matéria, entre a ruína existente e a materialização da “pequena casa”), perfeitamente intencionada, e fruto de inquietações ou dúvidas durante o processo, juntamente com uma outra decisão fundamental de continuidade do pavimento (identicamente homogéneo), até à ruína: concentra a ambição.
Na relação espacial, o espaço é o ‘centro’; ou seja, o espaço ‘central’ (a tensão entre ‘corpos’) assume-se como primordial. [50]
Resumindo, a partir as duas decisões mencionadas, é possível denunciar a ambição sobre o ‘tema’ do ‘espaço’ e a centralidade do mesmo contido ‘entre limites’ num sentido vertical, algo único espacialmente.
Assim, depreende-se que o princípio é o que se encontra ‘entre limites’; a investigação sobre o espaço como ‘elemento primordial’ que articula a lógica do processo e projeto. A ruína é materializada e desmaterializada em torno do ‘corpo’ em tensão com a mesma. Ou seja, o ‘limite’ foi ‘descoberto’, disposto a ser ‘manipulado’ arquitetonicamente em função de outro ‘corpo’.
Durante o processo, poderão ser analisadas hesitações, dúvidas e certezas que levaram à construção da obra, e do seu ‘limite’ (i.e., a ruína). A partir da análise da documentação é possível detetar que no desenrolar da construção da “pequena casa”, inúmeras operações foram concretizadas sobre a ruína, desde: concordância ou conciliação entre vãos (em função dos mesmos da “pequena casa”); alinhamento entre ‘limites’ verticais e horizontais (exemplo: linha de cumeeira), entre outros. Será pertinente questionar que se os muros caíssem, o princípio ‘permaneceria’? Do mesmo modo, se o último ‘limite’ não existisse, o espaço ‘subsistiria’?
Considera-se que a circunstância do ‘limite’ existente é decisiva para a ‘materialização do ‘principio’ e para o ‘pensamento’ no processo; sem a mesma, a “pequena casa” não ‘sobrevive’.
Figura 15 – Esquisso Casa em Alenquer por Aires Mateus, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. s.d.
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Figura 16 – Fotografia Exterior. Ref AL 246, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Setembro 2001
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Conclusão
Retomando a questão na ‘estrutura’ ou ‘ideia’ sobre a Casa em Alenquer: que ‘pensamento’ ou ‘princípio’ será possível escrutinar na obra?
De forma a contextualizar, torna-se importante mencionar a designação de ‘sobre a permanência’ – título da entrevista conduzida por Ricardo Carvalho [51]. Na mesma, dialoga-se, não só sobre ‘princípios’ e valores tipológicos ou espaciais referentes a diversos projetos ou obras, como também sobre: ‘projeto de continuidade’, ‘ideia de matéria’, ‘ideia de permanência’, entre outras. Matrizes que tornam relevante e permitem circunscrever uma ‘ideia’ de ‘permanência’.
Com base neste pensamento, o artigo investigou o ‘papel’ do processo e, de forma semelhante: poderá ‘algo’ ser descodificado a partir do mesmo? Será possível considerar a Casa em Alenquer como um processo que serve de referência ou de ‘fundação’? Será a obra em Alenquer um ‘processo’ que indícios de ‘permanência’ intelectual no atelier?
Compreendendo o desenvolvimento da construção da obra, referente ao ‘Segundo Processo’ compreendido entre 2001 – 2003, a Casa é definida como sendo uma ‘renovada ambição disciplinar’ [52] e “a Casa que (não) esconde a enorme complexidade – processo. Assim, outras questões se poderão abordar como: Qual o caminho que o projeto ‘abriu’? Será a investigação, um processo diferenciado? Com ambição de materialização de “campos próximos da eternidade” (CHAVES, 1999: 16)? O que surge do processo, que se torna ‘permanente’? Será a ‘ideia’ de permanência a ‘herança’ da Casa em Alenquer?
A circunstância assumiu-se como uma parte importante. A partir do momento em que se “soltaram”: os “muros assumiram no processo um valor próprio” (MATEUS; MATEUS, 1999: 23). Torna-se possível compreender uma ambição ‘de algo’ assente numa investigação.
O atelier deslocava-se semanalmente a Alenquer para visitas ao estado corrente da obra, para reunir com os intervenientes necessários e coordenar o desenvolvimento do ‘processo’ – num sentido de busca de soluções / respostas para a Casa e acima de tudo, num sentido de registo tanto fotográfico como videográfico.
A obra foi constantemente ‘manipulada’ na fase de construção. O proprietário original refere as inúmeras alterações comandadas por Francisco e Manuel Aires Mateus nessa fase; dando como exemplo o acrescento no topo da ruína de modo a nivelar a cota de cumeeira entre todos os ‘corpos’; ou como já exposto anteriormente, a ‘manipulação’ dos planos verticais (paredes), acrescentando ou diminuindo áreas com o intuito de correlação arquitetónica entre o conjunto. Como Emílio Vilar refere, “a obra nunca mais acabava”, uma vez que, os arquitetos foram ‘modelando’ não a “pequena casa”, mas as paredes exteriores (ruína) [53] – mas, curiosamente, na sua perspetiva esta foi a fase mais interessante, i.e., o processo. Em suma, a Casa foi um contínuo trabalho em processo.
O constante desenvolvimento de uma obra em construção desbloqueia a pergunta sobre uma ambição de ‘permanência de investigação’; ou seja, a não satisfação ou contínua procura de soluções arquitetónicas sobre o projeto em questão. Identicamente, pode-se remeter para outra noção até de ‘permanência de princípio’, identificado neste processo, e que, consequentemente, servirá ou serve como recorrência para seguintes ‘processos’.
A Casa tem uma permanência de ‘ideia’ objetiva, uma circunscrição de um princípio materializado arquitetonicamente e ancorado por ‘conceitos’. Algo previamente não tão percetível noutros processos e projetos, sendo possível identificar diversidade de intenções conceptuais, e não como uma sistematização de temas. [54]
Deste modo, o processo em Alenquer precisa e materializa o princípio de ‘limite’, depurado no artigo a partir de ‘conceitos’ – reforçando a ‘ideia’ de que um projeto é (primordialmente) um campo de investigação. No entanto, ambiciona uma inerente transformação de ‘princípio’ em matéria.
“As reabilitações, reconversões, devem ancorar-se em portos mais fundos que os da mera eficácia e economia do projecto, remetendo antes e sobretudo para os difíceis e almejados campos próximos da eternidade no sentido de que a vontade da ideia se sobrepõe transformação da matéria.”
(CHAVES, 1999: 16)
Será que a identificação dos ‘conceitos’ enumerados demonstra uma ‘reinvenção de memórias’ e uma síntese? Que elações e analogias serão possível identificar e que definitivamente abordam questões inerentes ao ‘lugar’ e à relação espacial ‘entre limites’? Conota-se com uma ‘precisão conceptual’ – o ‘princípio’ – sendo uma síntese de inúmeros ‘conceitos’.
A ambição da materialização de ‘tensão’ entre ‘corpos’, questiona contemporaneamente o ‘espaço entre’. Reinventa-se ‘conceitos’ sobre o espaço e ‘limites’ (dos mesmos): o espaço compreendido entre volumes, a sua tensão e as suas inerentes relações entre os mesmos (referência a Memória Descritiva: “Os espaços interiores têm um primeiro limite físico em vidro, mas o seu limite fica, sensitivamente, no muro e nas suas aberturas.”).
A ‘dimensão espacial’ encontra-se pela matéria, centrando o ‘tema’ do espaço – igualmente, pela ‘fundação’ de ‘tempos’. A luz e a matéria são compreendidas de uma forma única, visto que o espaço permite uma experiência clarividente de sequência espacial excecional. O princípio ‘limite’ é primordial, promovendo o propósito para o espaço ser o ‘centro’.
No presente artigo, ao investigar o ‘processo’ da Casa em Alenquer, enuncia-se que este se ‘desancora’ de critérios assentes numa “remodelação” [55]. Adicionalmente, o decisivo não se encontra na relação entre autor-cliente, ou as noções de vivência no espaço, entre outros; importando na argumentação, a série de decisões provenientes de processo que originam uma possibilidade – que demonstra um cariz proveniente do princípio, que eventualmente gera diversas nuances.
No entanto, a partir de um ‘princípio’ adquire-se o ‘novo significado’ e a ambição de se remeter para “os difíceis e almejados campos próximos da eternidade no sentido de que a vontade da ideia se sobrepõe transformação da matéria.” (CHAVES, 1999: 16).
“Assim, em suma, esta é um pouco a história da Casa em Alenquer, que no fundo, tem-se continuadamente tornado uma casa com essa ‘capacidade’ de ser um ponto de partida de uma ‘ideia’, transforma-se numa ‘substância’ diferente para nós.”
(MATEUS, 2023)
A Casa ‘permanece’ na memória, sendo uma investigação de ‘fundação’ [56]. A “pequena casa” com uma solução “de limites ambíguos entre o plano ligeiro de vidro e as pesadas paredes” (MATEUS; MATEUS, 1999: 23) da ruína existente, ‘transporta’ o princípio de ‘limite’ como a referência ‘global’. (A Casa) concentra ‘o’ tema; uma ambição de ‘global’, que se materializa.
A ‘ideia’ transcendente, não tangível, torna-se matéria, ou uma ‘possibilidade’ materializada. A importância da possibilidade que a Casa em Alenquer transmite, é: revela a materialização de um ‘processo’, e uma precisão de conceção de projeto “de uma forma global” (MATEUS, 2023).
Embora, a arquitetura não seja realmente perpétua, o seu princípio poderá almejar a eternidade. [57]
A Casa demonstra-se como um ‘salto quântico’ por ser uma investigação do ‘espaço’ como elemento primordial que articula o processo materializado partindo do princípio ‘limite’: “porque a utilidade da arquitectura assim o permitiu” (CHAVES, 1999: 17). No fundo, o propósito é o que se encontra ‘entre limites’.
Concluindo, recuperam-se as premissas questionadas, tais como: Que ‘investigações’ a Casa em Alenquer desenvolveu e proporcionou? Será este um ‘processo de experimentação’, que realça estruturas?
Compreende-se que a Casa em Alenquer, presente num determinado contexto e circunstância, é uma obra de uma ambição que continuadamente vai “(…) reinventando memórias e temas ao mesmo tempo.” (RODEIA, 2002: 67), tanto no presente, como para série e sequência futuras de processos / projetos [58], onde a “precisão (…) serve para abordar cada novo enunciado”. [59]
Figura 17 – Desenho por Manuel Aires Mateus no Arquivo Aires Mateus, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Abril 2023
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
Figura 18 – Fotografia Exterior. Ref AL 494, Casa Dr. Emílio Vilar–Alenquer. Dezembro 2001
(Fonte: Arquivo do Atelier © Aires Mateus).
“No fundo, o projeto permite a materialização dessa ideia, de uma ‘forma clara’, que nos vai permitir, de alguma maneira, encontrar lógicas (futuras) para responder a outros projetos. Esse momento traduz claramente a importância dessa ‘Casa’.”
(MATEUS, 2023)
Post scriptum © Daniel Malhão
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Entrevistas
MALHÃO, Daniel – Casa (Emílio Vilar) em Alenquer: (entre) diálogo(s) sobre fotografia & processo(s), 2023.
MATEUS, Manuel Aires – Casa (Emílio Vilar) em Alenquer: (entre) processo(s), 2023.
Acervos
Arquivo Aires Mateus (Atelier Aires Mateus e Associados & Francisco Aires Mateus Arquitectos).
Arquivo Câmara Municipal de Alenquer – Paços do Concelho.
Depoimentos
Francisco e Manuel Aires Mateus, Lisboa, 2023.
Emílio Távora Vilar, Lisboa, 2023.
Jorge P Silva, Lisboa, 2023.
Notas
1. Ver, sobre este assunto, (RODEIA, 2001). Ver, na publicação mencionada, a introdução por João Belo Rodeia (1961- ), com o título “Línea de tierra: presentación de una nueva generación de arquitectos portugueses”. A partir desta publicação, a Casa em Alenquer do atelier Aires Mateus surge como o projeto muito significativo tanto na prática do coletivo como também na prática teórica / crítica no início do século XXI. Como referido por Rodeia, a quantidade de uma série de projetos que surgem no início da década de 1990 promovem já alguns indícios de intenções de experimentação, embora não tão evidentes, e os projetos que surgem no final da década de noventa no atelier Aires Mateus (publicados) mostram ser cruciais, com uma conotação experimental de procura de identidade, relevante no estabelecimento de uma maturidade sobre a prática (de projeto) e a materialização ‘ideológica’. Nesse sentido, este período adicionando os projetos associados a tal contexto ‘marcam’ de uma forma simbólica um carácter especial para o percurso do atelier como o próprio menciona. Considera-se que a prática é concentrada numa construção mental transportada para ‘algo’ material, na disciplina de Arquitetura. E, resumidamente, devido ao seu contexto, demonstra-se como uma manifestação de experimentação da prática do atelier Aires Mateus, completa por uma “renovada ambição disciplinar”.
2. As fotografias referidas são da autoria do fotógrafo Daniel Malhão (1971- ) – frequentou e concluiu o Curso Completo de Fotografia no Ar.Co entre 1995 e 2000 tendo participado no programa de intercâmbio com The School of the Art Institute of Chicago, para o qual contou com Bolsa da FLAD.
3. Na publicação expõe-se, com ênfase, não só o valor num panorama de arquitetura portuguesa contemporânea, reforçando a ambição e qualidade do projeto, como também a relevância da dupla Aires Mateus. Igualmente, este número tem uma especial importância, onde constam várias menções ao atelier Aires Mateus: desde a sua pertinência como ‘nova geração de arquitetos’ a emergir, bem como várias menções não só a projetos de cariz público previamente concebidos e construídos (por exemplo: as Residências de Estudantes do Pólo II da Universidade de Coimbra (entre 1996 – 1999), a Cantina da Universidade de Aveiro (entre 1997 – 2001), ou o projeto Reitoria da Universidade Nova de Lisboa (em 1998), como também à prática de docência quer nacionalmente (no Departamento de Arquitectura da Universidade Autónoma UAL/DA) como internacionalmente (Pamplona / Espanha e Mendrisio / Suíça, mais precisamente Manuel Aires Mateus).
4. Ver sobre este assunto, (RODEIA, 2001).
5. Identicamente, é importante mencionar que foi essencial para o ensaio e a sua composição, a procura incessante (e recuperação) de materiais originais. Materiais provenientes do espólio físico e digital tanto do arquivo do atelier Aires Mateus como do arquivo da Câmara Municipal de Alenquer. Os materiais apresentados são Cortesia dos Arquivos mencionados, consultados em 2023. Não poderão ser utilizados sem autorização prévia.
6. Em certa instância, seria possível promover uma análise / investigação de cada ‘fase individual’ da Casa em Alenquer, situando o projeto a ‘diferentes tempos’, expondo e possivelmente, contrapondo: o primeiro “projecto lógico, uma recuperação da casa existente’; seguido de uma ‘casa tinha o desígnio de se consolidar como uma ruína.” como mencionado em (ADRIÃO; CARVALHO, 2007: 70). No entanto, o presente artigo teve o intuito de consolidar a ‘narrativa’ da Casa em Alenquer, concentrando a investigação singular do ‘próprio projeto’ materializado desvendando alguns pontos cruciais do mesmo, evitando confrontações com projetos contemporâneos da prática do atelier Aires Mateus, e procurando uma análise comparativa.
7. “(…) ‘capacidade’ de ser um ponto de partida de uma ideia, transforma-se numa ‘substância’ diferente para nós.” (MATEUS, 2023).
8. Referência sobre a Casa em Alenquer: “No fundo, alguma maneira em obter e construir ‘princípios’ muito distintos em projetos como esse, definitivamente associado nessa mesma tipologia ou não. Igualmente, é na altura em que começamos a pensar / refletir muito no ‘problema’ não só do que é que quer dizer o espaço, com também o ‘limite’, simultaneamente ‘a relação entre espaço-limite’.” (MATEUS, 2023).
9. Depoimento de Manuel Aires Mateus sobre o ‘processo’ em Alenquer. A pertinência da recuperação e da revisitação possui como premissa: que o projeto pode ser considerado, não só um ‘ponto de viragem’ (uma obra-manifesto ou um projeto ‘experimental’) para o percurso do atelier, sustentado em diversas comunicações.
10. Circunscrevem-se ‘limites’ sobre as possibilidades e discussões arquitetónicas em resposta a momentos de ‘processo’, situando em determinados ‘conceitos’ sobre construção, espaço, matéria, limite, tempo, entre outros.
11. A encomenda por parte de Emílio Vilar aos arquitetos Francisco e Manuel Aires Mateus do projeto para a sua casa em Alenquer marca o início de um ‘processo’ assinalado no panorama nacional e internacional, de inúmeras formas.
12. Depoimento obtido através de Emílio Manuel Távora Vilar sobre o ‘processo’ em Alenquer.
13. Emílio Vilar em depoimento confirma que a Casa em Alenquer (materializada) é resultado de três projetos independentes; a menção sobre os três processos, é coerente com a documentação recolhida; no entanto, é possível identificar apenas dois como submetidos à Câmara Municipal de Alenquer.
14. Ver, sobre este assunto, a citação presente na Memória Descritiva 13/05/1996. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
15. Idem.
16. Idem.
17. Referência a “A partir deste pensamento, o processo da Casa em Alenquer, é um processo interessante já que começa por ser uma recuperação / renovação ‘daquela’ casa, naquele contexto. De facto, é uma casa construída em dois ‘tempos’, e que nós (em projeto) recuperávamos de uma forma clara: não só construindo uma zona para sala, como também uma zona para quartos (entre outros).” (MATEUS, 2023)
18. Ver, sobre este assunto, a citação presente na Memória Descritiva 13/05/1996. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
19. Ver nota 18 e, adicionalmente, “No coroamento das paredes será ainda aplicada pedra de vidraço amaciada, recriando o efeito de cornija”. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
20. Ver, sobre este assunto, a citação presente na Memória Descritiva 13/05/1996. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
21. (…) “ou em alternativa com recurso a barros de cor amarela”, como descrito / mencionado na Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
22. Ver, sobre este assunto, a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
23. Ver, sobre este assunto, a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
24. Ver, sobre este assunto, a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
25. Idem.
26. Referência a “A alteração, que diminui muito a área de construção fica a dever-se à situação encontrada na obra. Verificou-se aí a incapacidade estrutural das paredes exteriores, pela sua pobre constituição, de receberem a cobertura. Decidiu-se assim como obra naquela fase, consolidar os referidos muros até por questões de segurança essencialmente no contacto com a via pública.” Excerto do primeiro parágrafo presente na Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
27. Referência a “Por razões de limites de custo, já que a operação envolveu nesta fase grandes gastos, optou-se por uma pequena casa com um programa muito reduzido” presente na Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
28. Ver, sobre este assunto, (RODEIA, 2001).
29. Ver, sobre este assunto, a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
30. Idem.
31. Idem.
32. Idem.
33. Referência a “(…) a Casa de Alenquer, que, para nós, é o nosso primeiro projeto! Foi o primeiro projeto em que nós sentimos que era verdadeiramente possível controlar um projeto a sério, em todos os sentidos, controlar o que estávamos a fazer.” (RAMALHETE; LOPES; 2014)
34. Através da investigação e reflexão sobre a ‘questão’ que suscita a necessidade da arquitetura. Ver, sobre este assunto, (CARVALHO, 2011).
35. Compreendidos aproximadamente entre 1995 – 1999. O ‘primeiro processo’ determina ‘bases’, embora concentradas na remodelação / recuperação, e a valorização de todo o conjunto, como exposto previamente.
36. Referência “A Casa em Alenquer é o projeto mais determinante que nós fizemos, e de certo modo que nos prepara, de certo modo, para uma condição (que também tem os seus ‘perigos’), onde compreendemos que as ‘ideias’ são fundamentais na prática (a par de muitas outras coisas, ou seja: muitas investigações que têm de ser criadas para a construção de uma Casa).” (MATEUS, 2023).
37. Ver, sobre este assunto, (BLÁZQUEZ JESÚS, 2019).
38. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
39. Primeiramente sobre não só o conceito de ‘entre limites’ introduzido por João Belo Rodeia em 2002, como também da noção de uma ‘teoria larga’ (descrita por Manuel Aires Mateus em 2023) sobre ‘limite’ presente previamente ao projeto da Casa em Alenquer: a dupla Aires Mateus Francisco e Manuel Aires Mateus demonstra princípios sobre a investigação desse mesmo conceito, procurando a sua materialização. Em pleno processo (obra) da Casa Narciso Ferreira (1993), em Alcanena, Francisco e Manuel Aires Mateus dialogam sobre o mesmo com Manuel Graça Dias (Três Casas em Alcanena / 1996, Edgar Feldman, 25′), evocam-se os conceitos: escavação e ‘limite’.
40. Ver, sobre este assunto, (RODEIA; BAEZA, 2003).
41. Idem.
42. Ver, sobre este assunto, a referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
43. Idem.
44. Referência a “No fundo recorrendo também à memória desse projeto (Igreja de São Jorge) onde o espaço que se usa, é o ‘espaço entre’.” (MATEUS, 2023).
45. Referência a “Neste projeto, como fundamental, estamos não só de facto a ambicionar a ‘construção desse vazio’: entre duas coisas, como também, e acima de tudo estamos a construir os ‘vazios’ numa outra escala. A mesma escala, remetendo para a ambição de desenho de projeto sempre em inúmeras escalas, de modo a compreender a importância do espaço. Como representação, íamos construindo ‘vazios’ a diferentes escalas, e representávamos esses mesmos ‘vazios’ a diferentes escalas no projeto.” (MATEUS, 2023).
46. Ver, sobre este assunto, (BAEZA, 2003).
47. Ver, sobre este assunto, (BLÁZQUEZ JESÚS, 2019).
48. Ver, sobre este assunto, (RODEIA; BAEZA, 2003).
49. Ver, sobre este assunto, a Memória Descritiva (de 1999): “Respeitando a relação do centro histórico com o construído este projecto dá um novo significado plástico à expressão dos muros existentes e recuperados.” Em Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer: Projecto de Alteração ao Projecto Aprovado (1999).
50. Ver, sobre este assunto, (TUÑON ÁLVAREZ, 2016).
51. Ver, sobre este assunto, (CARVALHO, 2011).
52. Sobre este assunto, considera-se que a Casa espelha um ‘salto quântico’ pela circunstância. Será relevante compreender o posicionamento do projeto no seu contexto contemporâneo. Questiona-se a sua fundamentação definida pelas circunstâncias e entre constrangimentos. Assim, será proeminente, obviamente considerar o corpo materializado como um resultado (carregado de ambição e intencionalidade intelectual) da série de constrangimentos ocorridos.
53. Depoimento de Emílio Manuel Távora Vilar sobre o ‘processo’ em Alenquer.
54. Ver, sobre este assunto, (CARVALHO, 2011)
55. Referência a Memória Descritiva e Justificativa / Remodelação na Rua da Judiaria, nº7 em Alenquer (1996).
56. Referência a “Relativamente à Casa em Alenquer, uma investigação de fundação ou de continuidade? A Casa em Alenquer é um projeto / investigação de fundação. Diria mais, a Casa em Alenquer é a maior das fundações. Isto porque é uma ‘viragem determinante’ para nós, enquanto atelier, é o projeto e o momento em que nos entendemos a possibilidade do ‘controlo de uma ideia’.” (MATEUS, 2023).
57. Ver, sobre este assunto, (CARVALHO, 2011).
58. Referência a “No fundo, esses três projetos (Alenquer, Azeitão e Melides) são os mais determinantes no percurso da prática profissional, e que constroem o ‘vocabulário’ (de trabalho) do atelier (Mateus). Por fim, o ‘vocabulário’ que nos vai permitir para construir outros projetos (futuros), como: o Centro Cultural de Sines (2001-2005) entre outros.” (MATEUS, 2023).
59. Ver, sobre este assunto, (CARVALHO, 2021). Nesse sentido, o processo da materialização de uma ideia ‘clara’ permite uma continuidade de lógicas de trabalho: considerando que a Casa inicia um processo (modus operandi) com intenção de permanência: um processo / projeto em permanente afinação, que a caracteriza; no entanto, com um princípio ‘em constância’ – identicamente, a partindo da possibilidade revelado, será passível de analisar a sua ‘possibilidade’ tanto em processos como obras consequentes, até aos mais recentes dias.